Rennan
Martins, São Paulo – Correio do Brasil
A
Grécia Antiga e seus diversos poetas, com destaque para o lendário Homero, nos
brindou com a história da Guerra de Troia. Nela, os gregos iniciam uma
guerra de uma década após o príncipe de Troia, Páris, sequestrar Helena, a
mais bela mulher do mundo e esposa de Menelau.
Esta
peleja só teve fim após os gregos – cansados de cercar Troia e suas muralhas
por tantos anos – resolverem usar de uma trapaça para invadir a cidade.
Construiu-se um imenso cavalo de madeira, oco, que foi deixado as portas dos
troianos. Estes, ao avistarem somente o cavalo e nenhuma tropa inimiga,
julgaram ter ganho a guerra e um regalo. Festejaram então a vitória, e
guardaram no interior de suas muralhas o presente de grego. A noite chegou e a
cidade que dormia foi destruída e incendiada pelos soldados gregos que estavam
no interior do cavalo, o de Troia.
Saindo
da Grécia e adentrando o Brasil, tivemos o histórico mês de junho do ano
passado, episódio em que voltamos às ruas com diversas demandas e uma clara
insatisfação com o sistema de representação política, desgastado e distante das
vontades da população. Desta conjuntura emergiu Marina Silva, candidata que
alega estar comprometida com a nova política.
Marina,
com sua origem e história adquiriu uma aura de predestinação e invadiu o
imaginário popular com a imagem da pureza que renovaria o cenário político
brasileiro, condenado pelos vícios e mazelas de nossa república.
Porém,
quando comparamos sua agenda, alianças e compromissos firmados, não é difícil
enxergar a pessebista como um cavalo de Troia. Explico.
A
candidata aparenta possuir compromisso com o social e o aprofundamento da
inclusão que ocorridos nos últimos anos. No entanto, sua plataforma
político-econômica é demasiado ortodoxa, o que dificulta sobremaneira ao Estado
intervir no sentido de combater a desigualdade que ainda assola o país.
Exemplo
claro da contradição citada é a proposta de minguar a atuação dos bancos
públicos. O setor financeiro privado – cada vez mais acostumado a benesses e
avesso a riscos – terá realmente vontade de substituir os bancos públicos no
financiamento aos programas de habitação e da agricultura familiar? Certamente
que não.
Outro
ponto que sinaliza retrocesso é a política externa. Nos últimos anos
priorizamos a integração regional, a solidariedade latino-americana e o
enfrentamento aos abusos cometidos pelas potências, como no caso em que nossa
presidente teceu duras críticas aos Estados Unidos pela espionagem massiva que
praticam, e quando subimos o tom contra Israel, criticando o massacre na Faixa
de Gaza. Marina, em entrevista a Associated Press publicada no último dia 18,
deixou claro que pretende reconfigurar a inserção brasileira no cenário
internacional, fazendo-nos voltar a antiga subserviência aos norte-americanos e
a cumplicidade as destruidoras intervenções militares da OTAN.
No
campo dos direitos civis, o Brasil instituiu o casamento igualitário por
decisão do judiciário e caminha agora para transformar a medida em lei. Marina chegou a
defendê-lo, mas, após quatro tweets furiosos do patético e obcecado pastor
Malafaia, voltou atrás. Com isso demonstrou ser influenciada demais pelo
conservadorismo rançoso, sem mencionar a falta de pulso para liderança.
A
pessebista empunhava a bandeira da revisão da lei da anistia, considerando que
crimes contra a humanidade não prescrevem. De olho no apoio dos militares,
mudou de ideia e assumiu mais este compromisso questionável.
Um
dos principais destaques do discurso do novo de Marina eram as críticas as
atuais alianças do governo com o PMDB de Sarney e Renan e a recusa a receber
financiamento de setores como da indústria de arma e de bebidas. Não mais.
Márcio França, coordenador financeiro de campanha, abriu os cofres dizendo:
“Pode vir dinheiro da indústria de armas, de bebidas, do que for”. Beto
Albuquerque, vice-presidente da chapa, tratou de avisar que “ninguém governa
sem o PMDB”.
Esse
estranho comportamento lhe rendeu diversas críticas internas. Adriano Benayon,
doutor em economia e filiado ao PSB, já avisou que a candidata não terá seu
voto. O líder da Rede Sustentabilidade no Pará, Charles Alcântara lhe retirou o
apoio após perceber o quão liberais eram suas propostas econômicas. Gustavo
Cantañon, professor de filosofia da UFJF, se indignou com as contradições e
alianças de Marina e desfiliou do PSB publicando carta bombástica.
A
história nos ensina que muitos políticos de raízes populares traem sua base
social, e que os elitistas jamais o fazem. E é justamente por ser essa
metamorfose ambulante com perigosa queda para o reacionarismo que passei a
referir-me a Marina Silva como cavalo de Troia.
Rennan
Martins, é colaborador do Portal Desenvolvimentistas, e novo
colunista da Rádio Vermelho.
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