Eugénio
Costa Almeida* - Novo Jornal (ao)
1.
O ano de 2015 entrou em todos nós com uma força nada previsível – será que não?
– com os bárbaros atentados ocorridos sob o espectro de um dogma religioso que
não acolheu concordância de ninguém. Nem dos que, naturalmente, foram objecto
de ataques; nem dos que seriam os eventuais apoiantes religiosos. O fanatismo
nunca teve acolhimento entre as pessoas racionais e inteligentes! Tudo
aconteceu com os atentados à redação da revista humorística francesa Charlie
Hebdo – já aqui abordada em edições anteriores – bem como a um supermercado
francês de origem judaica. Os bárbaros ataques, levados a efeito sob o signo da
“defesa de honra” do Profeta Maomé, por parte de uma hipotética parcela de
indivíduos que se acharam no direito de o fazer, tiveram o condão de unir
povos, sensibilidades, religiões numa crítica muda mas severa ao excessos
efectuados em nome de uma religião (no caso), ou de uma comunidade social ou
política. Paris, conseguiu juntar dirigentes políticos, sociais e religiosos
como há muito não se vislumbrava possível, numa manifestação sob o signo de “Je
suis Charlie”. Até permitiu mostrar que não é só no ortodoxismo islâmico que as
Mulheres não passam de “coisas” complementares “criadas” para satisfazer os
interesses pessoais dos Homens. Também o ortodoxismo judaico conseguiu
“retirar” da foto oficial, todas as mulheres presentes na referida manifestação
levada a efeito pelo Champs-Élysées, pelo Palais de l’Élisée e pelo seu
principal inquilino, o senhor Fran- çois Hollande – que, com estes bárbaros atentados,
conseguiu elevar a sua fasquia de aceitação popular de uns míseros 18% para uns
aceitáveis 40% de aprovação...
2. Mas o que são “fundamentalistas”? Permitam-me recorrer a um ensaio meu, publicado em 2003, intitulado “Fundamentalismo Islâmico, A Ideologia e o Estado” (2003), onde mostro que o chamado Fundamentalismo Islâmico não começou com o radicalismo islâmico nem é propriedade sua; bem pelo contrário, tudo teve origem em uma compilação de diversos artigos teo- -doutrinários, por parte de um grupo de teólogos norte-americanos, em 1910, sob a designação genérica de “Fundamental” e que viriam a ser reconhecidos pelos “Fundamentalists”. Defendiam o literalismo bí- blico e afastavam ideias novas ou inovadoras. Ontem como hoje… Ora, os fundamentalists acabaram por generalizar uma expressão que passou a designar todos os que Texto de Eugénio Costa Almeida* defendem um qualquer radicalismo seja religioso, político ou social. Uma expressão que acolhe muitos e diversificados interesses… Não se discute se os acontecimentos de Paris e subsequentes estão, ou não, justamente enquadrados. Nem se discute se da justeza daqueles que verberaram, com paixão, com simpatia e com evidente pesar os bárbaros atentados; como se deve apoiar os que defendem a coexistência pacífica entre as diferentes comunidades religiosas em várias partes do Mundo. Recorde- -se as contra-manifestações ocorridas na Alemanha a favor dessa coexistência em contraciclo com as que, semanalmente alguns sectores alemães levam a efeito contra a presença, nas terras germânicas, de islâmicos e próximos. Nada a contrapor! Nada, se não houvesse uma gritante hipocrisia por parte desses mesmos sectores que tanto gritam “Je suis Charlie” e se esquecem de outras graves e bárbaras violações noutras regiões que não sejam na Europa.
3. Poderíamos, só para ser mais assertivos, o que se passa na Síria ou Iraque onde cristãos são barbaramente massacrados em nome de um pretenso organismo político-religioso que se desenvolveu exponencialmente e enquanto os interesses políticos adjacentes o acolheram (e acolhem…). Reconheça-se que na última e recente declaração do Estado da União, levada a efeito pelo senhor Obama, este solicitou ao Congresso – nesta altura, politicamente, um pouco hostil – autorização para atacar os membros e simpatizantes do chamado Estado Islâmico (EI – Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL)) e libertaras terras mesopotâmicas.
2. Mas o que são “fundamentalistas”? Permitam-me recorrer a um ensaio meu, publicado em 2003, intitulado “Fundamentalismo Islâmico, A Ideologia e o Estado” (2003), onde mostro que o chamado Fundamentalismo Islâmico não começou com o radicalismo islâmico nem é propriedade sua; bem pelo contrário, tudo teve origem em uma compilação de diversos artigos teo- -doutrinários, por parte de um grupo de teólogos norte-americanos, em 1910, sob a designação genérica de “Fundamental” e que viriam a ser reconhecidos pelos “Fundamentalists”. Defendiam o literalismo bí- blico e afastavam ideias novas ou inovadoras. Ontem como hoje… Ora, os fundamentalists acabaram por generalizar uma expressão que passou a designar todos os que Texto de Eugénio Costa Almeida* defendem um qualquer radicalismo seja religioso, político ou social. Uma expressão que acolhe muitos e diversificados interesses… Não se discute se os acontecimentos de Paris e subsequentes estão, ou não, justamente enquadrados. Nem se discute se da justeza daqueles que verberaram, com paixão, com simpatia e com evidente pesar os bárbaros atentados; como se deve apoiar os que defendem a coexistência pacífica entre as diferentes comunidades religiosas em várias partes do Mundo. Recorde- -se as contra-manifestações ocorridas na Alemanha a favor dessa coexistência em contraciclo com as que, semanalmente alguns sectores alemães levam a efeito contra a presença, nas terras germânicas, de islâmicos e próximos. Nada a contrapor! Nada, se não houvesse uma gritante hipocrisia por parte desses mesmos sectores que tanto gritam “Je suis Charlie” e se esquecem de outras graves e bárbaras violações noutras regiões que não sejam na Europa.
3. Poderíamos, só para ser mais assertivos, o que se passa na Síria ou Iraque onde cristãos são barbaramente massacrados em nome de um pretenso organismo político-religioso que se desenvolveu exponencialmente e enquanto os interesses políticos adjacentes o acolheram (e acolhem…). Reconheça-se que na última e recente declaração do Estado da União, levada a efeito pelo senhor Obama, este solicitou ao Congresso – nesta altura, politicamente, um pouco hostil – autorização para atacar os membros e simpatizantes do chamado Estado Islâmico (EI – Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL)) e libertaras terras mesopotâmicas.
Os
interesses ocidentais acharam que uma das melhores formas de travar o EI era
diminuir o preço do crude - principal fonte de financiamento dos radicais - mesmo
que para isso, outros países sejam economicamente lesados
Ou
como é possível que os países europeus – e Portugal é um desses Estados europeus que baseado na sua génese
global o aceitou livremente e vai voltar a fazê-lo num dos seus bairros mais
característicos, a Mouraria – aceitem/acolhem que o reino da Arábia Saudita
seja um dos principais financiadores de construções de mesquitas por várias partes
do Mundo e impeça a construção de templos de outras confissões religiosas –
cristãs, por exemplo – no seu país além de restringir liberdade previstas pela
Carta dos Direitos Humanos, às Mulheres? Sobre
Portugal e as suas mesquitas – respeitáveis como qualquer outro templo
religioso existente no país – proponho-vos uma leitura atenta a uma análise de
Raúl Braga Pires no seu blogue “Maghreb/Machrek” (https:// maghrebmachrek.wordpress.
com/) onde esta questão é pertinentemente bem levantada, até na substituição de
uma comunidade há muito implantada por uma outra…
4.
Também nisto, Angola usou das suas prorrogativas nacionais e constitucionais
para impedir a edificação de mesquitas – ao contrário do que se afirma, não
somos o único país a impedir a criação de mesquitas; a Noruega, e pelas razões
já atrás descritas também não a acolhe enquanto os sauditas, principais
financiadores não acolheres outras confissões religiosas – sem que os seus “criadores”
justifiquem claramente o porquê e a sua efectiva necessidade como veículo de
transmissão religiosa. Houve
quem, entre países e povos islâmicos, criticasse esta posição angolana mas
nada, por enquanto, demais. Até pelas razões evocadas pelo competente
ministério angolano me apetece dizer, e com propriedade que tudo está bem quando
a Lei é devidamente evocada; por isso, Eu sou Angola. Justifiquem, provem a
existência de uma comunidade islâmica unida – umma – e reconhecida do direito constitucional
angolano e, por certo, não será objecto de impedimentos a construção de uma
mesquita. Porque “Eu sou Angola” quero acreditar que as razões foram, única e exclusivamente,
de índole social e disciplinador.
5.
Voltando à exemplar manifestação “Je suis Charlie” onde estavam aqueles mesmos
dirigentes europeus e não só – também o presidente do Mali estava na primeira
fila dos dirigentes – quando na mesma altura, na Nigéria, por acaso o mais populoso
país de África e um dos mais ecléticos em termos sociais e religiosos, um
organismo dito islâmico, mas na realidade um grupo armado que usa a religião
para fins inconfessáveis, atacava e chacinava cerca de 2000 pessoas em nome do
Deus Supremo? Onde estavam, e onde estão, esses mesmos dirigentes – os mesmos
que durante um largo período se esqueceram do Iraque e da Síria e como se vêm a
manter esquecidos da Líbia tendo deixado este país feito uma manta de retalhos,
onde ninguém se entende e onde os ditos países da coligação vencedora deixaram
as populações locais sob a triste umbrella protecionista de uns senhores de guerra
que gerem os dividendos do país conforme quem mais lhes paga. Onde estão esses
mesmos paladinos da liberdade e da fraternidade que souberam ser rápidos – e
bem – na recuperação da integridade territorial do Mali contra a secessão do norte
do país, Azauade, por parte de um grupo radical islâmico, inicialmente ligados
ao Movimento Nacional
de Libertação do Azauade (MNLA), e onde pautavam tuaregues, islamitas e
radicais islâmicos do Ansar Dine (Defensores da Fé), próximos da al-Qaeda no
Magreb; este grupo acabou por impor a sharia na região azauade o que levou à intervenção
francesa e da UA, sem que, todavia, a integridade maliana tenha sido devidamente
reposta.
6.
Se no Mali os interesses francófonos ditaram uma pronta e rápida intervenção do
Palais de l’Élisée – a
mesma prontidão que os levou à Côte d’Ivoire e ao Chade – bem como à
manifestação Je suis Charlie, onde estão, repete-se, os críticos dos atentados
de Paris e continuam a esquecer os massacres, os raptos e
as expulsões, ou seja, todo o tipo de violência sobre os nigerianos do norte do
país levados a efeitos por radicais
islâmicos, nomeadamente pelos radicais nigerianos do Boko Haram (significa “a
educação ocidental é pecado” ou, segundo a sua versão oficial, «Jama’atu Ahlis
Sunna Lidda’awati wal-Jihad (Grupo pela Pregação e Jihad)») que não se circunscrevem
só ao norte da Nigéria, como, também, aos Camarões, ao Chade e ao Níger? Um
grupo, que não tem pudor em usar crianças de 10 anos para provocar o terror
através de ataques suicidas, ou cujos interesses maiores passam por converter
toda a região num grande Estado Islâmico Africano (EIA), como recordou,
recentemente, numa entrevista à Rádio Deutsche Welle, o investigador R. Loimeier,
da Universidade de Göttingen; e com a subsequente desestabilização que o dito
EIA fomentará. É evidente que o Boko Haram também subsiste devido à inépcia de
Abuja e do presidente G. Jonathan, ou da corrupção existente no exército
nigeriano e dos governos regionais; como se pode aceitar que um governo
regional prometa proteger as crianças e professores colocando as escolas sob
protecção de seguranças… desarmadas? Recordam-se do “Deixem as meninas voltarem!
(#BringBackOurGirls)” quando os do Boko Haram raptaram cerca de 200 raparigas
nigerianas da cidade de Chibok, no norte da Nigéria, em Abril de 2014, e que,
até hoje, continuam, na sua maioria, desaparecidas? Pensa-se que o referido
recente atentado suicida levado a feito por uma menina de 10 anos, esta seria uma
das desaparecidas. Onde estão aqueles que juraram defender a grande divisa da
liberdade democrática, laica e multissocial: Liberdade, Igualdade e
Fraternidade? Só existem quando os interesses
subjacentes das grandes potências são postas em causa, directa ou
indirectamente? Até esse momento, os Povos e os Estados colateralizados que se
governem e defendam como bem entenderem? Talvez pela mesma razão que ninguém ligou
ao avanço do EI até os interesses ocidentais acharem que uma das formas de o
travar era diminuir o preço do crude – principal fonte de financiamento dos
radicais –,
mesmo que para isso outros países sejam economicamente lesados, nomeadamente,
em África. Só há a divisa quando os “meus” interesses não são postos em causa. Ou seja, é a
velha questão em que a minha Liberdade acaba onde começa a Liberdade do outrem!
Ou deveria ser!... E por isso e porque não aceito esta dicotómica atitude de
certas potências, é que… Eu Sou África!
- Investigador
do CEI-IUL e CINAMIL
*Eugénio Costa Almeida*
– Pululu - Página de um
lusofónico angolano-português, licenciado e mestre em Relações Internacionais e
Doutorado em
Ciências Sociais - ramo Relações Internacionais -; nele
poderão aceder a ensaios académicos e artigos de opinião, relacionados com a
actividade académica, social e associativa.
Sem comentários:
Enviar um comentário