domingo, 2 de agosto de 2015

Portugal. VERÃO DE MUITOS MEDOS



Carvalho da Silva – Jornal de Notícias, opinião

A força e a amplitude com que se apresentam as dinâmicas sociais e políticas resultantes da convergência de interesses entre o grande capital financeiro e uma ideologia neoliberal, colonialista e com expressões fascistas varrem a Europa e outras regiões do Mundo neste verão de 2015, com expressões assustadoras.

As Sociedades de Risco estão a transformar-se em Sociedades do Medo. Em nome do combate ao terrorismo foram gerados monstros; em nome dos combates aos "constrangimentos" provocados pelas leis e pelos compromissos coletivos universais fundadores dos estados democráticos, desenvolvem-se monstruosidades, nomeadamente ao nível das desigualdades.

As guerras generalizadas eclodem quando se generaliza a degradação das relações sociais e do funcionamento das sociedades, quando as injustiças são gritantes: a faísca que incendeia pode surgir de qualquer pormenor sem o mínimo de previsibilidade. Alguns velhos medos históricos estão aí: há que tomarmos em mãos os ensinamentos da vida em democracia e os valores do progresso social e humano, entretanto conseguidos, para travar o desastre.

Inquietemo-nos perante o domínio avassalador do grande capital financeiro que aprisiona e chantageia o exercício da política, que cilindra as condições para os povos e os países se desenvolverem. Revoltemo-nos com as injustiças e desigualdades, com as atrocidades e a falta de solidariedade a que são sujeitos muitos milhões de seres humanos que fogem das guerras ou da miséria absoluta. Tenhamos medo desta realidade que nos rodeia e, por isso, mobilizemo-nos contra as políticas que estão na sua origem.

Nós, portugueses, fazemos parte de um projeto político - a União Europeia - apresentado como espaço privilegiado da democracia, do desenvolvimento sustentado na prioridade ao social, ao cultural e às relações solidárias entre os povos. Os estados e as instâncias de poder europeu supostamente regulavam os mercados para que o capital não abusasse do seu poder. Entretanto, há muito que o rumo seguido começou a merecer fortes reparos e denúncias. Com o eclodir da "crise", e depois com as brutais políticas de austeridade impostas a alguns países, como à Grécia e a Portugal, as contradições começaram a vir ao de cima em força. Mas, foi nos últimos meses que desabou sobre nós uma avalancha de problemas, de negações daquele projeto que agora nos amedronta.

Está à vista de todos que a crise grega ou a portuguesa são apenas expressões limite da crise de uma União Europeia que nega a democracia. A determinação do povo grego e a ação do seu governo - apesar das contradições em que se move - puseram a nu, em poucos meses, toda a miséria política e a falta de princípios democráticos daqueles que nos estão desgovernando.

Como se poderão reconstruir bases de confiança e compromisso entre os povos, quando foi inculcado, nos do Norte, a ideia mentirosa de que são eles que estão a pagar os vícios dos do Sul, e nos do Sul se gerou uma certa "aceitação" de condições de colonizados?

Como podem os povos assumir as suas responsabilidades se não lhes permitem escolhas democráticas e se lhes impõem "programas de ajuda" que se consubstanciam em mais dívidas, em menos emprego, mais pobreza e desproteção social?

Assusta vermos que os processos de privatizações na Grécia como em Portugal são meros saques que os "credores" nos fazem depois de nos submeterem.

Como o processo grego comprova, os "devedores" estão muito condicionados pelo medo resultante de uma imensidão de chantagens a que ficaram sujeitos mas, talvez pela primeira vez, também foram visíveis os medos dos "credores". Esta União Europeia desagregar-se-á, com prejuízo para todos, se teimar nos objetivos e práticas que vêm prosseguindo com os espartilhos da "moeda única" e outros instituídos sem regras democráticas.

O cenário em que nos encontramos é de certa forma assustador, também porque vamos começar a viver as tensões resultantes de novos rumos em gestação.

O país precisa de um Governo sério, credível, mobilizador, a favor do povo e ofensivo no quadro da União Europeia.

O "arco da governação" é mais que nunca sinónimo de arco da subjugação. Libertemo-nos!

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