sexta-feira, 14 de junho de 2019

Brasil | MORO CRIMINOSO


Se bem conhecemos o povo brasileiro, a mentira e a manipulação não serão o fim desta história

Pedro Filipe Soares | Público | opinião

O portal Intercept Brasil publicou um conjunto de mensagens trocadas entre Sergio Moro e procuradores do Ministério Público brasileiro. Na altura, Sergio Moro era juiz federal e os procuradores pertenciam à equipa da Operação Lava-Jato. Juntos, estruturaram e aplicaram um plano para a direita chegar à presidência do Brasil, prendendo Lula da Silva e afastando o PT (Partido dos Trabalhadores) do poder. Um verdadeiro assalto ao Palácio do Planalto sob a capa de um suposto combate à corrupção.

Diz a lei que a Justiça se aplica com imparcialidade, que o juiz não é o acusador nem faz parte da defesa, que as acusações não são políticas e que os procuradores não têm agendas partidárias. A lei diz isso em Portugal, como o faz no Brasil. Mas, entre a lei e a realidade, há um Moro de distância que destruiu os pilares do Estado de Direito e da presunção da inocência.

Os diálogos divulgados mostram a enorme promiscuidade entre juiz e procuradores. Moro aconselha estratégias, dá dicas ou pistas, até chega a repreender o procurador chefe por falhar o calendário mediático. Por seu lado, o procurador partilha informação com o juiz, manobra para que o caso lhe vá parar às mãos, confidencia a falta de provas concretas e inequívocas, faz propostas para serem negadas e manter uma aparência de separação de poderes. Neste jogo encenado o resultado já estava combinado. Não houve um processo para chegar a uma acusação e a um veredito, existiu um veredito primordial e uma acusação montada num processo que lhe servia à medida. Lula da Silva estava condenado à partida.


A trama dá conta de um pensamento que faria inveja a Maquiavel. A cartilha populista está bem urdida, demonstrando o que significa levar à prática a ideia da “justiça em praça pública”. A personagem do justiceiro é sempre uma das mais acarinhadas, Moro sabia disso e desejava-o. Da mesma forma, Deltan Dallagnol (o procurador que chefiava a equipa da Lava-Jato) sabia que a suspeição de corrupção é o suficiente para criar um clima de dúvida, pensa-se que “onde há fumo há fogo”. Quando se alinhou com estes ingredientes a agenda dos grandes grupos económicos da comunicação social, ficou visível a imensa capacidade de manipulação de milhões de pessoas. “A opinião pública é decisiva e é um caso construído com prova indireta e palavra de colaboradores contra um ícone”, dizia um dos procuradores explicando como a condenação pública era parte fundamental da estratégia.

A agenda política é inegável. O caso mais caricato foi o da possibilidade de Lula da Silva dar uma entrevista antes da segunda volta das eleições brasileiras. Uma conferência de imprensa “antes do segundo turno pode eleger o Haddad”, conversaram entre si os procuradores. Por isso, tudo fizeram para tal ser impossível, num desespero épico como demonstram as mensagens. A entrevista não aconteceu e Bolsonaro teve o caminho desimpedido para a presidência, o plano deu certo dessa vez.

O que também fica claro é a dimensão da mentira. Por um lado, na atuação de Moro. “Vamos colocar uma coisa muito clara, que se ouve muito por aí que é a estratégia de investigação do juiz Moro. [...] Eu não tenho estratégia de investigação nenhuma. Quem investiga ou quem decide o que vai fazer é o Ministério Público e a Polícia [Federal].” Por outro lado, nas afirmações de Deltan Dallagnol, quando disse que “o trabalho do MPF [Ministério Público Federal] na Lava-Jato é técnico, imparcial e apartidário” e garantia sobre Moro que “sempre avaliou os pedidos do Ministério Público de modo imparcial e técnico”. Tudo parte de um imenso golpe, agora se percebe sem quaisquer dúvidas.

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