terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Brasil: Apartheid se agrava em São Paulo com intimação contra ‘rolezinho’

 

Correio do Brasil, São Paulo
 
São Paulo vive uma nova forma de apartheid (segregação racial e social) após a ação violenta da Polícia Militar e, agora, a intimação da Justiça contra um grupo de jovens, desarmados, que realizou mais um ‘rolezinho’ em um shopping paulistano. Ao todo, 10 desses jovens foram intimados a comparecer à Justiça para explicar sua participação no movimento que gerou a reação violenta de policiais militares e terminou em confusão e violência no shopping Metrô Itaquera, na noite de sábado. Medida liminar da Justiça consolida o estado de segregação e serviu como pano de fundo para a ação violenta da polícia paulista.
 
Os manifestantes maiores de idade, segundo a assessoria de imprensa do shopping, foram notificados por um oficial de Justiça para falar, em juízo, ainda durante a manifestação no centro comercial. Os jovens deverão prestar depoimento, perante um juiz, e relatar as suas versões dos fatos. Caberá à Corte analisar cada caso e decidir se eles pagarão ou não a multa de R$ 10 mil, prevista na liminar. Segundo o oficial de Justiça responsável por entregar as intimações, os rapazes que receberam o documento foram identificados pela Polícia Militar.
 
– Quem a PM apontar como participante ou cabeça (líder) do movimento, nós vamos abordar – afirmou a jornalistas o oficial judiciário.
 
No pico do movimento, cerca de 3 mil jovens ocuparam o centro comercial, em Itaquera. Ao chegarem no shopping, os jovens eram revistados por policiais militares, enquanto o oficial de Justiça anotava os dados pessoais (nome, RG e endereço) dos maiores de idade. No ato da identificação, eles recebiam uma cópia da liminar concedida pela Justiça. Dispostos a desafiar o poder discricionário de policiais e agentes da Justiça, os jovens correram pelos corredores, o que assustou clientes e comerciantes. As lojas fecharam por temor de saques.
 
Após o ‘rolezinho’, os jovens saíram do shopping com a chegada da PM e dirigiram-se ao terminal Corinthians-Itaquera, onde a Tropa de Choque usou bombas de gás e balas de borracha para dispersá-los. Três pessoas foram detidas e houve vários feridos.
 
Resistência
 
A resistência dos jovens negros e pobres da periferia paulistana é uma luta que não começou neste domingo. Em fevereiro de 2012, militantes do movimento negro em São Paulo após passeata entoada por palavras de ordem pegaram de surpresa a segurança do Shopping Higienópolis, eram por volta de 16:00 da tarde quando uns 300 militantes adentraram rapidamente e “provocaram um frenesi nas faces brancas e rosadas da elite privilegiada deste país”, lembrou a jornalista Conceição Oliveira, editora do blog Maria Frô, ao reproduzir um depoimento do militante Francisco Antero.
 
“Ultrapassada as três portas principais, objetivava-se agora chegar ao ponto central desta casa que é a antítese da casa do povo. Os seguranças tentaram impedir, havendo um início de tumulto, logo superado pela onda negra que fazia pressão para que não se parassem nos corredores. Tomamos o ponto central com nossas bandeiras, com nossas palavras, com nossa cor preta”.
 
“A disposição arquitetônica deste centro mercantilista é perfeita para este tipo de ato, pois dos vários andares poder-se-ia avistar o nosso grito de protesto de onde estávamos. As forças de segurança do Estado racista brasileiro estavam em nosso encalço, mas fizeram as intervenções de rotina. Os militantes do movimento negro se revezavam no microfone para dar o recado nunca antes ouvido pela elite branca que gastava ali o dinheiro advindo do suor do povo negro deste país”.
 
“Os olhares de perplexidade foram a tônica, incredulidade da burguesia por termos chegado até onde chegamos. Ouvir verdades nunca foi o forte desta gente. Enfatizo o fato de poder ter sido qualquer outro Shopping o alvo, mas era preciso algo a simbolizar nossa história de exclusão. Este templo do consumo carrega em seu nome a característica eugênica de nossa elite branca pensante de fins do século XIX e início do século XX”.
 
“Nossas palavras fizeram eco. Nossa intenção jamais foi reclamar participação e existência naquele ambiente de luxo. Nossa intenção era denunciar olho no olho para quem vive as custas do suor do povo negro. Encerramos a manifestação e nossa alma foi duplamente lavada pela chuva que caía sem cessar. Vivemos hoje um grande momento de Panteras Negras com esta entrada. O Povo negro deste país existe e vai exigir sua participação nas riquezas deste país, doa a quem doer”, afirmou.
 
O diário conservador paulistano Folha de S. Paulo gravou, em vídeo, parte da manifestação no shopping de Itaquera (ver em Correio do Brasil).
 
Na foto: O fotógrafo Bruno Poletti, da Folhapress, fotografou o momento em que um PM ameaçava com o cassetete um garoto, menor de idade, que integrava o ‘rolezinho’.
 

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