sábado, 22 de março de 2014

CONSERVADORES BRITÂNICOS APOSTAM NA AUSTERIDADE PARA VENCER EM 2015




A coalizão conservadora-liberal democrata, que governa o Reino Unido desde 2010, reivindica plenamente a austeridade como estratégia eleitoral.

Marcelo Justo – Carta Maior

“Less bread, more taxes” (“menos pão, mais impostos”). Com esta consigna de uma manifestação popular dirigida ao ministro de finanças, Lewis Carroll começava sua novela “Sylvia and Bruno”. O criador de “Alice no País das Maravilhas” não podia imaginar que um ministro de finanças do século XXI, o conservador George Osborne, converteria esta consigna em seu cavalo de batalha eleitoral durante a apresentação do orçamento de 2014.

O Reino Unido funciona como a maioria das democracias modernas. A campanha eleitoral começa com um ano e meio de antecedência e até se pode dizer que todo o mandato de um governo é marcado pelas votações que sancionarão o beneplácito do eleitorado com o governo. A diferença é que a coalizão conservadora-liberal democrata, que governa o Reino Unido desde 2010, reivindica plenamente a austeridade como estratégia eleitoral.

As eleições de maio de 2015 vêm sendo disputadas a todo vapor desde setembro do ano passado. No último round desta luta, nesta quarta-feira, George Osborne anunciou no Parlamento que o eixo do orçamento para este ano é a redução do déficit fiscal. “O país ainda está pedindo muito dinheiro emprestado. Esse orçamento quer construir uma economia duradoura”, indicou. A coalizão, que anunciou em 2010 cortes de 30 bilhões de dólares anuais durante cinco anos, planeja seguir cortando o gasto público e quer ser reeleita com base nesta promessa.

Não resta dúvida que o irônico “less bread, more taxes” de um governo do século XXI é muito mais complexo do que imaginava Lewis Carrol. Osborne aumentou 24 vezes os impostos e promoveu a maior queda do nível de vida dos britânicos desde o pós-guerra, mas é um mestre em dar com uma mão e tomar com a outra, para concentrar dádivas em determinados setores e regiões (empresários, sul do país, eleitores conservadores), enquanto maltrata outros setores (desempregados, jovens, o norte do país, eleitores trabalhistas). O alvo é o amplo voto flutuante que cresceu muito desde a queda do muro de Berlim e do chamado “fim das ideologias” e que hoje inclui vastos setores da classe trabalhadora e a classe média que decide seu voto a partir de uma visão apolítica apegada ao bolso, à percepção e aos prejuízos.

Osborne vem falando a este setor desde 2010, fazendo uma divisão entre “preguiçosos” e “trabalhadores”, “aproveitadores de subsídios estatais” e “honestos”, os capazes de adotar as “decisões difíceis” (conservadores) e os populistas (oposição trabalhista). Estas poderosas imagens colocam o trabalhismo como aliados dos que ajudam a desonestos desempregados que vivem de planos sociais e penalizam a silenciosa maioria que respeita a lei e busca progredir com o suor do próprio rosto.

Desde o final do ano passado, o ministro tem um apoio essencial a esta estratégia: depois de três anos e meio de estagnação, a economia voltou a crescer. Não grande coisa. No último trimestre subiu um por cento, o suficiente para que Osborne anunciasse no parlamento que a economia cresceria 2,7% em 2014, “a mais alta porcentagem das economias desenvolvidas”, prova de que os sacrifícios dos anos precedentes estariam rendendo frutos.

Esta fixação ao estoicismo britânico tão fixado na psique coletiva com a Segunda Guerra Mundial, ao seu ceticismo apolítico e ao seu pragmatismo econômico tem seu correlato nas pesquisas de opinião. Ainda que a oposição trabalhista lidere as pesquisas – com uma margem reduzida desde a “recuperação econômica” -, os britânicos confiam mais na perícia econômica dos conservadores. É uma estratégia não isenta de riscos. Os cortes atingiram com a força amplos setores da sociedade e essa joia da coroa que é o estatal Serviço Nacional de Saúde, cujo diretor que saiu, Sir David Nicholson, advertiu que está à beira do precipício.

No primeiro parágrafo da novela de Lewis Carrol, o grito inicial da multidão “less bread, more taxes” começa a se confundir quando alguns indivíduos vão invertendo acidentalmente a ordem até que já não se sabe se as pessoas estão pedindo “more bread and less taxes” ou“more taxes and less bread”. A massa de eleitores é muito grande e muito heterogênea em suas demandas e percepções. Os conservadores copiaram a estratégia de Obama que, nas últimas eleições, pediu aos eleitores que lhe dessem um segundo mandato para “terminar o trabalho” (finish the job) da recuperação. Os trabalhistas buscam concentrar o olhar na virulenta queda dos níveis de vida.

O caminho até maio de 2015 será longo e cheio de obstáculos. A maioria dos analistas calcula que ninguém obterá uma maioria e que haverá um novo governo de coalizão. O enigma político é se será como o atual, conservador-liberal democrata ou, ao contrário, será trabalhista-liberal democrata. O enigma econômico e social é se alguma destas duas fórmulas servirá para algo.
 
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

Créditos da foto: Arquivo

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