segunda-feira, 19 de maio de 2014

Cristovão Colombo e os esquentadores



Tomás Vasques – jornal i, opinião

Os portugueses, tal como a generalidade dos povos europeus, cedo se aperceberam que a União Europeia estava a ser "construída" no mais completo divórcio com a sua vontade

1 - Em cumprimento do calendário arrasta-se a mais desoladora campanha eleitoral de que tenho memória, o que não pode deixar de entristecer quem acredita nas virtualidades da democracia. A indigência e o vazio do discurso dos candidatos dos partidos do governo cruza-se, nas ruas, com a gélida indiferença dos cidadãos, aqui e ali disfarçada pela cobertura mediática de visitas a empresas ou jantaradas com a nomenclatura partidária; também os partidos da oposição não conseguem mobilizar o imenso caudal de descontentamento que por aí abunda. O que era de esperar. Um povo enganado, maltratado e sem esperança em dias melhores, não corre atrás de foguetes, nem comemora, como o governo, o empobrecimento, o desemprego, a emigração forçada de centenas de milhares de jovens. Um povo enganado, maltratado e sem esperança em dias melhores só pode desconfiar de qualquer promessa eleitoral, tanto quanto começa a desconfiar de todos os políticos, senão mesmo desta democracia agrilhoada, em que só em véspera de eleições lhe dão palmadinhas nas costas e falas mansas. E depois, uma vez recolhidos os votos, os eleitos engrossam a voz e brandem o chicote escondido atrás das costas. Lincoln já tinha advertido: "não se pode enganar a todos todo o tempo".

2 - O desinteresse dos portugueses pelas eleições para o parlamento europeu já vem de trás. Desde há vinte anos, a abstenção ultrapassa os 60%, apesar de, ainda em tempo de ilusões, em 1987, logo após a integração europeia, mais de dois terços dos eleitores terem votado, ficando a abstenção nos 27%. Isto significa que há uma relação directa entre a abstenção e a percepção da utilidade do voto. Os portugueses, tal como a generalidade dos povos europeus, cedo se aperceberam que a União Europeia estava a ser "construída" no mais completo divórcio com a sua vontade. Sem qualquer debate, e sobretudo sem qualquer envolvência dos cidadãos. O seu voto era inútil, porque em nada alterava o rumo do "monstro" burocrata e autoritário que crescia em Bruxelas. E o desinteresse foi crescendo, de eleição para eleição. Mesmo o terço de eleitores que se deslocaram às urnas de voto nas últimas eleições europeias não foram, certamente, escolher as duas dezenas de deputados portugueses em Bruxelas, aos quais, mal ou bem, não outorga qualquer utilidade, mas foram sobretudo pronunciar--se sobre as políticas do governo português no momento. É o que vai acontecer, também, no próximo domingo. Ao contrário das eleições autárquicas, em que se misturam uma multiplicidade de protagonistas, de candidaturas independentes e interesses locais, estas eleições europeias vão ser um referendo, um plebiscito, uma gigantesca sondagem às políticas deste governo. No fundo, o ensaio geral das legislativas do ano que vem. E, se assim for, os resultados podem constituir uma desagradável notícia para o governo.

3 - Como se não bastasse a dupla Paulo Rangel e Nuno Melo, os candidatos dos partidos do governo, espreguiçarem-se no mais primário discurso político e na completa indigência intelectual, tomando os portugueses por parvos, apareceu ao seu lado Jean-Claude Juncker, no mesmo registo. O candidato à presidência da Comissão Europeia pelos partidários de Ângela Merkel, veio a Lisboa passear a sua ignorância sobre o fundador da primeira cidade de origem europeia na América, o navegador genovês Cristóvão Colombo. Disse o luxemburguês: "Os socialistas lembram-me um dos vossos compatriotas mais prestigiados: Cristóvão Colombo. Quando partia nunca sabia para onde ia, quando chegava nunca sabia onde estava, e era o contribuinte que pagava a viagem." Para além de Colombo não ser nosso compatriota, apesar da ficção o querer fazer galego ou catalão, e mesmo português, a patacoada é alarve, própria desta gente que gere a destruição da União Europeia e que não sabe "que o sonho comanda a vida". Assim os socialistas, portugueses e europeus, fossem capazes de, tal como Colombo, "dar novos mundos ao mundo" e descobrir de novo outras Américas. De Colombo fala-se 500 anos depois; de Juncker, mesmo pago com dinheiro dos contribuintes, daqui a uma década não passa da marca de um esquentador.

Jurista - Escreve à segunda-feira

Sem comentários:

Mais lidas da semana