quarta-feira, 27 de março de 2024

Está a aumentar a intolerância religiosa na Guiné-Bissau

Djariatú Baldé | Deutsche Welle

Após ataques a locais de cultos tradicionais, aumentam as denúncias de intolerância religiosa na Guiné-Bissau. Sociólogo apela à intervenção urgente do Estado e alerta que a situação pode pôr em causa a coesão nacional.

O caso que chamou a atenção recentemente foi um incêndio num importante local de culto tradicional da etnia papel no bairro de Mindará em Bissau, por pessoas até aqui não identificadas. Dias depois, uma igreja evangélica localizada no mesmo bairro também foi incendiada, embora não se tenham verificado danos graves.

O vice-coordenador do coletivo Nô Raiz, uma organização que defende o legado cultural africano, NKanandé Cá, responsabiliza o Estado, pois diversas práticas africanas não têm o seu devido espaço na Guiné-Bissau.

"É muito preocupante quando o estado não assume o seu papel.  No Conselho de Ministros não se falou nada a respeito de situação, isso demonstra como o Estado tem tratado as pessoas que cultuam a espiritualidade africana", observa.

A Guiné-Bissau enquanto Estado Laico e a Constituição da República preveem a liberdade religiosa. Porém, a prática espiritual africana é vista por certos grupos locais como atos diabólicos.

NKanandé Cá faz um apelo: "É importante que cada um saiba respeitar a diversidade, a manifestação religiosa ou espiritual de cada crença, só assim poderemos viver em harmonia. Todos os cidadãos que vão contra o ato e de intolerância religiosa devem condenar essas práticas".

Em 2022, uma igreja católica na cidade de Gabú, leste da Guiné-Bissau, foi vandalizada por um grupo que até hoje não foi responsabilizado judicialmente.

Crime de perturbação do exercício religioso

O jurista Vladimir Vitorino Gomes lembra que os atos constituem crime de perturbação do exercício religioso: "Todo o ato que vá perturbar a prática religiosa seja ela tradicional ou moderna é um ato criminoso que pode levar à condenação da pessoa como uma pena de prisão até seis meses ou com uma pena de multa. Isso tem uma cobertura legal penal".

Mas sublinha que o Ministério Público não pode iniciar um processo penal sem que haja antes uma queixa dos lesados. "Estamos perante um crime semipúblico, significa que o procedimento criminal depende da queixa", lembra.

"Quando o processo criminal depender de queixa do ofendido ou outras pessoas é necessário que essas pessoas deem conhecimento do facto ao Ministério Público para que este possa promover o processo", explica o jurista.

O sociólogo Celestino João Insumbo apela ao envolvimento urgente do Estado. "Essa situação de violação de certas práticas de determinados grupos, de ponto de vista sociológico ou antropológico não é nada bom. O estado deve estar a acompanhar essa situação para não pôr em causa a convivência. Porque se o Estado não assumir as suas responsabilidades e isso pode causar a rotura da convivência entre as religiões", alerta.

Os líderes das principais confissões religiosas da Guiné-Bissau, incluindo animistas, pretendem tornar público na próxima quinta-feira (21.03), uma declaração conjunta de apelo à paz e tolerância religiosa no país, em resposta ao agravar da situação.

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