Joana
Azevedo Viana – jornal i
"Erro"
na fórmula de colocação de professores contratados está a afectar tudo e todos,
incluindo crianças que dependem da escola para comer
Se
dúvidas havia quanto à badalada "implosão" das escolas ao final de um
mês do novo ano lectivo, o cenário ontem em vários estabelecimentos de ensino é
prova do descalabro. Por volta das 13h30, hora de saída dos alunos do 2º e 3º
ciclo antes das aulas da tarde, o circo estava montado na escola Francisco de
Arruda, na Tapada da Ajuda. Duas dezenas de pais esperavam à porta os filhos,
que desde sexta não têm professores para garantir todas as disciplinas e
horários. O aviso da auxiliar responsável pelas entradas e saídas foi claro: o
director de agrupamento não está disponível para conversas. "Costuma
almoçar fora e hoje nem sequer saiu..."
A
ladear o portão há horários afixados para confirmar aos encarregados de
educação que não haverá aulas para lá das 13h, como tem acontecido desde o
final da semana passada, quando o Ministério da Educação assumiu o
"erro" na Bolsa de Contratação de Escolas e deu ordens aos directores
para anularem as colocações iniciais.
Neste
momento, nenhum aluno do 5º ao 9º ano da escola tem aulas depois do almoço,
muitos nem sequer depois das 11h50. Muitos, incluindo os de 9 e 10 anos,
vêem-se forçados a sair a escola assim que terminam as aulas. "Se saírem
agora não podem voltar a entrar hoje, pensem bem", avisam as auxiliares às
crianças visivelmente baralhadas.
"Estou
aqui à espera do meu filho para garantir que ele chega a casa, mas tive de
trocar turnos no hospital", conta ao i Alexandra Costa, 41 anos.
É enfermeira e costuma trabalhar de manhã ou à tarde, antes para coincidir com
o horário da filha, que no ano passado concluiu o 9º ano, e agora do filho de
10 anos, que ainda não tem professor de matemática, ciências naturais nem
educação visual. "Agora estou a fazer os turnos da noite para poder vir
buscar o Miguel e não o deixar sozinho até eu ir para o hospital. Mas há pais
que não têm possibilidade de trocar turnos e sabemos que há muitas crianças que
ficam ao abandono. Pior, como esta é uma escola TEIP [Territórios Educativos de
Intervenção Prioritária], metade dos alunos têm SASE [acção social escolar] e
eu sei que ontem a única refeição que muitos comeram o dia todo foi o almoço da
escola."
Para
Alexandra, a única forma de combater o "desprezo e indiferença" do
ministro Nuno Crato seria os professores e o director fazerem uma greve de
zelo, usando as instalações modernizadas - cuja inauguração, em 2011, contou
com a presença do ministro com pompa e circunstância - "para entreter os
miúdos".
Segundo
Crato, hoje 800 professores já vão estar colocados. F., que pede para não ser
identificada, não sabe se será um deles. Professora do 1.º ciclo, foi colocada
no primeiro concurso, mas assim que a ordem do ministro caiu na sexta ficou sem
trabalho. Na segunda-feira recebeu uma carta do centro de emprego a convocá-la
para uma reunião dia 9. Dada a incerteza, decidiu antecipar a visita para o
próprio dia. "Perguntaram-me por que não me apresentei no centro a 26 de
Setembro e eu expliquei que estava a dar aulas. Nem sequer me sabem dizer se o
meu próximo vencimento vai ser pago pelos ministérios da Educação ou da
Segurança Social."
No
agrupamento de escolas Francisco de Arruda há agora 15 professores em falta;
eram 23 na segunda-feira, mas oito chegaram entretanto. "O sr. ministro
precisa de ter o bom senso de assumir as suas falhas e dar uma resposta cabal a
esta situação", avisa Sandra Alves, 39 anos, técnica administrativa que
acumula o emprego com a presidência da associação de pais. "Pagamos
impostos para garantir uma educação pública de qualidade, base de qualquer
nação, que em vez disso estão a ser usados para pagar o fundo perdido do
BPN."
Ao
lado de Sandra, uma professora ali colocada no primeiro concurso entretanto recambiada
para outra escola tenta atabalhoadamente explicar o que se passa. Natural do
Ribatejo, este ano decidiu mudar-se para Lisboa com as filhas para viver onde
tem sido colocada nos últimos anos mas agora, desabafa, não sabe como vai ser.
"Dentro de duas semanas já devíamos estar a fazer os primeiros testes, a
primeira das avaliações do primeiro período, mas como, se os alunos não estão a
aprender a matéria?"
A
confusão não é exclusiva da Francisco de Arruda. No agrupamento de escolas de
Benfica, com 2890 alunos e 240 professores, faltam 30. Em algumas das escolas,
os alunos do 1.º ciclo sem professor estão a ser distribuídos por outras salas,
explica o director, Manuel Esperança. Mas para colmatar os outros casos, e
"responder à ansiedade dos pais que não podem vir buscar os miúdos mais
cedo", as escolas estão a coordenar-se com a junta de freguesia, para que
os alunos tenham monitorização na escola, mesmo sem matéria leccionada.
"Desde segunda-feira que temos cerca de seis monitores a tomar conta dos
miúdos nas escolas", confirma a presidente da junta, Inês de Drummond.
Tudo
volta a repetir-se, num furacão de incertezas e falta de garantias, no
agrupamento Ferreira de Castro, em
Sintra. A chegada dos professores é a conta-gotas, mas na
quarta semana de aulas as gotas que vão caindo estão longe de apagar os fogos,
explica António Castel-Branco, director do agrupamento onde, anteontem,
faltavam 24 docentes. Os alunos do 3.º ciclo são os mais afectados, com 30
turmas a verem as rotinas viradas do avesso - faltam quatro professores de
matemática, dois de ciências, dois de história, dois de francês, um de
espanhol, um de geografia, um de informática e "mais uns tantos" que
o director não consegue apontar de memória. É uma lista densa, mais densa do que
em anteriores anos. "A solução foi abrir outras salas para receber os
miúdos sem aulas. E no jardim-de-infância", adianta, "nove salas
estão abertas, mas uma continua fechada, com 20 crianças em casa à espera para
poderem voltar à escola".
São
sobretudo as escolas com autonomia e as consideradas de risco, as ditas TEIP,
que se deparam com as maiores ausências, já que o recrutamento de professores é
feito pelas direcções escolares. No caso das TEIP, explica-nos Félix Bolaños,
director das escolas da Apelação, em Loures, "que é suposto serem alvo de
uma discriminação positiva por terem sobretudo alunos carenciados e
considerados problemáticos, aconteceu justamente o contrário".
Depois
de declarações iniciais em que garantia a "perfeita normalidade" na
colocação de professores, Crato veio pedir desculpa pelo "erro", um
que ninguém acredita que vá estar resolvido em tempo útil. "Isto só vai
parecer que ficou resolvido quando os directores começarem a fazer o que
fizeram no ano passado: entrevistar cada candidato às vagas, o que em alguns
casos leva a contratações por favoritismo", teme a professora da escola
Francisco de Arruda. "Nunca fomos informados dos subcritérios das escolas
a que concorremos, portanto não sabemos se as nossas respostas se coadunam com
o que a escola procura", adianta F.
Na
prática, a fórmula que foi utilizada é uma ponderação entre a classificação
final de cada professor, feita com base na média de final de curso, número de
anos de ensino e avaliação de desempenho, e a avaliação curricular, classificada
segundo as respostas dos professores aos tais subcritérios definidos por cada
escola que abre concurso.
No
parlamento, a 27 de Setembro, Crato garantiu que "a harmonização das
escalas foi feita da maneira correcta face à lei"; só depois de ter sido
encostado pelas bancadas do Bloco, do PS e do PCP é que o ministro admitiria
falhas não só na fórmula matemática utilizada - uma soma directa de duas
escalas de grandezas diferentes sem a respectiva conversão - como a nível
jurídico.
Ontem,
depois de mais um dia de desordem nas escolas e de Crato ter prometido
"apurar responsabilidades" pela situação, a tutela veio garantir que
hoje 800 professores já vão aterrar em diversos estabelecimentos do país. Os
encarregados de educação e os professores não acreditam na promessa e continuam
a exigir que o ministro siga o exemplo de Mário Agostinho Alves Pereira,
director-geral da Administração Escolar até meados de Setembro, e se demita. A
possibilidade foi afastada, ao final do dia, pelo primeiro-ministro, que garante
que a saída de Crato "não será agora" (ver texto secundário).
Com
Kátia Catulo
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