segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

A MORNA CONFERÊNCIA



Rui Peralta, Luanda

A 21ª edição da Conferência da Convenção das Nações Unidas sobre as alterações climáticas, em Paris, assumiu como objectivo um acordo para o combate á crise climática que permitisse impulsionar a transição para sociedades não dependentes do petróleo. Este acordo criaria as condições para uma transição gerida com equidade.

Vinte anos de fracassos geram, obviamente, pessimismo ou, quanto muito, uma dose de cepticismo. Embora ninguém negue que a temperatura do planeta aumentou e que esse aumento é causado pela actividade industrial, as teias de interesses e de necessidades impedem um acordo eficaz.

O conhecimento nem sempre consegue acompanhar as transformações que ocorrem no mundo, apesar das múltiplas fontes de informação. O planeta continua a ser, em grande medida, um desconhecido. De facto nem sempre entendemos as relações e as interacções entre distintos fenómenos gerados por diferentes âmbitos e contextos. As relações entre economia e ecologia, entre meio-ambiente e sociedade ou entre consumo e clima. Torna-se, assim, necessário efectuar actualizações de informação, estudo e análise que nos permitam aprofundar a nossa visão sobre o mundo em que a nossa vida se desenrola.

Em poucos anos as modificações e transformações foram mais do que muitas. Acabou a era industrial, caminha-se na adolescência pós-industrial, caracterizada pela informatização generalizada e mundialização da Internet. Em paralelo grassam problemas como os conflitos étnicos e religiosos, o terrorismo, o avanço do fascismo no mundo islâmico e no Ocidente, as migrações massivas, pandemias, instabilidade da economia-mundo e graves problemas ecológicos.

A confusão entre crescimento e desenvolvimento originou a destruição sistemática do ecossistema e da biosfera. Saques infligidos aos solos, á agua, urbanização caótica e galopante, desflorestação, contaminação das reservas aquíferas, desertificação, redução da camada de ozono, chuvas ácidas, morte dos oceanos, espécies em extinção, alterações climáticas são apenas alguns dos problemas que afectam o equilíbrio ecológico, afectando, como tal, a humanidade.

Ninguém ignora, hoje, que um aumento de 2ºC a 4ºC na temperatura média do planeta provocaria um aumento de elevação no nível dos oceanos entre 20 a 150cm, sendo o dióxido de carbono o gás causador em mais de 65% do aquecimento. E também é do conhecimento da opinião pública mundial que a China e a India incrementam em mais 8 milhões de toneladas por ano a produção deste gás.

O imperativo de proteger a biodiversidade mediante o desenvolvimento sustentável foi delineado nas Conferências anteriores, assim como medidas que obrigam as economias centrais (em particular os USA, que é responsável por metade do gás carbónico emitido pelas economias centrais mais industrializadas) a respeitarem os compromissos assumidos na Primeira Cimeira da Terra, no Rio de Janeiro, em 1992. Espantada com a multiplicação de catástrofes naturais a opinião pública pressiona os governos a apostar nas alternativas energéticas.

O contexto favorece, assim, uma alteração do modelo energético e o início de um novo ciclo económico, assente sob um novo olhar acerca da realidade ambiental que nos rodeia. Neste sentido a Conferência acabou por adoptar o primeiro acordo universal de luta contra as alterações climáticas e o aquecimento global. O acordo entrará em vigor até 2020 e a cada cinco anos os países deverão rever as suas contribuições.

A manutenção do aumento da temperatura média global abaixo dos 2ºC é um ponto-chave deste acordo. Este objectivo já fora definido em 2009, na Conferência de Copenhaga, e obriga a uma redução das emissões de gases com efeito de estufa, através da poupança energética e de investimento em energias renováveis e reflorestamento. Dos 195 países presentes na Conferência, 186 anunciaram medidas para limitar e/ou reduzir as emissões de gases de efeito de estufa, até 2025/2030. Mesmo com estas medidas a temperatura subiria cerca de 3ºC, pelo que, agora, o objectivo é atingir um pico das emissões, o mais cedo possível, e iniciar reduções rápidas para obter um equilíbrio entre as emissões originadas pelas actividades económicas e as emissões absorvidas pelas florestas e pelas técnicas de captação e armazenamento de dióxido de carbono.

A primeira revisão obrigatória deste acordo ocorrerá em 2025 e antes disso o painel intergovernamental de peritos do clima elaborará um relatório, em 2018, sobre os meios para chegar á meta de 1,5ºC e os efeitos desse aquecimento. Em 2016 os 195 países farão uma primeira análise colectiva sobre as suas acções e em 2020 serão convidados a rever os seus contributos.

Os países desenvolvidos devem estabelecer objectivos de redução das emissões em valores absolutos e os países em desenvolvimento realizarão prestações qualitativas de acordo com a situação de cada país. A rigorosidade das regras em matéria de inventário, dados e verificação das acções efectuadas, que até agora sujeitavam apenas as economias mais industrializadas, passou a ser para todos os países (este ponto era um dos focos dos USA), embora estejam previstas flexibilidades em função das capacidades de cada país.

Em 2009 foi prometido, pelos países mais ricos, um financiamento de 100 milhões de USD por ano a iniciar em 2020, para ajudar as nações em desenvolvimento a financiar a transição para as energias limpas e a adaptarem-se aos efeitos do aquecimento (dos quais são as primeiras vitimas). Esta promessa foi assumida pelo actual acordo, que estabelece o valor actual de 100 milhões de USD como um tecto a ser revisto em 2025. Os países desenvolvidos, que serão os contribuintes para este financiamento, pretendem uma contribuição da China, Coreia do Sul, Singapura e das nações ricas em petróleo, alargando a fórmula proposta de serem os países desenvolvidos a avançar com os recursos financeiros para ajudar os países em vias de desenvolvimento.

Foram, ainda, reforçados os sistemas de pagamentos por perdas e de indemnizações aos países atingidos pelos efeitos do aquecimento, quando a adaptação (os sistemas de alerta meteorológicos, a manipulação das sementes para a agricultura, a construção de diques, etc.) já não é possível (o que acontece nos casos do degelo dos glaciares, a subida do nível das águas, etc.). Os Estados insulares e os países mais vulneráveis saem deste acordo com mecanismos reforçados e mais garantias de elaboração de dispositivos operacionais. E esta é uma questão sensível para os países desenvolvidos (em particular os USA) que receiam acções judiciais por responsabilidade histórica no aquecimento global. Neste sentido Washington consegue incluir uma cláusula que define que este acordo não servirá de base para iniciar processos judiciais de responsabilização ou compensações.

No fundo este acordo é um mínimo. E um mínimo é sempre melhor do que nada. Da possibilidade de evoluir para algo mais substancial, concreto e objectivo, dependerá a acção de todos nós. Caso contrário as gerações vindouras sempre nos olharão como os que “podendo fazer não quiseram”…

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