Diz
jurista perante recurso do MP moçambicano no caso Castel-Branco
Jurista
moçambicano José Caldeira analisa recurso da sentença que absolveu Nuno
Castel-Branco e Fernando Mbanze no caso de uma opinião sobre Armando Guebuza.
Advogado salienta importância da independência do tribunal.
O
Ministério Público moçambicano vai recorrer da sentença que absolveu um
académico e um jornalista, num processo relacionado com uma opinião sobre o
antigo Presidente Armando Guebuza.
O
caso diz respeito a uma carta do economista Nuno Castel-Branco dirigida ao
então chefe de Estado, divulgada em novembro de 2013 na rede social Facebook.
Castel-Branco
foi acusado por crime contra a segurança do Estado e Fernando Mbanze, editor do
diário eletrónico Mediafax, respondeu pelo crime de abuso de liberdade de imprensa,
por ter publicado a carta.
Ambos
foram absolvidos na semana passada. O Tribunal justifica a decisão afirmando
que o académico expressou uma crítica pública sobre a forma como Armando
Guebuza estava a dirigir o país e que o jornalista se limitou a exercer a
liberdade de imprensa, ao publicar a carta.
Agora,
o Ministério Público pretende recorrer da decisão. Sobre o assunto, a DW África
entrevistou o jurista moçambicano José Caldeira.
DW
África: Porquê esta insistência no caso?
José
Caldeira (JC): É difícil saber, mas temos, na nossa lei, um dispositivo
que diz que há situações em que há recurso obrigatório do Ministério Público.
Não sendo um criminalista, acho que não estamos, neste caso, numa situação de
recurso obrigatório. Mas, de qualquer maneira, a lei diz que se o superior
hierárquico do Procurador que está afeto ao processo ordenar que seja feito
recurso, então esse Procurador tem que obedecer à ordem do superior
hierárquico. Portanto, podemos estar numa situação em que há uma instrução do superior
hierárquico no sentido de proceder ao recurso deste caso concreto.
DW
Africa: E esta hipótese de que fala, da instrução do superior hierárquico,
poderá estar de certa forma relacionada com esta opinião de muitas entidades e
pessoas dentro e fora de Moçambique que dizem que este caso já ultrapassa a
esfera judicial, ou seja, está a aproximar-se de algo com contornos mais
políticos?
JC: De
facto, este crime de que ele vinha a ser acusado, e que ainda se mantém, é um
crime que está previsto na legislação penal. Portanto, não vejo porque é que se
está a querer levar isto a uma questão de caráter político. Acho que a sentença
está muito bem fundamentada por parte do juíz, o direito à liberdade de
expressão e de pensamento está na nossa Constituição. Acho que o juíz decidiu
muito bem.
DW
África: Pegando neste ponto da lei moçambicana que define que esta difamação do
Presidente pode ser um crime contra a segurança do Estado. Na sua opinião, faz
sentido essa lei?
JC: Acho
que a forma como o artigo está redigido leva a que haja, pelo menos, a
possibilidade de discrecionalidade. Eu não concordo. Acho que não deveria haver
um dispositivo que sancionasse desta forma um comportamento do cidadão,
principalmente quando está no âmbito do direito à liberdade de expressão. Penso
que os nossos políticos também têm de ser responsabilizados pelos actos que
praticam. Acho que podia muito bem ter-se aproveitado a revisão que houve ao
Código Penal para rever também esta matéria. Infelizmente, isso não aconteceu.
DW
África: Acha que essa “insistência” do Ministério Público numa condenação pode,
de certa forma, manchar a imagem de Moçambique nesta área da liberdade de
expressão?
JC: O
importante é que o tribunal deve manter-se independente. Se isto continuar
como, pelo menos neste caso, estamos a assistir, isso obviamente não mancha de
maneira nenhuma a imagem do país. Pelo contrário, se o tribunal mantiver esta
postura de independência em relação ao poder político, se mantiver a ideia da
separação do judiciário, obviamente isso só abona em favor da democracia neste
país.
Maria
João Pinto – Deutsche Welle
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