Marcolino
Moco, antigo primeiro-ministro de Angola, afirmou hoje que os órgãos judiciais
em Angola estão “manietados” pelo regime de José Eduardo dos Santos e que os
juízes “são uns coitados”, uma vez que não conseguem combater a “manipulação”.
Contactado
telefonicamente pela agência Lusa, Marcolino Moco, hoje advogado e crítico do
regime angolano, comentava a decisão do Tribunal de Luanda, que, num edital
publicado hoje no Pravda do regime (Jornal de Angola), o incluiu numa lista de
pessoas a ouvir no quadro do julgamento/farsa dos 17 activistas angolanos
acusados de, entre outros crimes, prepararem uma rebelião e um atentado contra
o Presidente da República.
“Até
este momento, não recebi absolutamente nenhuma notificação oficial e, por isso,
estou a ignorar. O que eu poderia fazer era processar ou reclamar sobre esta
espécie de difamação sobre o que estou a ser alvo”, sublinhou, adiantando,
porém, que não o irá fazer.
“Mas
não vou perder tempo com isso, pois estamos perante órgãos judiciais
completamente manietados, os juízes são todos uns coitados e não podem fazer
nada perante esta manipulação. Mas também não estou disponível para participar
no ‘Carnaval’. Não conheço nenhuma notificação, isso é real”, acrescentou.
A
encenação de julgamento decorre desde Novembro e foi suspensa, de novo, há uma
semana, por as dezenas de elementos que integram a lista de um suposto governo
de salvação nacional, liderado pelo líder (preso) de uma seira religiosa,
Julino Kalupeteka, utilizada como a prova das provas contra os activistas, não
comparecerem para testemunhar em tribunal, alegadamente por falta de
notificação.
Para
o também antigo secretário-executivo da Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa (CPLP), essa lista não lhe merece qualquer comentário, pois trata-se
de uma “mera brincadeira” que “não tem seriedade”.
“Estão
agarrados a esta coisa ridícula de uma lista de brincadeira e aproveitam para
denegrir algumas pessoas que têm tido uma atitude crítica perante o regime que
temos, em particular desde 2002. Pretendem denegrir aqueles que eles pensam ser
‘macumbice’ para garantir que o actual regime de José Eduardo dos Santos é
insubstituível. Só assim é que se justifica”, argumentou.
“Estamos
a viver um verdadeiro processo kafkiano, com um ambiente de medo e intimidação.
Mas não me intimido. Tenho 62 anos, já passei por tantas coisas e, se estão à
espera que me intimide, estão enganados”, sublinhou.
Marcolino
Moco garantiu que, mesmo que surja uma notificação oficial para comparecer no
tribunal, não irá, uma vez que o julgamento dos 17 jovens é um “processo
político” e que, como tal, merece uma “resposta também política”.
“Poderá
vir a polícia deter-me. Aí sim, irei, não vou resistir para não ser torturado,
como aconteceu com Filomeno Vieira Dias (membro da Comissão Política do Bloco
Democrático – BD)). Mas não abrirei a boca em tribunal”, assegurou, defendendo,
porém, que “nunca” irá deixar de falar criticamente.
O
advogado angolano reiterou a ideia de que não é candidato à Presidência de
Angola, apesar de não rejeitar totalmente a ideia.
“Nunca
me manifestei como potencial candidato. Já o Isaías Samakuva, que tem um grande
partido (é presidente da UNITA), ou o Abel (Chivukuvuku, líder da CASA-CE), ou
o Justino (Pinto de Andrade), cujo partido (Bloco Democrático) tem encontrado
sempre mecanismos para o afastar. Eu nunca me manifestei para entrar num
sistema que está ocupado por uma só pessoa. O que não admito é que não me
deixem falar ou exercer as minhas capacidades como cidadão angolano”,
argumentou.
“O
que tenho dito é que sou uma pessoa, sou angolano, e posso ser candidato um
dia. Mas, em concreto, numa me manifestei nesse sentido”, concluiu.
Além
de Marcolino Moco, o tribunal convoca no mesmo edital, para serem ouvidos no
reatar do julgamento, na terça-feira, os activistas José Patrocínio e Rafael
Marques, o jornalista William Tonet (Director do Folha 8), e políticos como
Abílio Kamalata Numa e Liberty Chiaka, ambos da UNITA, ou Justino Pinto de
Andrade e Nélson Pestana, do Bloco Democrático, entre outros.
Os
17 activistas – entre os quais duas jovens que aguardam em liberdade e os 15
que estiveram em prisão preventiva entre Junho e Dezembro – estão acusados, em
co-autoria, de actos preparatórios para uma rebelião e um atentado contra o
Presidente angolano, entre outros crimes menores, incorrendo numa pena de três
anos de cadeia.
Aos
14 activistas que entretanto permanecem em prisão domiciliária – Nito Alves foi
condenado sumariamente a seis meses de prisão efectiva -, o tribunal indeferiu
na sexta-feira o pedido de defesa para liberdade provisória, tendo em conta a
revisão da medida de coacção ao fim de 60 dias.
Folha
8
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