quinta-feira, 3 de julho de 2014

Portugal: O ESTADO DA DESTRUIÇÃO



António Galamba – jornal i, opinião

O governo de Pedro Passos Coelho conforma-se com os danos colaterais na vida das pessoas e nos territórios

O ESTADO DA DESTRUIÇÃO 

Depois de três anos de troika e de um governo mais fundamentalista na austeridade que a própria troika, o debate do estado da nação não pode deixar de ser feito em torno do estado da destruição concretizada pela estratégia de empobrecimento da maioria PSD/CDS. O que parecia ser defeito ou uma imposição do Memorando de ajustamento é afinal feitio: algo interiorizado e com as sucessivas avaliações os compromissos com os credores passaram mesmo a ter as costas largas. Foi-se embora Gaspar, diziam que se tinha ido embora a troika, mas tudo acaba por ser quase irrelevante quando a semente da defesa do Estado mínimo, do desmantelamento das funções sociais do Estado e de uma certa lógica de divisão e abandono dos portugueses tem em Pedro Passos Coelho o seu expoente máximo. A deriva da austeridade e dos sacrifícios sem limites afirma-se numa cadência em que os cortes são para ontem e alguma coisa que de positivo possa existir é sempre remetida para um futuro incerto. Certas são sempre as soluções de três anos: mais cortes nos rendimentos, nas pensões e nas reformas; mais impostos e mais cortes nos serviços públicos.

A DESTRUIÇÃO DA PRESENÇA E DA OFERTA DO ESTADO 

Passos e o seu governo têm um preconceito contra o Estado e contra os funcionários públicos e não se trata apenas de uma deriva para criar mais mercado para os mercados, é um traço do ADN político. É assim que surgem os ataques à escola pública e ao serviço nacional de saúde. É por isso que o encerramento e a desclassificação dos tribunais, o encerramento de mais 311 escolas do 1.o ciclo do ensino básico, a extinção de freguesias, o encerramento das repartições de Finanças convertidas em lojas do cidadão light, a reorganização hospitalar ou o fecho de postos dos correios são tudo danos colaterais de uma certa visão do país. Portugal é os grandes centros urbanos e o resto é paisagem. Paisagem com gente, mas paisagem. É assim a densidade de pensamento que emana das carpetes dos gabinetes do poder no Terreiro do Paço.

A DESTRUIÇÃO SOCIAL 

O ridículo mote da maioria, "A vida das pessoas não está melhor, mas o país está muito melhor", esbarra no "inconseguimento" das metas do desemprego, do défice e da dívida pública previstas no Memorando inicial e na intransigência do governo e da maioria, de não olhar a meios para tentar atingir os fins. Por isso já vai em oito chumbos de normas no Tribunal Constitucional. Na voragem do corte cego e da subserviência à doutrina da austeridade sem limites, o governo entusiasma-se com os ditos da troika e conforma-se com os danos colaterais na vida das pessoas e nos territórios. No período de um ano, 2389 crianças com necessidades educativas especiais deixaram de receber o subsídio de educação especial, 38 mil portugueses com mais de 66 anos perderam o Complemento Solidário para Idosos, trinta e oito mil crianças e jovens deixaram de receber o Abono de Família, quarenta e cinco mil cidadãos perderam o rendimento social de inserção, 24,7% dos portugueses sentem dificuldades em cobrir as necessidades sociais e há 412 mil portugueses no desemprego sem qualquer apoio social do Estado. E no meio deste turbilhão que potencia a pobreza, a exclusão social, a solidão e o aprofundamento das desigualdades sociais, ainda houve 120 mil portugueses que terão emigrado em 2013. É claro que o governo pode sempre encontrar desculpas para converter direitos sociais em exercícios de caridade ou para tentar sacudir as suas responsabilidades para a esfera da economia social, mas nada desculpa esta resignação perante a realidade do sofrimento de milhares de portugueses. Na Europa resigna-se com Merkel, em Portugal conforma-se com as consequências sociais da sua política. O drama é que a euforia do milagre económico depressa cedeu espaço à preocupação pela pouca solidez dos indicadores económicos e pela ausência de descolagem da economia portuguesa. E neste quadro de desnorte, o governo embrulha-se em sucessivas previsões de datas que falha. O salário mínimo nacional era para ser aumentado depois das europeias e da saída da troika, agora é para Janeiro de 2015. Os fundos comunitários eram para ser aplicados a partir do início de 2014, agora só para Outubro.

Com este estado de destruição e com um governo em estado de resignação perante o curso da realidade, do que o país menos precisava era que uma ambição pessoal em jeito de vale tudo abrisse uma crise política num PS que ganhou duas eleições e que tinha acabado de apresentar as bases para um programa de governo, o Contrato de Confiança. Também aqui há quem pouco se importe com os danos estruturais e os danos colaterais.

Político (PS)

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