sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Portugal | Aliança?


Luís Menezes Leitão* | Jornal i | opinião

Segundo o próprio mentor, o novo partido de Santana Lopes é liberalista mas, afinal, também é solidário; e é europeísta mas, afinal, também contesta Bruxelas e os seus dogmas. Trata-se de um partido que é tudo e o seu contrário, não havendo qualquer espaço político que possa ocupar.

É evidente que há espaço para novos partidos à direita em Portugal e as eleições europeias até são um campo privilegiado para o seu surgimento. Basta ver as situações que têm afligido a Europa, como a crise dos refugiados, as questões de segurança e a guerra comercial com os Estados Unidos. Para o que não há qualquer espaço é para um partido político como o de Santana Lopes, agora denominado Aliança, mas que não apresenta nada de novo em termos de projecto político.

Nos anos do PREC havia partidos para todos os gostos e a quem quisesse formar um partido bastava-lhe organizar um comício e enchia imediatamente o Campo Pequeno. Hoje, as coisas já não são assim e um partido que agora surja tem de ter um projecto político novo e consistente. Ora, ao partido Aliança falta totalmente esse projecto. Segundo o que o próprio Santana Lopes declarou ao “Expresso”, trata-se de “um partido personalista, liberalista e solidário. Europeísta, mas sem dogmas, sem seguir qualquer cartilha e que contesta a receita macroeconómica de Bruxelas”. Ou seja, o partido é liberalista mas, afinal, também é solidário; e é europeísta mas, afinal, também contesta Bruxelas e os seus dogmas. Trata-se, assim, de um partido que é tudo e o seu contrário, não havendo qualquer espaço político novo que possa ocupar.

Mas, na verdade, o objectivo da Aliança não é ocupar um novo espaço político. É antes pescar no espaço político que tem vindo a ser ocupado pelo PSD depois de Santana Lopes ter perdido o combate pela sua liderança. E, assim sendo, esta jogada de Santana Lopes visa exclusivamente a fragmentação do PSD, o que serve essencialmente os interesses do PS de António Costa e, em menor medida, do CDS de Assunção Cristas. Serve os interesses do PS porque, para António Costa, é ouro sobre azul assistir a uma fragmentação do PSD que, no limite, impeça o centro-direita de ter um candidato alternativo a primeiro-ministro. E serve os interesses do CDS porque dá apoio à nova teoria de Assunção Cristas de que o que interessa agora é o centro-direita ter 116 deputados, independentemente do partido em que se vote. Se o PSD se fragmentasse em vários partidos, teríamos de volta a velha teoria das duas bossas de Amaro da Costa, com o CDS como principal partido de direita e o PS como principal partido de esquerda, com um PSD fragmentado no meio.

Só que, politicamente, esta estratégia é suicida para o centro-direita. Para ganhar eleições é necessário surgir um grande bloco no centro-direita que congregue os votos de toda esta área política, em lugar de os dividir. Foi o que sucedeu com a AD de Sá Carneiro e com o PSD de Cavaco Silva. No caso de os partidos do centro-direita surgirem separados, as eleições só são ganhas quando o PS abandona espontaneamente o governo, como sucedeu com as saídas de António Guterres e de José Sócrates, mas que seguramente não vai acontecer com António Costa. Por isso, com uma maior divisão da sua área política, é virtualmente impossível ao centro--direita atingir 116 deputados, uma vez que a dispersão dos votos leva à eleição de menos deputados. 

Assim sendo, o nome Aliança faz recordar a Aliança Democrática de Sá Carneiro, mas o objectivo político é precisamente o inverso: conduzir o centro--direita à divisão e à derrota. Este partido não representa, assim, qualquer aliança mas, antes, precisamente os seus antónimos: o antagonismo, a emulação e a rivalidade. Ou seja, tudo aquilo de que o centro-direita seguramente não precisa.

*Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990

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