quinta-feira, 28 de junho de 2018

Portugal | Haverá limites para Marcelo?


Pedro Ivo Carvalho | Jornal de Notícias | opinião

Pode uma imagem definir um homem? E pode uma imagem definir um político? E se esse político for uma projeção constante de imagens, de milhares de fotogramas difusos, em distintos contextos, sem critério de importância, quantidade inesgotável e qualidade ocasional? Até onde vai, ou pode ir, o ascendente mediático de Marcelo Rebelo de Sousa? Haverá limites para a sua ubiquidade? E, acima de tudo, quererá o presidente da República impor travões a si próprio, quando essa convergência com o quotidiano lhe tem granjeado tantos lucros? Como se define, hoje, este homem multiplicado? Já nos habituámos a tudo em Marcelo. Quando ele desmaiou, há dias, num pico de calor, sentimos um aperto no peito como se tivesse sido com um tio ou um primo. Alguém que está ao nosso redor todos os dias. A normalização da sua comparência ajuda a tolerar até as excentricidades. Mesmo quando o presidente da República de Portugal se transforma num comentador dos jogos da seleção no Mundial de futebol. Em direto nas televisões. Meia dúzia de minutos depois da partida terminar. Marcelo alimenta-se dos momentos de união nacional com o mesmo talento com que o faz nas tragédias coletivas. É a bandeira à janela da nação efusiva e o antidepressivo que ameniza os ciclos negros. Os portugueses elegeram um homem que se transformou numa entidade. Mas esse homem-entidade que, há uns meses, numa madrugada fria, se sentou no chão com um sem-abrigo - no que resultou, porventura, na mais poderosa imagem do alcance social da Presidência - não pode querer ser sempre um cidadão comum. Porque não é. A humanização cunhada no cargo é uma virtude que decorre da sua natureza. Só que o exagero que se tornou vulgar elimina as distâncias necessárias. Marcelo precisa todos os dias de Portugal. Não é líquido que Portugal precise todos os dias de Marcelo.

* Subdiretor do JN

Sem comentários:

Mais lidas da semana