segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Angola | VIA ABERTA CONTRA A DEMOCRACIA -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Angola nasceu como uma democracia popular sob a bandeira do socialismo. Porque quem devia organizar eleições, a potência colonial, fechou os olhos à invasão silenciosa do Norte de Angola pelas tropas do ditador Mobutu. Desactivou as suas unidades militares para ser fácil a ocupação estrangeira. No Sul escancarou a fronteira para o regime racista de Pretória ocupar o país, pelo menos até à linha do rio Cuanza e as províncias do Leste. A FNLA alinhou ao lado dos invasores zairenses. A UNITA serviu de capa às unidades militares sul-africanas. Para fazerem esse papel de traidores, fugiram das eleições. 

Sem a fuga dos movimentos de Holden Roberto e Jonas Savimbi, os angolanos tinham ido mesmo a votos. O “crivo das eleições” de que falava Agostinho Neto, para se saber quem tinha representatividade e apoio popular. O MPLA ficou no Governo de Transição até ao último segundo da data expressa no Acordo de Alvor. A parte portuguesa também assumiu o seu papel até ao fim. O alto-comissário, Almirante Silva Cardoso, ficou até ao arrear da bandeira portuguesa no Palácio da Cidade Alta. Agostinho Neto proclamou a Independência Nacional.

O MPLA estava sozinho contra o mundo. E assim ficou até derrotar o regime racista de Pretória. A vitória na guerra revelou a faceta generosa dos dirigentes angolanos da época. Estenderam a mão à UNITA para não se tornar uma organização pária escorraçada por todos e especialmente pela maioria negra que ia assumir o poder na África do Sul, através do ANC de Oliver Tambo, Walter Sisulu e Joe Slovo. Savimbi traiu os angolanos mas também traiu os patriotas sul-africanos que lutaram heroicamente contra o regime de apartheid.

O Acordo de Bicesse abriu caminho ao multipartidarismo. No Alvor ficou acordado que nas primeiras eleições democráticas só podiam participar os três movimentos de libertação: MPLA, FNLA e UNITA. Em 1992, podiam concorrer todos os partidos devidamente legalizados, em pé de igualdade com o MPLA, que assim pôs o poder em disputa, sem qualquer limitação ou exclusão. O eleitorado recompensou essa coragem política com uma maioria absoluta. Depois das eleições de 1992, a UNITA rasgou o Acordo de Bicesse e preferiu ser pária, mesmo sem o apoio do regime racista da África do Sul, em liquidação. Savimbi já tinha outros donos. Que se serviram da Ucrânia para armar os fora da lei.

Os partidos que surgiram em 1991 tiveram destinos diversos. Os que elegeram deputados foram para a Assembleia Nacional e ocuparam lugares no Governo do MPLA que, generosamente, lhes deu essa possibilidade. Os outros todos foram ao Huambo beijar a mão ao padrinho Savimbi e tornaram-se accionistas do consórcio do Galo Negro. Desapareceram.

Entre 1975 e 1992, o MPLA foi a única organização política angolana que lutou contra os invasores estrangeiros e seus aliados internos, FNLA e UNITA. Guerra total contra Angola. Só ganhou porque teve o apoio e a solidariedade de países amigos. Em 1974 e 1975, República Popular do Congo e Jugoslávia foram mesmo amigos. Em Junho de 1975 entraram em acção os internacionalistas cubanos. Operação Carlota! Depois da Independência Nacional avançaram a Argélia, a URSS e outros países socialista do Leste da Europa.

Enquanto o MPLA dirigiu a guerra contra os invasores estrangeiros, entre 1975 e final de 1988, a Juventude Angolana esteve sempre na linha da frente. Nunca falhou. Mas muitos dos que deviam ir para as frentes de combate fugiram. As Redacções dos Media públicos eram refúgios apetecíveis de quem se furtou a lutar e tinha padrinhos na cozinha. Os mais afortunados iam “estudar” para o estrangeiro e por lá andaram até ao Acordo de Bicesse. Regressaram grávidos de democracia, reclamando tachos e penachos. Eles sabiam tudo, eram capazes de tudo, só os mais altos lugares no aparelho de Estado lhe serviam. Um deles chama-se Rafael Marques.

O condecorado refugiou-se numa Redacção e o padrinho era tão potente que daí foi para o estrangeiro “estugar inglês”. Voltou formado em criadagem. De George Soros e quem pagar. Entre 175 e 1992 a única mão-de-obra disponível era do MPLA. Os outros fugiram ou foram disparar contra a democracia nascente. Entre 1992 e 2002, só o MPLA combateu contra os bandidos armados. Ainda que os seus maninhos fossem deputados na Assembleia Nacional e ocupassem lugares de topo nas Forças Armadas Angolanas ou no aparelho de Estado. Poucos. A esmagadora maioria andava a matar angolanos.

O condecorado Rafael Marques deu uma entrevista à agência noticiosa Lusa, órgão oficial da UNITA, onde afirma que “Angola precisa de uma terceira via para despartidarizar o Estado”. Voltou a chamar ditador ao Presidente da República eleito mas isso é lá com os dois. Vamos à despartidarização do Estado. A democracia representativa só existe com partidos políticos. Sem eles, temos outro regime. Isto quer dizer que as instituições do Estado são inevitavelmente partidarizadas. Em Angola essa partidarização tem de atingir níveis muito elevados. Porque em 1975, só o MPLA assumiu as suas responsabilidades para com o Povo Angolano, conduzindo Angola à Independência Nacional. Só militantes, amigos e simpatizantes do movimento estavam disponíveis e foram formados ao longo dos anos. Os outros juntaram-se aos invasores estrangeiros ou desertaram.

Em 1992, os outros foram para o Governo, para a Assembleia Nacional e para o aparelho de Estado. Todos guindados pelos seus partidos. E a maioria, obviamente, pelo MPLA. O condecorado agora quer despedir todas e todos os militantes ou apoiantes dos partidos e ir ele e as máfias de que faz parte para o poder. A terceira via é criadagem de máfias internacionais políticas e financeiras. A UNITA joga em todos os tabuleiros. Agora querem democracia sem partidos. E quem pertence a um partido ou o apoia, vai para o lixo. No aparelho de Estado, só os mafiosos do George Soros ou os bufos dos serviços secretos de Washington, Londres e Bruxelas. Estranha democracia!

O kwanza em duas semanas ganhou 4,5 por cento ao euro. Mas se recuarmos ao mês de Fevereiro, a valorização da moeda nacional em relação à moeda europeia atingiu os 34 por cento. No dia 1 de Março de 2022 eram necessários 629 kwanzas para comprar um euro. Hoje, dia 1 de Outubro de 2022, bastam 422 kwanzas. Quando o rei João VI de Portugal fugiu com a corte para o Brasil, instalou-se no Rio de Janeiro e passava a vida comendo, bebendo e namorando uma mulher mestiça que, segundo rezam as crónicas, era muito bela. Os intriguistas faziam tudo para afastar a senhora e diziam que ela era muito má. O rei comendo uma coxa de galinha respondia: Não digam que mulata é má que eu sei como mulata é boa! 

Não digam que a equipa económica do Executivo é má. Os números mostram que é boa.

*Jornalista

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