José
Soeiro – Expresso, opinião
“Receba
sem compromisso um estagiário durante dois dias. Experimente grátis." São
estes os termos do anúncio da work4u, um empresa especializada na angariação de
estagiários. Lê-se e não se acredita. O estagiário tem de pagar 30 euros à
empresa angariadora em troca da fantástica oferta de cinco entrevistas com
“empresas acolhedoras”. As despesas para as entrevistas ficam por conta do
candidato. Se alguma delas proporcionar um estágio, ainda que à borla, o
trabalhador paga mais 30 euros como taxa de “ativação do estágio”. É mau de
mais mas não fica por aqui.
Segundo
o anúncio da work4u, as “empresas acolhedoras” pagam 95€ por mês se o estágio
for mensal. Se optarem por um estágio de um ano, poupam 15% e só têm de pagar
969€, isto é, cerca de 80 euros mensais. Quanto recebe o estagiário? “É a sua
empresa”, esclarece a work4u dirigindo-se aos empregadores, “que define o valor
mensal de apoio que pretende pagar ao Estagiário, para custo de transporte e
alimentação”. Ou seja, recebe o que a empresa quiser. Nem mais nem menos: a
selva. Os 80 euros mensais servem para remunerar a work4u “pelo serviço de
consultadoria que prestamos na angariação do estagiário”. Bem vindos ao
maravilhoso mundo da escravatura moderna.
Quem
se aproveita do desespero e da ausência de oportunidades para fazer negócio com
a angariação de pessoas não é só velhaco. É criminoso. Afinal de contas, com
base em que enquadramento é que poderia desenvolver-se esta atividade? Como
classificar, se não como escravatura, um trabalho sem qualquer garantia de
remuneração?
Como
é possível termos chegado até aqui? O processo não começou agora, mas
acelerou-se vertiginosamente nos últimos anos. A ideia de fundo é simples: “dar
trabalho” a alguém é um favor, ter um emprego não é um direito, mas um
privilégio. Para fazer vingar esta ideologia foi preciso impor a precariedade
como regra (falsos recibos verdes, falsas bolsas, trabalho temporário,
subcontratação, aniquilação da contratação coletiva), reinventar modalidades de
trabalho forçado (como os contratos de emprego inserção), generalizar os
estágios como o único enquadramento para os jovens e desproteger os
desempregados, para submete-los a todo o tipo de pressão e de chantagem. O
resultado está à vista. O salário médio dos novos empregos ronda o salário
mínimo. Um em cada dez trabalhadores é pobre, mesmo tendo emprego. 150 mil
trabalhadores ganham menos que 300 euros. O país foi transformado num offshore
laboral.
Nada
disto foi um acaso. Foi uma estratégia. Os seus pilares foram duas obsessões:
flexibilizar sempre mais a legislação laboral e insistir que a reforma que
faltava ao país era a redução dos custos de trabalho. A estratégia teve os seus
intérpretes locais e os seus pontífices europeus. “Se der impressão de que está
a inverter o caminho que tem percorrido”, dizia ontem o ministro das finanças
alemão, Portugal “pode perturbar os mercados financeiros”. A ameaça está feita.
Por isso, precisamos de responder-lhe à altura: somos gente e não fomos feitos
para rastejar. Se a precariedade foi uma escolha, combate-la é uma questão de
dignidade. Ou o fazemos já, e sem tréguas, ou Portugal será, a breve prazo, uma
gigantesca máfia laboral.
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