Manuel Carvalho da Silva* | Jornal
de Notícias | opinião
As notícias sobre as remunerações
de 15 presidentes executivos (CEO) de empresas cotadas na Bolsa de Lisboa (PSI
20), obrigam-nos a refletir sobre as profundas desigualdades de rendimento e de
riqueza.
Seria importante conhecer-se, não
apenas o que recebem aqueles CEO, mas também o que se passa no conjunto das
grandes empresas da indústria e dos serviços.
O que explica estas
desigualdades? O mérito dos gestores de topo? Talvez tenham algum talento, mas
afinal só são motivados com muitos milhões, quando exigem ao comum dos
trabalhadores motivação a troco de quase nada.
Os dados disponíveis não nos
chocam todos na mesma dimensão, pois os 2288,3 milhões que recebe António Mexia
estão distantes dos 349,9 mil do António Rios Amorim. Outras questões pontuais
se podem considerar, por exemplo, o facto de, no mesmo setor de atividade, o
CEO da Jerónimo Martins/Pingo Doce auferir o triplo do CEO da Sonae/Continente.
Há um conjunto de perguntas
fundamentais a colocar para percebermos significados daquelas remunerações.
Estes executivos são acionistas das empresas que gerem? Qual a sua origem e
como construíram as suas posições nas empresas e no sistema financeiro? Que
tipo de emprego têm as empresas que dirigem?
António Mexia recebe o
correspondente à retribuição de 40 trabalhadores que auferem o salário médio da
EDP. Mas, no cálculo deste, não são considerados os baixíssimos salários dos
milhares e milhares de trabalhadores que trabalham para a EDP nos call centers
e em imensas subcontratações.
O Grupo Jerónimo Martins/Pingo
Doce - que pretende projetar-se na sociedade como exemplo de ética social e de
filantropia - está inserido num tipo de atividade que normalmente é
identificada como de mão de obra barata, mas o seu CEO tem uma retribuição choruda,
correspondente a 140 vezes o salário médio da empresa. No Pingo Doce o salário
de topo de carreira de operador de loja era, em 2010, 614,5€, ou seja, 139,5€
superior ao salário mínimo nacional (SMN). Em 2019, o salário daquela categoria
é de 650€, ou seja, apenas mais 50€ que o SMN. Esta situação mostra-nos duas
coisas: o grupo apenas consegue ser generoso em situações de miséria, pois
basta o SMN ter um valor minimamente digno para essa generosidade se evaporar;
não efetiva uma negociação coletiva séria.
Muitos dos presidentes executivos
daquela lista são acionistas das empresas que os remuneram, recebendo, assim,
dividendos por duas vias. O conluio entre os grande acionistas e os executivos
destas empresas permitem que estes se aumentem escandalosamente, com prejuízo,
quer para os trabalhadores que veem os seus salários comprimidos, quer para os
pequenos acionistas das respetivas empresas.
As retribuições dos CEO são
contabilizadas como remunerações do trabalho. Puro engano, estes
"salários" exorbitantes são na realidade remunerações do capital,
escondidas.
Estamos perante um jogo em que os
grandes detentores do capital e os seus executivos tanto rapam em nome da crise
como quando há recuperação económica. Tiram o que pertence aos trabalhadores
quando precarizam o trabalho ou praticam atos de gestão danosa, deixam cada vez
menos para os salários e, quantas vezes, comprometem os investimentos que
deviam fazer.
*Investigador e professor
universitário
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