quarta-feira, 4 de agosto de 2021

A "NATO global" e o precedente a longo prazo

Jorge Costa Oliveira* | Diário de Notícias | opinião

De tempos a tempos aparece na mesa a proposta da "NATO global", ou seja, da extensão da "jurisdição" da NATO à escala planetária.

À NATO e seus membros caberia a missão de assegurar a paz e a segurança à escala planetária. E tem-se caminhado nessa direção. Nos últimos anos, a NATO interveio no Afeganistão, treinou forças de segurança no Iraque, deu apoio logístico à missão da União Africana no Darfur, ajudou nos esforços de socorro a um tsunami na Indonésia, transportou suprimentos para as vítimas do furacão Katrina nos Estados Unidos e para as vítimas de um grande terramoto no Paquistão.

E a NATO tem já nove "parceiros globais", com os quais a Aliança coopera numa base individual - Afeganistão, Austrália, Colômbia, Iraque, Japão, Coreia do Sul, Mongólia, Nova Zelândia e Paquistão. Como é dito na página online da NATO, "o envolvimento da NATO com parceiros globais está a assumir uma importância cada vez maior num ambiente de segurança complexo, onde muitos dos desafios que a Aliança enfrenta são globais e não estão limitados pela geografia". A cooperação prática da NATO com os seus parceiros globais inclui desafios globais transversais, como defesa cibernética, segurança marítima, assistência humanitária e alívio em desastres, não proliferação, ciência e tecnologias de defesa. E não há dúvida de que muitos dos novos desafios de segurança hodiernos não são mais limitados pela geografia, como em matéria espacial, no ciberespaço, ou nas mudanças climáticas.

Mas convém lembrar que a NATO foi criada para conter o risco de expansão militar soviética e de agressão da URSS à Europa Ocidental. O que resta desse risco é um país com forças armadas relevantes mas uma dimensão económica entre a Espanha e a Itália.

A legitimidade para um papel intervencionista ativo dos principais membros da Aliança noutras partes do mundo bem longe do Atlântico Norte ainda tem alegado fundamento numa postura preventiva relativamente a perigos como o terrorismo global ou as denominadas "ameaças sistémicas". Mas tal não encontra fundamento na Carta das Nações Unidas. E, em qualquer caso, para estes efeitos melhor seria utilizar novas alianças noutras partes do globo.

O mundo já é multipolar e sê-lo-á cada vez mais. E a competição internacional entre potências com lideranças políticas de forte base nacionalista está a promover uma nova corrida ao armamento por parte das principais potências emergentes, não condizente com ameaças reais à sua segurança. É necessário inverter essa tendência e era importante que os EUA e a UE exercessem a sua influência nesse sentido. Infelizmente, como vimos na presidência de Obama, mesmo quando parece haver vontade política nesse sentido, o poder do complexo industrial-militar é maior. Apesar de ser claro que o mundo não precisa de tantas armas, pelo contrário.

A sobranceria com que as principais potências ocidentais acham natural utilizar os seus recursos militares para pastorear outras partes do mundo constitui um perigoso precedente para o futuro. Se dentro de duas ou três décadas tivermos no Atlântico Sul esquadras sob a égide da Organização de Xangai ou de outra organização entretanto constituída por novas potências emergentes, nomeadamente asiáticas, lembremo-nos do precedente aberto pela NATO no início do século XXI.

*Consultor financeiro e business developer

www.linkedin.com/in/jorgecostaoliveira

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