Violência praticada
por facções criminosas na busca pelo poder é observada em todo o Brasil e tem
ligação com excesso de detentos, sucateamento das unidades e corrupção de
agentes públicos.
Quase um mês após
presos registraram em vídeo os corpos de colegas mortos e decapitados dentro do
Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís, autoridades ainda buscam
respostas. Representantes de ONGs e senadores membros da Comissão de Direitos
Humanos estão na capital maranhense e cobram explicações para a situação no
presídio – onde já foram registradas mais de 60 mortes desde o ano passado.
A violência
registrada em Pedrinhas, entretanto, não é um caso isolado. A medição de forças
entre facções do crime organizado está espalhada por penitenciárias em todo o
país. “As facções estão presentes em praticamente todos estados brasileiros. O
que varia é o grau de organização, tamanho, extensão, e estrutura desses
grupos”, explica Camila Nunes Dias, pesquisadora do Núcleo de Estudos da
Violência da Universidade de São Paulo (USP) e docente da Universidade Federal
do ABC.
Além das
organizações criminosas mais antigas e conhecidas – como o Primeiro Comando da
Capital (PCC) em São Paulo e o Comando Vermelho no Rio de Janeiro – grupos
locais ou ramificações regionais das facções maiores promovem atos de violência
nas unidades prisionais. O encarceramento massivo é apontado por especialistas
como uma das principais raízes do domínio das facções.
Para Sandra
Carvalho, diretora da ONG Justiça Global, o que se vê é um “endurecimento
penal” sem investimento em políticas públicas em outras áreas prioritárias. “O
sistema penitenciário brasileiro não é destinado a políticas de
ressocialização, é um depósito de gente”, diz.
Problema
generalizado
Em Pedrinhas, assim
como em outros presídios, o problema é antigo. Dias após as mortes registradas
em vídeo, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgou relatório sobre a
situação do complexo maranhense.
O texto, assinado
pelo juiz Douglas Martins, coordenador do Departamento de Monitoramento e
Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas
Socioeducativas (DMF) do CNJ, cobrava a construção de presídios no interior do
estado para facilitar a separação dos integrantes das facções rivais. Ele
argumentou que já tinha enviado ao governo local “várias indicações” dessa
necessidade anteriormente.
Em entrevista à DW
concedida em outubro passado, o juiz sinalizou a situação do complexo de
Pedrinhas como sendo favorável ao domínio do crime. “Não tem como funcionar
porque o Estado se omite, concentra os presos, afasta o preso da família e tudo
isso favorece o crime organizado”, disse então.
“O nosso modelo de
sistema prisional é inadmissível. Não há muito a ser feto sem descentralizar a
execução penal”, completou. Ele defende a priorização de unidades menores, e o
oferecimento amplo de opções de trabalho e estudo podem ser uma solução.
Busca pelo poder
Mortes violentas
como as vistas no Maranhão recentemente têm um componente simbólico forte, diz
Camila Nunes Dias: “Essas formas mais extremas de violência são sintomáticas de
um cenário de disputa de poder por grupos”.
Sandra Carvalho, da
Justiça Global, está em São Luís acompanhando as investigações em Pedrinhas.
Ela alerta para a forte presença das forças criminosas dentro e fora das
prisões e acusa o poder público de inércia. “Não houve nenhum enfrentamento
mais concreto por parte do governo para por término à organização dessas
facções”, avalia.
Ela também aponta
os agentes públicos corruptos como sendo facilitadores do crime organizado, mas
defende uma discussão mais ampla sobre as formas de sanção aplicadas hoje para
que a responsabilização por crimes vá além das punições.
“O mais importante
é que pensemos na responsabilização para além da gama punitiva, pensar o
sistema prisional não só como ampliação de vagas, mas pensar em outras formas
de sanção, estruturar penas alternativas, estruturar o semiaberto, que quase
não existe no Brasil”, exemplifica.
Sucateamento que
gera dependência
Com cadeias
superlotadas e a incapacidade do Estado de fornecer as condições adequadas de
vida para os detentos, amplia-se o espaço ocupado pelo crime organizado,
explica Camila Nunes Dias.
“Ao encarcerar
muito mais, e sem dar condições adequadas, o Estado é o responsável principal
ao dar as condições para que esses grupos tomem conta da população prisional”,
detalha a pesquisadora.
Ela lembra que
apesar de as drogas serem a principal mercadoria oferecia por esses grupos,
mercadorias lícitas (alimentos, itens de higiene, álcool, cigarros, etc.) também
são usadas como instrumento para exercício do poder.
“Os presos ligados
às facções que muitas vezes detêm condições econômicas melhores acabam
fornecendo esse material. Isso gera relação de dependência”, continua a
pesquisadora.
Muitas vezes, esse
domínio extrapola os limites da penitenciária em uma tentativa, por parte das
facções, de chamarem a atenção da sociedade e também demonstrarem que têm o
poder.
Utilizando
principalmente telefones celulares, líderes do tráfico articulam as ações nas
ruas. Presos beneficiados de alguma forma dentro do presídio acabam sendo
coagidos, ao saírem, a agirem em benefício da organização criminosa, como uma
forma de cobrança feita pelos controladores do crime organizado.
Assaltos a bancos e
carros-fortes e queima de ônibus estão entre as atividades comandadas pelas
facções, como é o caso do PCC, que está presente em 90% das prisões do estado
de São Paulo, segundo estimativa da pesquisadora Camila Nines Dias.
Deutsche Welle – Autoria:
Ericka de Sá, de Brasília – Edição: Rafael Plaisant
Na foto: Centro
penitenciário Presídio Central, em Porto Alegre
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