Raquel Almeida Correia –
Público
Instituição
criou grupo de trabalho para propor soluções que “neutralizem conflitos de
interesse” perante os investimentos de António Varela, nomeado pelo actual
Governo e visto como potencial sucessor de Carlos Costa.
A
declaração de rendimentos que António Varela, administrador do Banco de
Portugal (BdP) desde Setembro de 2014, entregou ao Tribunal Constitucional
revela uma extensa lista de investimentos, incluindo acções, obrigações e
fundos ligados a bancos. Como supervisor do sector financeiro, o banco central
rege-se por regras rígidas a este nível para garantir a imparcialidade dos seus
administradores. Perante este caso, a instituição liderada por Carlos Costa
criou um grupo de trabalho para estudar soluções que “neutralizem potenciais
conflitos de interesse”.
Na
declaração, que foi consultada pelo PÚBLICO, o gestor descreve os rendimentos
que obteve em 2013, bem como o património imobiliário e as viaturas de que é
proprietário. E, num anexo com a data de Setembro de 2014, elenca uma vasta
carteira de investimentos, que não encontra paralelo nos rendimentos declarados
pelos restantes membros do conselho de administração do BdP.
Mas
o que sobressai são as aplicações financeiras que António Varela, que tem uma
larga carreira no sector financeiro e foi indicado pela ministra das Finanças
para o cargo que actualmente exerce, possui em diferentes bancos. De acordo com
o documento, que como manda a lei chegou ao Palácio Ratton após a nomeação, o
gestor detém 1357 acções do Santander e uma acção do BCP, além de títulos de
outras cotadas portuguesas, como a Mota-Engil e a Portugal Telecom. E é ainda
dono “de metade”, como o próprio refere, de outras 506.261 acções do BCP, de
37.824 do suíço UBS, de 1253 do Santander Central Hispano, de 110 do Deutsche
Bank e de 25 acções preferenciais do Banif (com o valor nominal de 1000 euros).
O
portefólio de investimentos do administrador do Banco de Portugal abrange ainda
obrigações (dívida) de diferentes entidades, incluindo uma do Santander US, com
um valor de 100 mil euros, duas do BCP (avaliadas em 50 mil euros cada), uma do
BBVA no mesmo montante e ainda 50 do Banif (a 1000 euros cada). António Varela
também é detentor de obrigações de outras empresas, como a EDP ou a Telefónica,
tendo investido igualmente em dívida grega.
A
carteira declarada ao Tribunal Constitucional estende-se ainda a participações
em diversos fundos de investimento, alguns dos quais relacionados com a
evolução de títulos da banca, de divisas ou de dívidas soberanas. O gestor
declarou ainda duas contas discricionárias: uma junto do BCP, com um saldo de
quase 422 mil euros, e outra junto do UBS, com um saldo de 171 mil euros. E
ainda duas apólices da Açoreana, que atingem perto de 110 mil euros, bem como
depósitos a prazo e à ordem.
BdP
recomenda “gestão passiva”
Contactada pelo PÚBLICO, fonte oficial do BdP confirmou que “a carteira de investimentos que o Dr. António Varela tem neste momento é igual à que tinha quando entrou, com a excepção de uma carteira de obrigações que entretanto venceu” e que a instituição não especificou. Já sobre uma eventual incompatibilidade, por causa das funções de regulação do sector financeiro, diz ter criado um grupo de trabalho para propor soluções. A decisão foi tomada tendo em conta “a natureza da carteira de investimentos, o facto de ter sido constituída antes da assunção de funções, o parecer do consultor de ética do BdP, o trabalho em curso no quadro do Sistema Europeu de Bancos Centrais em matéria de ética e conduta e a revisão em curso do código de conduta do BdP, onde, nomeadamente, ficará definido o modus faciendiaplicável em tais situações”.
De
acordo com a mesma fonte, “o conselho de administração decidiu mandatar um
grupo de trabalho específico para estudar e propor soluções que neutralizem
potenciais conflitos de interesse emergentes da detenção, por colaboradores ou
por membros do conselho de administração, de carteiras constituídas antes da
assunção de funções”. E, em simultâneo, tomou a decisão de, “até à adopção de
soluções resultantes do trabalho deste grupo, solicitar de todos os visados a
adopção de uma postura de gestão passiva da carteira de investimento,
demonstrativa da observância do princípio da neutralização de qualquer conflito
de interesse que pudesse resultar de carteiras que ainda subsistam".
O
que dizem as regras
O banco central já tem actualmente um código de conduta que faz referência a este tipo de situações, embora não proíba claramente estas práticas, nem aborde directamente os casos de carteiras constituídas antes da nomeação. Nesse documento, disponível no site da instituição, lê-se que a actuação dos membros do conselho de administração deve “ser honesta, independente, transparente, isenta, discreta e não atender a interesses privados ou pessoais”, cabendo-lhes respeitar “os mais elevados padrões de ética” e evitar “situações susceptíveis de originar conflitos de interesses, não devendo, designadamente, participar em quaisquer operações económicas ou financeiras que possam prejudicar a sua independência ou imparcialidade”.
O
código diz claramente que os administradores “devem evitar qualquer situação
susceptível de originar conflitos de interesses, considerando-se, para este
efeito, que existe conflito de interesses sempre que os membros do conselho
tenham interesses privados ou pessoais que possam influenciar, ou aparentem
influenciar, o desempenho imparcial e objectivo das respectivas funções”. É
entendido como interesse privado “qualquer potencial vantagem para o próprio,
para os seus familiares e afins ou para o seu círculo de amigos e conhecidos”.
Outro
ponto do documento refere que “tendo em consideração o impacto das suas
decisões na evolução dos mercados e na estabilidade do sistema financeiro, os
membros do conselho devem estar sempre em posição de poderem actuar com plena
independência e imparcialidade”.
Há
também uma norma que estabelece que “as atribuições e actividades do BdP
implicam operações com instituições financeiras, bem como um conjunto variado
de outras relações negociais, que supõem igualmente a análise e preparação de
decisões que poderão influenciar a evolução dos mercados”. E, por outro lado,
“no âmbito da supervisão das instituições financeiras, os membros do conselho
[de administração] podem aceder a informação privilegiada sobre essas
instituições e sobre outras entidades com quem estas se relacionam e intervir
em processos de decisão que afectam as mesmas”.
É
por isso que o código prevê que, “tanto neste tipo de relacionamentos, como na
realização de quaisquer operações financeiras, os membros do conselho devem
actuar sempre em condições de plena independência e isenção, devendo, em particular,
abster-se da realização de operações financeiras de natureza especulativa
relacionadas com esse âmbito de intervenção”.
No
ponto seguinte, o documento vai mais longe, ao determinar que os
administradores “devem abster-se de efectuar operações de investimento
financeiro” em “acções e instrumentos derivados conexos relacionados com
instituições financeiras monetárias da União Europeia”, em “instrumentos de
outros organismos de investimento colectivo e instrumentos derivados
relativamente aos quais possam exercer influência na política de investimento”,
bem como em “instrumentos financeiros derivados baseados em índices sobre os
quais possam ter influência”.
O
código de conduta prevê ainda que, nestas situações, o membro do conselho
comunique “de imediato” ao consultor de ética do BdP “os investimentos
financeiros (…) de que seja titular”. E a este último cabe pronunciar-se sobre
“a compatibilidade da manutenção dos referidos investimentos com as funções
exercidas”. Na resposta ao PÚBLICO, o banco central indicava a existência deste
parecer, mas, apesar do pedido, não forneceu o documento.
Quanto
à “revisão em curso” deste código de conduta, que fonte oficial da instituição
também referiu, não foram dados mais detalhes sobre as alterações previstas. O
BdP tem também estatutos próprios, que definem o modo de funcionamento do
conselho de administração, por exemplo. No entanto, não abordam questões
relacionadas com este tipo de conflitos de interesse.
Investimentos
sem paralelo
A carteira declarada por António Varela sobressai face aos investimentos detidos pelos restantes membros do conselho de administração do BdP. O governador, Carlos Costa, que iniciou funções em 2010, elenca apenas um conjunto de planos poupança reforma (PPR) na declaração entregue ao Tribunal Constitucional há quase cinco anos e que não foi alvo de actualizações (obrigatórias quando há alterações substanciais nos rendimentos).
Pedro
Duarte Neves, vice-governador desde Setembro 2011, entregou recentemente uma
nova declaração em que refere possuir Certificados de Aforro. José Ramalho,
também vice-governador desde a mesma data, faz referência a depósitos a prazo,
um fundo de investimento, Certificados de Aforro, dois PPR, mas também
obrigações de dois bancos: Caixa Geral de Depósitos e Montepio. João Amaral
Tomaz, nomeado administrador igualmente em Setembro de 2011, declarou acções do
Sporting Clube de Portugal, dois PPR e Certificados de Aforro e do Tesouro. E,
por fim, Hélder Rosalino, que se tornou administrador na mesma altura do que António
Varela, detém igualmente dois PPR e participações num fundo de investimento.
António
Varela tem vindo a ser apontado como um dos potenciais sucessores de Carlos
Costa. Além do seu nome, também o do presidente da Caixa Geral de Depósitos,
José de Matos, tem vindo a ser apontado pela imprensa como um forte candidato
ao lugar. O próximo governador será nomeado através de uma resolução do
Conselho de Ministros por indicação do Ministério das Finanças.
Foi,
aliás, a própria ministra que escolheu os dois mais recentes administradores do
BdP em Setembro.
Maria Luís Albuquerque não escondeu a satisfação com a
nomeação de António Varela, que, pouco mais de um mês após a resolução do BES,
ficou com a sensível e importante pasta da supervisão prudencial. “A supervisão
não poderia ter melhor titular”, fez questão de afirmar a governante, na
cerimónia de tomada de posse
O
actual administrador do BdP, de 58 anos, tem uma longa carreira no sector
financeiro, tendo chegado a director-geral adjunto do BCP e trabalhado na área
da banca de investimento, no suíço UBS. Foi vogal do primeiro conselho
directivo da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, administrador
financeiro da Cimpor e, antes de chegar ao banco central, era o administrador
nomeado em representação do Estado no Banif.
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