terça-feira, 3 de março de 2015

Cabo Verde. TRIBUNAL DE CONTAS “FORA DO PRAZO”




Todos os membros do Tribunal de Contas de Cabo Verde estão fora de prazo. A começar pelo seu presidente, José Carlos Delgado, que cessou funções desde Julho do ano passado. Idem para o juiz José Pedro da Costa Delgado e para a juíza Sara Boal. O caso mais gritante é o do juiz conselheiro Horácio Dias Fernandes que há três anos está sem mandato. Mas apesar do estado anómalo em que vive uma das instituições mais importantes deste país – compete-lhe controlar e julgar as contas do Estado –, os magistrados permanecem nos seus postos, o que levanta dúvidas sobre a legalidade das suas decisões.

Colocado frente a este facto, o Procurador-Geral da República, Óscar Tavares, lembra que os princípios que regem a prestação de serviço público determinam que os juízes do Tribunal de Contas devem manter-se em funções até à tomada de posse dos novos designados, pelo que todas as decisões do TC são válidas. Só que juristas ouvidos por A Semana contrapõem dizendo que falta legitimidade democrática ao TC, daí defenderem a sua recomposição urgente, para que também tenha legitimidade moral para julgar os outros.

No momento em que há fumo branco quanto à composição dos órgãos externos ao Parlamento – Tribunal Constitucional, Comissão Nacional de Eleições, Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais (CNPDP) e Alta Autoridade da Comunicação Social (AACS) –, a situação do Tribunal de Contas destoa.

É que este órgão, uma das instituições mais importantes de Cabo Verde, tem todos os seus membros com mandato expirado. O presidente do TC, José Carlos Delgado, foi empossado a 20 de Maio de 2004 e reconduzido ao cargo a 29 de Junho de 2009 para mais um mandato de cinco anos. Mas cessou funções desde Junho de 2014, não foi reconduzido nem se tem notícia de nenhum despacho a prorrogar a sua estadia no TC.

O trio de Juízes Conselheiros que integra o TC está na mesma situação. José Pedro da Costa Delgado, investido no cargo a 20 de Maio de 2004, viu renovada a sua comissão de serviço a 29 de Junho de 2009. O seu mandato de cinco anos terminou desde o ano passado.

Sara Maria Boal tomou posse a 17 de Outubro de 2003, foi reinvestida a 2 de Fevereiro de 2009 para mais cinco anos de mandato, o que quer dizer que o seu mandato caducou há um ano.

O caso de Horácio Dias Fernandes é o mais gritante, há quem diga que, inclusive, já terá partido para a reforma, sem que seja nomeado o seu substituto. Tomou posse a 14 de Março de 2002 e foi reconduzido ao cargo a 16 de Julho de 2007. Ou seja, o seu mandato no TC expirou há cerca de três anos.

Legalidade em causa

Apesar disso, o Governo ainda não decidiu se vai renovar os mandatos dos “passados de prazo” ou indicar outros nomes para recompor o Tribunal de Contas. Entretanto, o TC continua a funcionar, o que levanta dúvidas sobre a sua legalidade. “Não existe um vazio de poder jurisdicional, mas há um problema de legitimidade, pois num Estado de Direito Democrático não deve haver cargos de duração indeterminada”, analisa Amadeu Oliveira.

Ademais, “todas as funções, sobretudo as de nomeação ou de eleição, possuem um mandato que é determinado por um período. Portanto, o que está em causa é a legitimidade democrática e não um caso de vazio de poder”, reitera o advogado.

O causídico explica que a lei prevê que o titular de qualquer cargo público deve manter-se nas suas funções até à posse dos seus substitutos, mas isso deve ser uma medida de carácter temporário. “A manutenção no cargo é transitória e não pode ser regra, pelo que ninguém devia ser mantido no posto por mais de um ano em regime transitório”, defende.

O jurista Agnelo Martins lembra, por seu lado, que o Princípio dos Titulares de Cargos Públicos dá poder ao TC. “O tribunal tem que julgar porque segundo o Princípio de Titulares de Cargos Públicos eles não podem abandonar o posto até serem nomeados os seus substitutos. Mas é preciso exigir aos órgãos competentes que designem novos juízes e presidente do TC, sob pena dos actuais continuarem lá por tempo indeterminado”.

Um ponto de vista com que concorda o actual Procurador-Geral da República, Óscar Tavares. “Independentemente do tempo decorrido desde o início de funções dos actuais juízes do Tribunal de Contas, todas as decisões tomadas no exercício das suas funções são válidas – porquanto as normas e os princípios que regem a prestação do serviço público, designadamente as que compõem o estatuto dos juízes do TC, suas remissões, bem como o princípio da continuidade da prestação de serviços públicos, determinam que os seus juízes se mantenham em funções até à tomada de posse de novos designados para os respectivos lugares”, remata Óscar Tavares.

A Semana (cv)

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