Correio do Brasil, São Paulo
São Paulo vive uma
nova forma de apartheid (segregação racial e social) após a ação violenta da
Polícia Militar e, agora, a intimação da Justiça contra um grupo de jovens,
desarmados, que realizou mais um ‘rolezinho’ em um shopping paulistano. Ao
todo, 10 desses jovens foram intimados a comparecer à Justiça para explicar sua
participação no movimento que gerou a reação violenta de policiais militares e
terminou em confusão e violência no shopping Metrô Itaquera, na noite de
sábado. Medida liminar da Justiça consolida o estado de segregação e serviu
como pano de fundo para a ação violenta da polícia paulista.
Os manifestantes
maiores de idade, segundo a assessoria de imprensa do shopping, foram
notificados por um oficial de Justiça para falar, em juízo, ainda durante a
manifestação no centro comercial. Os jovens deverão prestar depoimento, perante
um juiz, e relatar as suas versões dos fatos. Caberá à Corte analisar cada caso
e decidir se eles pagarão ou não a multa de R$ 10 mil, prevista na liminar.
Segundo o oficial de Justiça responsável por entregar as intimações, os rapazes
que receberam o documento foram identificados pela Polícia Militar.
– Quem a PM apontar
como participante ou cabeça (líder) do movimento, nós vamos abordar – afirmou a
jornalistas o oficial judiciário.
No pico do
movimento, cerca de 3 mil jovens ocuparam o centro comercial, em Itaquera. Ao
chegarem no shopping, os jovens eram revistados por policiais militares,
enquanto o oficial de Justiça anotava os dados pessoais (nome, RG e endereço)
dos maiores de idade. No ato da identificação, eles recebiam uma cópia da
liminar concedida pela Justiça. Dispostos a desafiar o poder discricionário de
policiais e agentes da Justiça, os jovens correram pelos corredores, o que
assustou clientes e comerciantes. As lojas fecharam por temor de saques.
Após o ‘rolezinho’,
os jovens saíram do shopping com a chegada da PM e dirigiram-se ao terminal
Corinthians-Itaquera, onde a Tropa
de Choque usou bombas de gás e balas de borracha para dispersá-los. Três
pessoas foram detidas e houve vários feridos.
Resistência
A resistência dos
jovens negros e pobres da periferia paulistana é uma luta que não começou neste
domingo. Em fevereiro de 2012, militantes do movimento negro em São Paulo após
passeata entoada por palavras de ordem pegaram de surpresa a segurança do
Shopping Higienópolis, eram por volta de 16:00 da tarde quando uns 300
militantes adentraram rapidamente e “provocaram um frenesi nas faces brancas e
rosadas da elite privilegiada deste país”, lembrou a jornalista Conceição
Oliveira, editora do blog Maria Frô, ao reproduzir um depoimento do militante
Francisco Antero.
“Ultrapassada as
três portas principais, objetivava-se agora chegar ao ponto central desta casa
que é a antítese da casa do povo. Os seguranças tentaram impedir, havendo um
início de tumulto, logo superado pela onda negra que fazia pressão para que não
se parassem nos corredores. Tomamos o ponto central com nossas bandeiras, com
nossas palavras, com nossa cor preta”.
“A disposição
arquitetônica deste centro mercantilista é perfeita para este tipo de ato, pois
dos vários andares poder-se-ia avistar o nosso grito de protesto de onde
estávamos. As forças de segurança do Estado racista brasileiro estavam em nosso
encalço, mas fizeram as intervenções de rotina. Os militantes do movimento
negro se revezavam no microfone para dar o recado nunca antes ouvido pela elite
branca que gastava ali o dinheiro advindo do suor do povo negro deste país”.
“Os olhares de
perplexidade foram a tônica, incredulidade da burguesia por termos chegado até
onde chegamos. Ouvir verdades nunca foi o forte desta gente. Enfatizo o fato de
poder ter sido qualquer outro Shopping o alvo, mas era preciso algo a
simbolizar nossa história de exclusão. Este templo do consumo carrega em seu
nome a característica eugênica de nossa elite branca pensante de fins do século
XIX e início do século XX”.
“Nossas palavras
fizeram eco. Nossa intenção jamais foi reclamar participação e existência
naquele ambiente de luxo. Nossa intenção era denunciar olho no olho para quem
vive as custas do suor do povo negro. Encerramos a manifestação e nossa alma
foi duplamente lavada pela chuva que caía sem cessar. Vivemos hoje um grande
momento de Panteras Negras com esta entrada. O Povo negro deste país existe e
vai exigir sua participação nas riquezas deste país, doa a quem doer”, afirmou.
O diário
conservador paulistano Folha de S. Paulo gravou, em vídeo, parte da
manifestação no shopping de Itaquera (ver em Correio do Brasil).
Na foto: O
fotógrafo Bruno Poletti, da Folhapress, fotografou o momento em que um PM
ameaçava com o cassetete um garoto, menor de idade, que integrava o ‘rolezinho’.
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