quinta-feira, 18 de maio de 2023

CELEBRAR O DIA DA VITÓRIA NÃO É ESTAR AO LADO DOS INVASORES

Paula Ferreira* | Jornal de Notícias | opinião

Um professor foi despedido na sequência de uma denúncia feita num artigo de opinião, replicado na voz de um comentador de um canal televisivo. Não houve lugar ao contraditório, ninguém ouviu o visado, acusado de difundir propaganda russa numa universidade.

Sensível à opinião pública, o reitor não perdeu tempo a fazer o que devia ser feito: ouvir o visado, apurar a verdade dos factos. Optou pelo mais fácil. Ao proceder assim, o dano causado cai diretamente sobre a instituição que o elegeu para a representar.

O caso do professor de cultura russa despedido da Universidade de Coimbra porque dois ativistas ucranianos o acusaram de difundir propaganda da Rússia seria grave em qualquer circunstância. Remete-nos para tempos que julgávamos irrepetíveis, porque as pessoas voltam a ser avaliadas e reprimidas pelas suas opiniões como se o pensamento não fosse livre. Como se não houvesse espaço para a divergência. E torna-se mais inaceitável ainda por ter ocorrido no seio da universidade, o local por excelência de debate, de confronto de ideias sem constrangimentos.

Amílcar Falcão, o reitor da mais antiga universidade portuguesa, não está à altura do cargo. Ao não admitir a diversidade de opiniões, age movido pela delação, um procedimento a lembrar tempos negros da nossa História. Não fez o elementar: ouvir os alunos do professor em causa. Se o tivesse feito, talvez não declarasse: "assim que tomei conta do que se estava a passar, dei indicações para a rescisão do contrato". Se os tivesse ouvido, respeitando as mais basilares regras do contraditório, teria ouvido o seguinte: o professor da Universidade de Coimbra havia pedido aos alunos, no início do ano letivo, para evitarem falar da guerra, por as guerras serem temas demasiado complexos.

Nem para todos. Para muitos, cada vez mais, para a maioria, a guerra nada apresenta de complexo - é apenas uma contenda em que de um lado estão os bons e do outro lado os maus.

Sem esquecer que há um invasor, a Rússia, e um invadido, a Ucrânia, sem nunca perdermos esta realidade de vista, devemos combater a crescente russofobia. O povo russo não é o Estado russo, o professor Pliassov é só Vladimir, não é Putin.

Chegamos a um ponto em que festejar o Dia da Vitória, dos Aliados sobre os nazis, é apontado como estar ao lado da invasão da Ucrânia. E não é. E é bom que nunca nos esqueçamos de comemorar o Dia da Vitória, para que esses tempos obscuros, em que russos e ucranianos combateram ao lado dos Aliados, jamais regressem. Só depende de nós, da nossa capacidade de combater a indiferença.

*Editora-executiva-adjunta

Texto publicado com a especial colaboração de Walter Org

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