Etelvina
Muchanga – Notícias (mz)
Laurentina
Mudleuia é uma idosa com deficiência visual, cuja idade desconhece. Perdeu o
marido, oito filhos, sobrando-lhe apenas o mais novo. Para ganhar a vida,
depende da esmola que pede na baixa da capital moçambicana, tal como outras
mulheres da sua idade o fazem quando não têm quem as preste assistência na
família.
O
Notícias encontrou esta mulher na sexta-feira passada defronte do edifício do
Banco Internacional de Moçambique, do lado da Avenida 25 de Setembro,
cidade de Maputo.
Sentada
em um papelão, Laurentina falou-nos dos momentos felizes que viveu ao lado do
marido e dos filhos e da tristeza que a amargura actualmente, embora consolada
por ter pelo menos um filho vivo.
Revelou-nos
que não conheceu o rosto dos oito filhos por conta da cegueira que desenvolveu
depois do nascimento do primogénito. O que há na mente desta mulher são os bons
momentos vividos ao lado do marido e dos filhos já perecidos.
“Fiquei
pobre quando perdi o meu marido e depois os filhos. Não me faltava nada. Tinha
o que comer… Não me tinha ocorrido na cabeça que um dia teria de ir à rua pedir
esmola. Não é fácil, mas quis Deus que fosse assim”, precisou Laurentina
Mudleuia.
A
idosa vive no bairro Intaka, Município da Matola, a cerca de 20 quilómetros da
cidade de Maputo. Para se deslocar à zona urbana, Laurentina Mudleuia conta com
a ajuda do seu único filho que tem como renda o trabalho de lavagem de viaturas
nas ruas de Maputo.
“Saímos
de casa muito cedo, caminhamos até ao terminal do Zimpeto para apanhar o carro
no qual seguimos até a baixa. Ao chegar aqui, o meu filho deixa-me neste ponto
e vai lavar os carros”, disse.
Acrescento
que, por volta das 12 horas, dependendo do que o filho tenha conseguido no
trabalho compra-lhe o almoço, água para beber e lhe leva para a casa de banho.
As 15 horas regressam à casa.
“Faço
esta rotina duas ou três vezes por semana, porque a distância de casa até ao
terminal de Zimpeto é longa. Há dias que sinto dores dos pés, por isso, fico em
casa para descansar”, explicou.
IGNORAR
O IDOSO É UM ERRO
Laurentina
Mudleuia é apenas um exemplo de muitas idosas que, por diversas razões, se vêm
obrigadas a ir à rua pedir esmola. Algumas dessas mulheres perderam os
familiares próximos, outras são vítimas de violência dos próprios filhos que as
expulsam de suas casas ou não lhes garantem a assistência alimentar. Há aquelas
que vão à rua somente para se ocupar e ter com quem conversar, entende Luís
Ndlate, responsável adjunto do projecto mendicidade do Fórum da Terceira Idade.
“Temos
pessoas que praticam a mendicidade mas não são necessitadas materialmente.
Algumas sentem-se ignoradas nas famílias porque as suas opiniões não são
valorizadas. Diz-se que o que a pessoa idosa fala já está ultrapassado”,
sustentou Ndlate.
Baseando-se
em alguns estudos, Alka Singh, responsável do projecto mendicidade do Fórum da
Terceira Idade, acrescentou que alguns idosos recorrem à prática da mendicidade
porque, para além de se sentirem ignorados e inúteis nas famílias onde vivem,
são vítimas de violência, sobretudo psicológica.
“As
pessoas pensam que o idoso é inactivo, só dá trabalho e não pode fazer nada.
Não se sentindo bem tratadas nas suas residências, as idosas acabam
saindo à rua à busca de outros ambientes, onde possam ter com quem conversar e
fazer algo que lhes ocupe”, referiu Alka Singh.
Em
Moçambique, mais de metade da população idosa vive abaixo da linha da pobreza,
apesar de ter trabalhado a vida inteira, segundo a organização internacional
Help Age. A maioria dos idosos é do sexo feminino e muitos vivem sem poupança e
pensões do Estado.
Quando
ainda tinham forças, a maioria das idosas dedicava-se à machamba porque não
tiveram oportunidade de ir à escola ou continuar com os estudos. Outras foram
obrigadas a casarem-se cedo.
Estudos
realizados em 2011 e 2013 pela Organização Internacional Help Age, em seis
comunidades do país, indicam uma redução de casos de abuso sexual assim como de
insultos, abuso físico e abandono de 5.4 para 3 por cento; de 26.9 para 20
porcento; de 10.6 para 3 por cento e de 14.3% para 3%, respectivamente.
Contudo, registou-se um aumento para casos de conflitos de terra e acusações de
feitiçaria de 23.5% para 25% e 21,3% para 28%, respectivamente.
A
LEI JÁ AJUDA
Com
a aprovação da lei para a promoção e protecção dos direitos da pessoa idosa,
consciencialização das comunidades para a não-violência e do envolvimento de
diversos actores sociais na causa, a vida de pessoas da terceira idade tem
melhorado nos últimos tempos, segundo António Sitoe, Coordenador de Programas
do Fórum da Terceira Idade.
Para
Sitoe este avanço resulta do facto de aquele dispositivo legal avançar com
proposta de sanções contra todos aqueles que violem os direitos da pessoa
idosa, através de aplicação de penas de prisão que variam de três a oito anos,
dependendo da gravidade da infracção, algumas pessoas já sabem que ao
discriminarem, humilhar, abandonar ou acusar o idoso de feitiçaria podem ser
sancionadas.
Para
elucidar, Luís Ndlate, responsável adjunto do projecto mendicidade do Fórum da
Terceira idade, contou o sucesso que o Fórum teve na resolução de casos de duas
idosas. Uma estava a ser expulsa de sua casa pela nora, alegando que estava a
mais. Outra era vítima de violência protagonizada pelos filhos acusada de
feiticeira.
“Para
o primeiro caso, o problema foi levado às estruturas locais que decidiram que a
nora e o marido deveriam abandonar a casa da anciã… para o caso da idosa
acusada de feitiçaria, dialogamos com os filhos e fizemos perceber que também
vão atingir a idade da mãe e como é que se sentiriam indiciados de feitiçaria
pelos filhos? Entenderam, a idosa continua a viver com eles e feliz”, comemorou
Ndlate.
Contudo,
o Fórum da Terceira Idade reconhece que ainda há muito por se fazer, sobretudo
no que diz respeito à divulgação da Lei para a promoção e protecção dos
direitos da pessoa idosa para que seja do conhecimento da maioria dos
moçambicanos, sobretudo idosos.
PEDIR
ESMOLA EM PORTUGUÊS
Conseguir
algum valor na rua não tem sido fácil para muitas das idosas que diariamente,
sobretudo às sextas-feiras, se deslocam à zona baixa da cidade de Maputo para
pedir esmola. Algumas faltam-lhes forças para caminhar, optando por sentar-se
próximo das igrejas, lojas ou semáforos. Outras que ainda conseguem caminhar
palmilham de rua em rua contra todos os riscos de serem atropeladas ou
violentadas, sexualmente.
Mas
isto só não basta, diz Judite Macie que pede esmola na baixa da capital
moçambicana há mais de três anos para cuidar dos três netos órfãos.
“No
início não conseguia nada porque pedia ajuda na minha língua materna. As
pessoas passavam. Até que um dia, uma amiga da rua disse-me: olha, tens que
pedir em português.
Aqui na cidade fala-se Português. Diga bom dia, estou a
pedir, no período da manhã e boa tarde a partir das 12 horas”, fez saber Judite
Macie.
Com
o truque, a nossa fonte revelou-nos que consegue em média 100 meticais por dia.
Com o valor compra comida, sabão entre outros produtos necessários para o
sustento da família.
Judite
Macie vive na Mafalala, arredores da cidade de Maputo, e teve dois filhos. Um
faleceu. A filha está no lar e o pouco que oferece à mãe, segundo a idosa, não
tem sido suficiente para alimentar os netos, por isso busca ajuda na rua.
OS
MEUS NETOS NÃO ME DÃO COMIDA
Matilde
Sitoe vive no bairro de Hulene, arredores da cidade de Maputo. O seu sustento
depende da esmola. “Os meus netos têm as suas mulheres. Quando preparam as
refeições não partilham comigo, embora tenham se aproveitado do meu quintal
para fazer as suas casas”, lamentou a anciã, caminhando em direcção à avenida
Alberto Luthuli à procura de um ponto para se sentar.
Segundo
Matilde Sitoe, dos quatro filhos que teve, três perderam a vida. A única viva
está no lar e lhe visita quando pode. “Ela também tem dificuldades para
sustentar os filhos. No dia que me visita trás algo para mim. Enquanto isso não
acontece vou-me aguentando na rua”, referiu.
Encontramos
esta anciã por volta das 10 horas da sexta-feira passada, depois de ela ter
saído de sua casa ao nascer do sol, isto é por volta das cinco horas da manhã.
“Não
tenho dinheiro para apanhar chapa-100 (transporte semi-colectivo de
passageiros, por isso caminho lentamente até chegar aqui. As outras amigas que
conseguem andar um pouco mais rápido já chegaram ao destino”, disse
FUNDOS
PARA OCUPAR MENDIGOS
O
Fórum da Terceira Idade está à procura de financiadores para operacionalizar um
projecto de mendicidade que visa, sobretudo, ocupar e garantir auto-rendimento
aos mendigos, em especial idosos, deficientes e crianças.
“A
mendicidade é um problema que preocupa o fórum da terceira idade… estamos a
fazer primeiros contacto a nível dos agentes económicos e outras instituições
incluindo religiosas para ver se conseguimos algum apoio financeiro para a
execução do plano”, fez saber António Sitoe, coordenador do Fórum.
Numa
primeira fase, o projecto prevê abranger 200 pessoas de quatro bairros, sendo
dois da Matola, província de Maputo e outros da cidade de Maputo.
Segundo
a responsável do Projecto, Alka Singh, para o inicio das actividades
projecta-se a distribuição de sopas e produtos de primeira necessidade aos
necessitados. Depois desta fase seguirá a inclusão dos beneficiários em
actividades de geração de rendimento, como a agropecuária, culinária, corte e
costura.
“Essas
actividades visam ocupar os idosos para deixarem de estar nas ruas a praticar
mendicidade. Quando saírem de casa, ao invés de irem à rua, vão às associações
nos bairros onde poderão garantir o seu auto-sustento”, referiu.
Para
tal, será feito um cadastro para se saber quantas pessoas estão, quantas idosas
necessitam de apoio. Os trabalhos iniciarão na cidade de Maputo e
posteriormente poderão ser expandidos para as outras províncias, dependendo dos
fundos a serem alocados.
“A
ideia é de abranger todos bairros da cidade, sendo que no futuro pensamos em
ter uma delegação em todas as províncias. O projecto vai durar seis meses e à
medida que tivermos apoios, pouco a pouco vamos estendendo as actividades para
outros pontos do país”, disse Alka Singh.
Actualmente,
para a realização do projecto, o Fórum da Terceira Idade conta com o apoio do
Conselho Municipal para a realização dos Inquéritos.
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