quinta-feira, 11 de maio de 2023

Salário médio líquido em Portugal só não estagna porque subiu um euro no 1º trimestre

PORTUGAL

Taxa de desemprego sobe para pior valor desde o final do 1º ano da pandemia e população desempregada dispara 23,3%, diz o INE.

Luís Reis Ribeiro | Diário de Notícias

O salário médio líquido praticado em Portugal está virtualmente estagnado (aumentou um euro no primeiro trimestre), a precariedade está a alastrar, a criação de emprego está sobretudo concentrada nas profissões com qualificações mais baixas, a taxa desemprego está a aumentar muito e, desta vez, nem os licenciados escapam, mostram os novos dados do inquérito ao emprego do Instituto Nacional de Estatística (INE) relativos aos primeiros três meses deste ano.

Apesar de a economia continuar a crescer, tendo até surpreendido pela positiva, a crise que se arrasta há mais de um ano está a ter impactos visíveis e muito desfavoráveis numa bateria de indicadores fundamentais do mercado de trabalho.

Num contexto de inflação muito elevada, o governo decidiu avançar, desde outubro, com medidas paliativas centradas sobretudo nas "famílias mais vulneráveis" e com rendimentos mensais mais baixos.

Medidas ao nível de IRS, IVA, subsidiação de parte dos custos da energia e dos custos relacionados com a habitação, mais o aumento do salário mínimo, de alguns apoios sociais (para os mais desfavorecidos), um aumento extra para os pensionistas (não todos) e um pequeno acréscimo para a função pública, ao qual foi adicionado um aumento do subsídio de refeição.

Em cima disto, no setor privado, várias empresas, entre elas grandes grupos, também decidiram atualizar, extraordinariamente, os salários dos empregados de modo a acompanhar a inflação.

Mas, aparentemente, tudo isto e outras medidas que possam ter sido tomadas, não são suficientes para evitar um cenário macroeconómico que já é, na prática, de estagnação salarial em termos líquidos.

De acordo com o INE, o salário médio que os trabalhadores por conta de outrem (privado) levam para casa ao fim do mês subiu um euro (0,1%) entre o primeiro trimestre de 2022 e igual trimestre deste ano. Valor: 1025 euros. Era 1024 euros há um ano.

Assim, mostram as séries consultadas pelo Dinheiro Vivo, o salário médio líquido aumentou, como referido apenas um euro (0,1%). O acréscimo é o mais magro desde o primeiro trimestre de 2014, estava o País a tentar a "saída limpa" do programa de ajustamento da troika e do governo PSD-CDS.

Segundo o INE, este salário líquido médio é o "rendimento depois da dedução do imposto sobre o rendimento [IRS] e das contribuições obrigatórias dos empregados e dos empregadores para a Segurança Social".

A explicação para este contexto de paralisação salarial nacional é quase direta.

Primeiro, a economia como um todo está a criar pouco emprego e, nas fileiras onde há aumento do número de postos de trabalho, essa expansão está claramente concentrada nas profissões menos qualificadas, justamente aquelas onde imperam os salários mais baixos.

O emprego total avançou apenas 0,5% no primeiro trimestre face a igual período de 2022, valor igual ao do último trimestre do ano passado. Ambos são as marcas mais débeis desde o arranque de 2021, estava a economia portuguesa amarrada a inúmeros confinamentos e a passar pela fase mais mortífera da pandemia de covid-19.

Os dados do INE mostram que a destruição de empregos nas profissões mais qualificadas é elevadíssima, com uma quebra superior a 6% nas profissões intelectuais e científicas (onde estão médicos, professores, investigadores) e onde o salário médio líquido é de 1420 euros mensais.

E mostram ainda uma razia de quase 20% no emprego das profissões técnicas, cujo rendimento salarial médio é de quase 1100 euros. Ambos estão acima da média. Portanto, estas contrações de emprego devem estar a arrastar a referida média salarial para baixo.

Para compensar (mas pouco em termos globais nacionais), até houve criação de emprego bastante notória nas profissões menos qualificadas. Mais 13% nos trabalhadores dos serviços pessoais, de proteção e segurança e vendedores (onde se ganha, em média, 775 euros líquidos).

E uma subida de 18% no emprego de "trabalhadores não qualificados", onde o salário líquido se fica pelos 637 euros mensais.

Em cima disto, há um grupo normalmente associado a rendimentos acima da média, os licenciados, que também já não escapa à crise laboral.

Neste conjunto, a destruição de emprego foi superior a 6% e, embora em número haja menos desempregados com diploma, a taxa de desemprego deste grupo agravou-se em quatro décimas, para 5% da população ativa com estudos superiores concluídos.

A taxa estava a cair de forma consistente desde meados de 2021, há cerca de dois anos, mas agora parou.

Precariedade alastra

Outra forma que permite explicar o esmagamento salarial médio líquido da economia é a ascensão nítida e forte da precariedade. Contratos precários estão sobretudo associados a remunerações mais baixas, mesmo para os licenciados.

O INE mostra que, no primeiro trimestre de 2023, os contratos sem termo caíram pela primeira vez desde meados de 2013. Interrompeu-se uma tendência longa de quase uma década, basicamente.

Como referido, a precariedade alastrou e de forma significativa. Os contratos com termo (a prazo e outros como os de trabalho sazonal e trabalhos pontuais ou ocasionais aumentaram quase 8%, o ritmo mais elevado dos últimos sete anos. Estavam nestas condições cerca de 596,6 mil pessoas no primeiro trimestre, segundo o instituto.

Mas há mais precários. Existem os "outros tipos de contratos", onde caem os "falsos recibos verdes", e estes estão a aumentar de forma interrupta desde o início de 2022. A subida neste grupo foi de 7% em termos homólogos e, assim, há agora 120 mil destes precários. São mais 22 mil desde o começo de 2022.

Estes dois grupos resultam num universo de 716,7 mil pessoas com vínculos precários, mais 8% do que há um ano e agora com um peso equivalente a 17% do total.

O subemprego, indicador que não é bem de precariedade, é pior, pois mede boa parte da esclerose do mercado laboral, o grau de "subutilização" da força de trabalho -- o número de pessoas que querem trabalhar mais, mas não encontraram essa oportunidade, acabando por aceitar um "subemprego" que dura menos do que um part time normal e vem com um salário correspondente) está a aumentar muito.

Subiu mais de 8%, o maior salto desde meados de 2020, estávamos em plena pandemia. Há agora 156 mil pessoas nesta situação de quase desemprego.

Desemprego acorda

A taxa de desemprego portuguesa voltou a subir no primeiro trimestre, tendo-se fixado em 7,2% da população ativa no primeiro trimestre desde ano, indicou o INE. É preciso recuar ao final de 2020, em plena pandemia, para encontrar um valor pior (7,3% no último trimestre desse ano).

De acordo com o inquérito do INE, o peso do desemprego subiu 0,7 pontos percentuais (p.p.) no primeiro trimestre face ao precedente, repetindo o agravamento anterior. Ou seja, em apenas dois trimestres, a taxa de desemprego saltou de 5,8% para os atuais 7,2%. Há um ano, no primeiro trimestre de 2022, a taxa de desemprego estava nos 5,9%.

A população desempregada total também está a aumentar de forma significativa. O INE estima que no primeiro trimestre havia, em Portugal, 380,3 mil pessoas sem trabalho, mais 23,3% face ao mesmo trimestre do ano passado e mais 11% face ao quarto trimestre de 2022.

Segundo o INE, a taxa de desemprego entre os mais jovens (16 a 24 anos) rondou os 19,6% da população ativa nessas idades, menos um ponto percentual (p.p.) do que no trimestre homólogo. Mas era a sexta maior da Europa.

Em todo o caso, no primeiro trimestre, o número de jovens desempregados aumentou de forma pronunciada face a igual período do ano passado. O agravamento foi superior a 11%, havendo agora cerca de 73,2 mil jovens sem trabalho (pessoas com menos de 25 anos).

O desemprego também alastrou em todos os grupos etários, mas piorou mais no grupo dos 35 aos 44 anos, onde disparou 47,1% face ao primeiro trimestre de 2022.

O desemprego também alastrou em todos os níveis de escolaridade. Em termos homólogos, aumentou uns expressivos 28,9% entre as pessoas com ensino básico (até ao terceiro ciclo), mais 32,5% no caso da população com o secundário.

E nem os licenciados escaparam: se comparado com o começo de 2022, quando começou a crise, há agora mais 2,7% de desempregados com diploma.

Desemprego cresce mais no Norte e Alentejo

A incidência do desemprego piorou mais na região Norte do país e no Alentejo, por esta ordem, mas é a Área Metropolitana de Lisboa (AML) que regista a taxa mais elevada, mostra o INE.

No Norte, a taxa de desemprego saltou 2,2 p.p., fixando-se nos 7,6% da população ativa no primeiro trimestre.

No Alentejo, a taxa saltou de 5,1% no primeiro trimestre de 2022 para 7,2% agora (mais 2,1 pontos).

Na AML, o aumento foi de 1,2 p.p., o que fez a taxa de desemprego da região de Lisboa atingir os 8%, a maior do país.

Nas regiões Centro e Algarve, o avanço do desemprego foi mais leve, tendo aumentado apenas duas décimas, para 5,6% e 7,2%, respetivamente. Em contraciclo estão as ilhas, onde as respetivas taxas de desemprego aliviaram.

*Luís Reis Ribeiro é jornalista do Dinheiro Vivo

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