Moscou estende por
três anos proteção a Edward Snowden. Agora, homem que revelou vigilância
militar dos EUA poderá viajar pelo mundo
Cauê
Seinemartin Ameni – Outras Palavras, em Blog da Redação
Há dias, ao
descrever as tensões crescentes entre as potências ocidentais e a Rússia, o
ex-senador norte-americano Tom Hayden falou na
emergência de uma II Guerra Fria. No novo cenário, previu ele, a mídia
convencional dos EUA e nações aliadas vai aliar-se à política externa e às
estratégias militares de seus respectivos países — até perder a independência.
Um alvo central será o presidente russo, Vladimir Putin. Seus defeitos serão
ampliados, para que se converta num demônio. A ele serão atribuídos crimes sem comprovação alguma (como
no caso da derrubada do avião da Malasian Airlines em 20/7). Como na época da
União Soviética, Moscou será apresentada como símbolo de restrição às
liberdades e poder tirânico do Estado.
Ontem, porém, ficou
que não será fácil realizar esta operação de marketing político. O Ocidente
terá dificuldades cada vez maiores de se dizer mais democrático que a Rússia.
Putin sabe disso e parece disposto a explorar esta contradição. Num gesto
calculado, Moscou decidiu que
dará proteção a um dissidente perseguido por Washington. Edward Snowden, o
ex-contratado da NSA (Agência Nacional de Segurança dos EUA) que revelou a rede
onipresente de espionagem militar norte-americana sobre os cidadãos, teve seu
visto de permanência na Rússia prorrogado por três anos — extensíveis por mais
três. Terá regalias: poderá deixar o país e regressar a ele durante três meses
por ano. É algo que sua condição anterior (de asilado provisório) não
permitia, e que, caso se concretize (há dúvidas quanto à segurança do ex-agente
fora da Rússia) poderá ter imensa repercussão midiática. O anúncio foi feito
ontem (7/8) por Anatoly Kuchera, advogado russo de Snowden.
A saga de Snowden
começou em maio de 2013, quando ele deixou os EUA e foi para Hong Kong. Lá,
vazou, para o jornalista norte-americano Glenn Greenwald, arquivos secretos
relativos à extensa operação de vigilância realizada pelos EUA e Inglaterra na
internet. De lá, pretendia vir à América Latina, mas os EUA anularam seu
passaporte e pediram sua extradição — acusando-o de roubar documentos oficiais.
Snowden ficou retido, por cinco semanas, na zona de trânsito do aeroporto
Sheremetuevo de Moscou. Fortemente pressionado, o governo russo hesitou, mas
terminou concedendo-lhe proteção temporária, que expirou em 31 de julho. A
extensão do benefício por três anos revela que o Kremlin está disposto a se
manter firme, em seu confronto com a Casa Branca. E os que lutam por uma nova
ordem mundial podem, em certas condições, tirar proveito desta disputa.
Há semanas, em entrevista ao The Guardian mês passado,
Snowden fez revelações sobre sua vida pessoal. Disse que se mantem solitário —
porém, disposto. “Acho que existem pessoas que estão apenas esperando para me
ver triste. Mas ela vão continuar a se decepcionar”. Contou que paga suas
contas trabalhando com tecnologia da informação e recebendo doações
internacionais de uma legião de admiradores. Está envolvido no desenvolvimento
de uma nova ferramenta voltada à liberdade de imprensa, que permite aos
jornalistas se comunicar de forma mais segura. E estuda russo.
Washington pode estar
se isolando. Mês passado (16/07), Navi Pillay, a alta comissária da ONU para
Direitos Humanos sugeriu que os EUA abandonem sua perseguição a
Snowden, já que as revelações sobre a vigilância global são de interesse
público e da comunidade internacional. Pillay creditou a Snowden todo o recente
debate sobre a redução do controle dos Estados sobre a internet, a espionagem
on-line e armazenamento de dados pessoais.
Em resposta aos jornalistas do The Guardian, o
advogado negou que Snowden tenha tido contato com a inteligência russa ou que
trabalhe, de alguma forma, para o governo. Quanto questionado sobre as
especulações sobre a existência de um “novo Snowden”, ainda incógnito, o
advogado Kucherena foi lacônico: afirmou que seu cliente poder ter inspirado
“sucessores”, mas não está diretamente envolvido.
Snowden “comemorou”
seu primeiro ano de asilo no Teatro Bolshoi, onde apareceu pela
primeira vez publicamente desde que chegou a Rússia. Kurcherena garantiu que
Snowden fará em breve uma conferência à imprensa russa, logo que seja possível.
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