quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Portugal: O ORÇAMENTO DE ESTADO QUE NÃO É DE NINGUÉM

 


Eduardo Oliveira Silva – Jornal i, opinião
 
Cavaco Silva tem nas mãos a sua mais difícil decisão dos últimos anos
 
E pronto. Os portugueses têm desde ontem um documento aprovado na Assembleia da República que é tudo o que se queira menos um Orçamento do Estado. Ninguém, mas ninguém mesmo, nas bancadas da maioria ou nas da oposição, ou ainda nas instâncias nacionais e internacionais e nos organismos especializados, acredita que o OE tenha qualquer correspondência com a realidade.
 
Ao contrário do OE de 2012, que foi sucessivamente rectificado, o de 2013 não é uma ficção acidental mas uma ficção deliberada, e para ser minimamente coerente deveria começar a receber rectificações logo a partir do primeiro dia do ano que vem em que se reúna a Assembleia.
 
Quando os deputados iniciaram a sessão final de ontem, concentravam-se frente à AR milhares de apoiantes da CGTP para gritarem o seu protesto, pressionarem e impressionarem o Presidente da República, a quem cabe agora assinar, vetar ou enviar o documento para o Tribunal Constitucional. A manifestação teve forte adesão, apesar de matutina, e foi controlada pela central sindical, salvo no estranho episódio em que foi forçada a porta de uma agência bancária, com uma intenção objectiva que fica por entender, esperando-se que a sempre atenta Procuradoria averigue o que aconteceu.
 
Cavaco Silva tem agora nas mãos a sua mais difícil decisão dos últimos anos, e qualquer que seja a sua opção desagradará a um vasto grupo de portugueses.
 
Quanto a Passos Coelho, há que reconhecer que soube minimizar os danos, controlando os seus deputados e domesticando o CDS de Paulo Portas. Além disso, avança já hoje para a fase da explicação directa ao país, através da entrevista que vai dar à TVI e que é peça essencial da sua estratégia.
 
Menos feliz foi a sua decisão de entregar o discurso final da discussão a Vítor Gaspar e de o deixar fazer o seu tirocínio na chacota partidária, ao qualificar o PS de aventureiro e aconselhá-lo a respeitar a sua linhagem europeísta. Mais valia que fizesse contas certas, em vez de dar lições de democracia a um partido com o passado do PS, por muito que se possa discordar dele. Até porque todos os dados de conjuntura, como os da OCDE, apontam para uma realidade económica profundamente diferente da que Vítor Gaspar traçou e encaminham Portugal para o trilho da Grécia.
 
Como não foram só atrás de objectivos nominais, os gregos obtiveram mais tempo e mais dinheiro (43,7 mil milhões de euros), o que não é coisa pouca e prova que o que estava errado eram os objectivos e não propriamente o esforço dos gregos de cumprir, mesmo que nalguns pontos sejam claramente relapsos.
 
Oxalá as decisões tolerantes com os gregos se estendam mesmo aos portugueses, que, de forma sábia, continuam a mostrar ser um povo de raro bom senso. Basta olhar para alguns aspectos da sondagem i/Pitagórica, quando rejeitam extremismos militares, quando são contra despedimentos de funcionários públicos mesmo que isso implique mais impostos, ou quando mais de 70% rejeitam eleições antecipadas. Assim saibam os políticos estar à altura de um povo tão sensato e sábio.
 

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