quinta-feira, 11 de setembro de 2014

ACORDO DE PESCA CABO VERDE-UNIÃO EUROPEIA É “ATESTADO DE BURRICE” A CABO VERDE




NOVO ACORDO DE PESCA CABO VERDE/UNIÃO EUROPEIA: BIOSFERA 1 FALA EM “ATESTADO DE BURRICE” AOS CABO-VERDIANOS

O novo acordo de pesca entre Cabo Verde e a União Europeia aumenta em cerca de 80 por cento os valores pagos anualmente ao nosso país. Mesmo assim, a Biosfera 1 vê o documento como um “atestado de burrice” aos cabo-verdianos, já que o dinheiro pago continua a ser uma “esmola” face ao que os pesqueiros europeus retiram das águas deste arquipélago. Agastado, Melo fala em “extermínio” das espécies marinhas em Cabo Verde.

José Melo, presidente da Biosfera I, organização ambientalista com sede em São Vicente, confessa que esperava “muito mais” do novo acordo de pescas entre Praia e Bruxelas e que foi com “esperança” e “ansiedade” que esperava alterações “mais concretas” em relação ao referido protocolo.

Conforme confessou ao A NAÇÃO, infelizmente, nenhuma das suas expectativas se verificaram, exceptuando a questão financeira que, no acordo ora renovado, Cabo Verde vai receber 550 mil euros nos dois primeiros anos de vigência e 500 mil euros em cada um dos dois anos seguintes, valor esse que representa um acréscimo de 360 mil euros quando no outro, que já expirou em 31 de Agosto, a vigência anual era de 435 mil euros.

“Mesmo assim, o que a UE nos paga continua a ser uma esmola para Cabo Verde, mesmo que tenha aumentado em cerca de 85 por cento”, sublinha aquele ambientalista, deixando a entender que o aumento em si apenas atesta ou comprova que há muito o que a EU paga a Cabo Verde estava desfasado da realidade, com prejuízo para este arquipélago.

 “O acordo ora assinado está completamente fora da realidade de qualquer outro acordo de pesca assinado com outros países próximos de Cabo Verde”, salienta Melo, adiantando que, devido a precariedade das nossas condições, a compensação financeira deveria ser “muito mais vantajosa” (ver caixa).

Diante dos factos aquele dirigente da Biosfera 1 mostra-se também desapontado. Isto porque, conforme diz, depois de tantos e reiterados alertas feitos por essa ONG sobre os “abusos” que os barcos europeus cometem nos mares de Cabo Verde, as “mesmas falhas” permanecem no novo documento. Uma delas, segundo Melo, reporta-se à captura que tem sido feita aos tubarões. 

“Em Julho passado publicou-se um decreto-lei de protecção de tubarões, mas eu pergunto: quem da Direcção Geral das Pescas ou do Ministério está capacitado para indicar quais as espécies que devem ou não ser capturadas? Nós não temos ninguém”, assegura o nosso entrevistado.

Burrice

José Melo salienta ainda que o país não tem condições para vigiar os barcos que operam na nossa zona económica exclusiva, pelo que, a seu ver, devia-se reduzir de forma mais acentuada o número de embarcações, com licença para pescar nas nossas águas. Um número, note-se, que passou de 74 barcos para 71 no novo acordo.

“Já que não temos gente capacitada para fazer a fiscalização e faltam observadores a bordo desses barcos, também não existe controlo no desembarque, por isso o número de navios deveria ser muito menor. Mas, em vez disso, com este novo acordo, os barcos europeus vão continuar a fazer o que bem entendem nos nossos mares”. Mais do que isso, para Melo, “continuamos na verdade com um acordo de extermínio das espécies em Cabo Verde”.

Por essa razão aquele ambientalista considera um “disparate” que o acordo ora assinado discrimine que metade do montante pago seja destinada a “promover uma gestão sustentável das pescas no arquipélago, como o reforço das capacidades de controlo e vigilância e apoio às comunidades pesqueiras locais”, quando essa vigilância não existe. Por isso, na sua opinião, “isto é continuar a passar atestado de burrice aos cabo-verdianos”.

“Não entendo como é que um Governo continua a cometer os mesmos erros durante 10, 15 anos seguidos. Isso, do nosso ponto de vista, só pode ser estupidez ou ignorância completa, ou então existem outros interesses por trás de acordos do género que nós não conseguimos alcançar”.

Povo paga

Como cabo-verdiano, José Melo diz-se indignado e ao mesmo tempo cansado, deixando claro que quem vai pagar, cada dia mais, pelas consequências de um tal tipo de acordo será o povo de Cabo Verde. “Os resultados disso já estão à vista. No mercado de São Vicente, à venda, temos apenas o ‘burrinho’, um peixe que, antes, não tinha qualquer valor comercial; a cavala é vendida, antes do período de defeso, a 80-100 escudos, o olho-largo diminuir cada dia mais. Será que esses não são indícios suficientes para que o Governo, ou o INDP, este instituto que ainda não sei o que anda a fazer, começar a investigar as razões desses fenómenos?”, questiona.

Em vez disso, para Melo as autoridades preferem “continuar de olhos fechados”, chegando ao “cúmulo” de afirmar que a Espanha vai apoiar na vigilância pesqueira, quando os espanhóis são aqueles com mais frotas a pescar no território cabo-verdiano têm. “É como colocar os presos a vigiar as prisões”, conclui o presidente da Biosfera 1. 

A NAÇÃO tentou ouvir o director-geral das Pescas, Juvino Vieira, bem como o secretário de Estado, Adalberto Vieira, mas sem sucesso. Apesar de rubricado na passada sexta-feira, 29 de Agosto, da parte das autoridades cabo-verdianas, ninguém se pronunciou ainda sobre o novo acordo, criticado também pelos armadores, na pessoa do presidente da sua Associação, Nelson Atanásio. Este, não obstante reconhecer que o presente acordo é melhor que o anterior, entende que o mesmo está “ainda longe do desejado”.

Acordo salgado

O novo acordo de pesca entre Cabo Verde e a União Europeia entrou em vigor no último dia 1 de Setembro e foi anunciado em Bruxelas na última sexta-feira, 29. Ao abrigo desse protocolo, Cabo Verde vai receber 550 mil euros nos dois primeiros anos de vigência e 500 mil euros em cada um dos dois anos seguintes.

A Comissão Europeia informou que metade da contribuição financeira que vai pagar anualmente ao Governo destina-se a compensar o acesso aos recursos e a outra metade a promover uma gestão sustentável das pescas no arquipélago, como o reforço das capacidades de controlo e vigilância e apoio às comunidades pesqueiras locais.

 Este acordo permite que 71 embarcações entre atuneiros com canas, atuneiros de cerco e embarcações de pesca à linha com espinal pesquem atum e outras espécies migratórias nas águas de Cabo Verde.

Note-se que em Fevereiro passado a Guiné-Bissau e a União Europeia (UE) rubricaram um mesmo tipo de documento ao abrigo do qual autoriza, principalmente, navios de Portugal, Espanha e França a pescarem nas águas daquele país, pagando por isso 9,2 milhões de euros em três anos, a contar a partir de Junho passado, um acréscimo de 1,7 milhões de euros em relação ao acordo anterior.

A Nação (cv)

*Título PG

Sem comentários:

Mais lidas da semana