Expresso
das Ilhas, editorial (cv)
No
dia Primeiro de Maio, as manifestações contra o desemprego, a injustiça e a
insegurança ficaram muito aquém do esperado. O Primeiro-Ministro, citando
analistas, diz que foi um fiasco. De facto, a iniciativa das duas centrais sindicais,
CCSL e UNTCS, em convocar os trabalhadores para uma marcha de protesto só
convenceu poucas centenas de pessoas na Praia e algumas dezenas em S. Vicente. Aqueles
que com o convite dirigido ao Mac #114 para se associar à movimentação pensaram
repetir as manifestações de 30 de Março ficaram defraudos. A perplexidade de
muitos perante o fracasso ficou bem expresso nas palavras de um participante
que na televisão pública perguntava:Onde está a juventude que mais sofre com o
desemprego? Onde estão os estudantes universitários?
Há
quem pense que em Cabo
Verde ainda não se verificam manifestações frontalmente
contra as políticas do governo. O que se passou no dia 1 de Maio parece
confirmar isso. Quando há protestos públicos são normalmente de natureza sindical
e limitados no seu escopo. A manifestação de 30 de Março, que tinha tonalidades
políticas claras, foi essencialmente dirigida contra o parlamento e os
deputados. Aliás, depois da entrevista do PM à rádio nacional no dia 31 de
Março a confirmar a sua participação no processo negocial da actualização dos
salários dos titulares de cargos políticos não mais houve outra manifestação
apesar de uma ou duas estarem previstas. Coincidências.
As
últimas sondagens do Afrobarómetro apontam para uma quebra na credibilidade das
instituições do país em particular das instituições políticas. Quem mais sofre
é o parlamento. Outrossim, o dado que mais chama a atenção é o nível de
aceitabilidade do governo mesmo no seu décimo quinto ano de mandato, quando o
país se debate com desemprego elevadíssimo, crescimento baixo, dívida publica
acima dos 110% e défices orçamentais excessivos. As pessoas, aparentemente, não
responsabilizam directamente o governo pelas dificuldades existentes, pela
falta de perspectiva futura e pela incapacidade de acção efectiva para colocar
o país num rumo diferente. Matérias como desemprego, insegurança, impostos
pesados, não devolução do IUR e custos excessivos de energia e água não causam
indignação a ponto de precipitar as pessoas para rua.
O
conformismo e a resignação prevalecente que inibe a indignação têm um outro
lado potencialmente corrosivo da democracia. Além de levar à descrença gradual
nas instituições torna as pessoas sensíveis a demagogia e a populismos de toda
a espécie. Estes, encontrando campo para se exprimirem, enfraquecem ainda mais
as instituições e tendem a alimentar derivas autoritárias de governação, em
particular as disfarçadas de paternalismo. Nos dois últimos acontecimentos, de
30 de Março e de 1 de Maio, nota-se a reacção dispare da sociedade e das
pessoas. Em Março a reacção é explosiva perante matérias vincadamente
populistas. No Dia dos Trabalhadores as pessoas primam pela ausência no
protesto contra matérias que as sondagens dão como sendo as principais
preocupações dos cabo-verdianos.
Quando
se ouve a Ministra das Finanças a passar aos gestores do IFH a culpa pelos
males actuais do Programa “Casa para todos” vê-se qual é a forma de proceder
deste governo e o que poderá estar na origem desta dualidade de reacção. Quando
as coisas estão bem auto-congratula-se e quando algo corre mal faz por não se
responsabilizar. No programa “Casa para Todos” negociou tudo e vendeu
apartamentos através de rendas resolúveis sem grande preocupação com a
viabilidade financeira de todo o empreendimento. Depois passou tudo ao IFH. Nos
entrementes fartou-se de inaugurar e entregar casas em espectáculos televisivos
especialmente montados para o efeito. Agora surgem problemas e a ministra acha
que o Tesouro não tem nada a ver com isso. A blindagem do Tesouro Nacional em
relação aos problemas financeiros que as empresas públicas como o IFH, os TACV,
a ELECTRA e a ENAPOR têm é mais outra blindagem que só pode existir na
imaginação da ministra. Quando a factura chegar será para todos.
Uma
das características fundamentais da democracia é a possibilidade de os cidadãos
responsabilizarem os governos pelos seus actos, pelas promessas feitas e pelos
resultados obtidos. A relação com o governo não pode ser um “jogo do gato e do
rato” para se evitar uma verdadeira prestação de contas e completa “accountability”.
Já se viu como esse exercício contribui para a descredibilização do parlamento
com as manobras que aí são feitas para se fugir ao contraditório e à
fiscalização efectiva da governação.
Para
a sociedade, gabinetes de imagem e de propaganda subordinados ao governo fazem
uso de recursos públicos substanciais para mostrar o governo e os governantes
na melhor luz. O choque da imagem projectada com a realidade diária das
dificuldades vividas tende a alienar as pessoas, a induzir passividade e
descrença e até a intimidar. Não estranha pois que protestos dirigidos contra o
governo sejam tão raros. Curiosamente a susceptibilidade a paixões populistas
tende a aumentar. Quem ganha com este estado de coisas?
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