Rui Peralta, Luanda (conclusão)
I - A informatização do comércio e serviços ao criar novas possibilidades de requalificação das tarefas relacionadas com o tratamento de informação e de comunicação com os clientes permitiu uma maior polivalência de funções, maior capacidade de decisão e novas situações, como o trabalho interactivo.
Por
outro lado persistem, inevitavelmente, tarefas parcelares de execução
repetitiva e desinteressante (como as listagens, introdução de dados e
codificações). Neste aspecto pode-se estabelecer um paralelo com a
automatização industrial, nomeadamente as tarefas de preparação da máquina automática
(como o alimento de peças) ou as de finalização (descarga de peças, por
exemplo).
As
tarefas de execução material, executadas por postos de trabalho esgotantes (física
e/ou psicologicamente) e monótonas sofrem, com novos processos tecnológicos,
alterações que melhoram a actividade desses postos (por exemplo: a substituição
das digitações por leituras ópticas). Assim postos de trabalho que executavam
tarefas de execução material passam a executar tarefas de vigilância e
controlo, ou de atendimento e apoio aos clientes.
No
entanto as condições de execução do trabalho implicam novo tipo de constrangimentos,
tal como acontece nas fábricas automatizadas. Este novo tipo de constrangimentos
são essencialmente refletidos no ambiente artificial (climatização do local de
trabalho e isolamento dos postos) nos horários por turnos e o reforço da
segurança das instalações (este ultimo ponto tem sofrido nos últimos tempos a
pressão de um dos "5 Big's": a industria da segurança, que tem
reforçado o seu posicionamento nos outros sectores de actividade, em particular
na sua relação com os outros 4 Big's - tecnologia, comunicação social,
sector da energia e o das industrias extractivas - e com os Estados.
Mas
é a procura de relações personalizadas com os clientes, proporcionada pela
facilitação e baixo custo da comunicação, que tem proporcionado alterações
significativas nos postos de trabalho (um exemplo disso são os “call centers”,
não mais do que centros de atendimento telefónico, apoiados por computadores) e
na criação de novas realidades de trabalho (o teletrabalho, por exemplo).
II - O
teletrabalho é um regime de trabalho a domicilio, ou num "tele-centro"
próximo do domicílio, com recurso ao computador e á ligação telefónica.
Constitui uma das muitas "novas realidades" possíveis criadas pelas
novas tecnologias, realidades caracterizadas por assinaláveis modificações das
práticas e relações sociais de trabalho.
Autonomia
no desempenho das tarefas, familiaridade no ambiente de trabalho (mesmo nos
casos - imensos e cada vez em maior numero - de formas individualistas de
trabalho existe uma rede de troca de dados ou de partilha de tarefas onde as
pessoas não se relacionam fisicamente, mas onde adquirem um elevado nível de
relacionamento e de familiaridade no tratamento. Acabou a veracidade do célebre
provérbio "parte-corações": longe da vista, longe do coração), ausência
das deslocações quotidianas casa-emprego, são algumas das principais vantagens
destes sistemas. Estas vantagens têm, no entanto, de estarem inseridas num
processo de transformação social, para que não se adicionem à lista das
desvantagens, por tornarem-se factores de precarização.
O
isolamento psico-sociológico do trabalhador, o "desenquadramento"
legal e contratual na sua relação com o empregador ou contratador de serviço e
a eventual dependência em que o trabalhador se encontra em relação às condições
técnicas que não domina, ou face aos intermediários que se instalam nestes
processos de subcontratação flexível de tarefas, são as principais desvantagens
destas "novas realidades". A estes factores negativos devem
adicionar-se problemáticas como o controlo de qualidade dos serviços, o cálculo
de produtividade e os sistemas e subsistemas de remuneração.
As
"novas realidades" são, assim, confrontadas com três tipos de
problemas: os novos problemas, gerados pelas dinâmicas destas práticas; os
problemas gerados com a correspondência com o todo social e os de ordem jurídica
e legal; os velhos problemas transportados para as "novas
realidades".
III - Automação
industrial, informatização dos serviços e do comércio apresentam características
comuns e paralelismos diversos que combinam-se e reforçam-se mutuamente. As consequências
geradas por estas dinâmicas são de diversa ordem e muitas vezes contraditórias.
As de maior impacto são as consequências sociais ao nível do emprego.
Durante
o processo de automação industrial os operários foram o grupo mais afectado. Os
assalariados do sector terciário pareciam beneficiar do processo de
modernização social. Nada mais ilusório! A intensificação da informatização
levou estes empregados á mesma situação dos operários: a pressão do desemprego
afectou-os num período em que o mundo parecia sorrir sô para eles...
Historicamente
este problema colocou-se sempre que um novo dispositivo tecnológico possuidor
de uma produtividade superior á da mão-de-obra e/ou do sistema técnico que até
esse momento era predominante. A máquina a vapor, o motor de explosão, a
electricidade, o automóvel, a agricultura mecanizada, etc. Hoje ocorre com os
processos de automação inteligente, a robotização, o computador. Sempre que a máquina
permite grandes saltos de produtividade, os trabalhadores temem pelos seus
empregos, pela depreciação das suas qualificações e contra o abaixamento dos
salários. Muitas vezes as máquinas foram (e são) sabotadas ou destruídas,
"acusadas" de gerarem desemprego, miséria e precarização do trabalho.
Onde
a produtividade do novo dispositivo tecnológico é superior à produtividade da
mão-de-obra o posto de trabalho é suprimido. Por outro lado as novas
tecnologias implicam novas exigências de mão-de-obra para a sua produção, instalação,
manutenção, reparação, operação e concepção. Qual o saldo apurado entre os
empregos perdidos e os criados? Manifestamente negativo, embora deva,
obviamente, ser quantificado. A própria questão anterior deve ser equacionada,
pois que as tendências futuras apontam para sistemas de auto-manutenção e autorreparação,
ou seja, supressão de postos de trabalho já gerados pela aplicação das
novas tecnologias.
Outras
questões existem e cujas respostas devem merecer uma análise cuidada: quais os níveis
de qualificação dos empregos perdidos e dos empregos criados? São os mesmos
trabalhadores capazes de passar dos anteriores para os novos postos de
trabalho? Será a renovação da mão-de-obra efectuada nos mesmos sectores e
localizações espaciais ou implicam migração, mobilidade e níveis cada vez
maiores de polivalência?
IV - Não
parece existirem dúvidas acerca da dos efeitos positivos da inovação tecnológica
na economia e na estrutura e funcionamento das organizações. As incertezas
residem nos efeitos sobre o emprego e o trabalho. A pressão ideológica, o
preconceito em torno do mito do trabalho, a cultura dominante no sistema
ocupacional, os hábitos de trabalho, a psicose do "sagrado-emprego",
são alguns dos obstáculos que tentam impedir uma análise séria e objectiva.
Mas
não é só o trabalho e o sistema ocupacional que é afectado. Também o são a
estrutura do capital, em particular os mecanismos de acumulação, circulação e
reprodução de capital. Assim como os mecanismos sociais como o da mobilidade
(vertical e horizontal) e o da reprodução de elites.
O
conjunto de todas estas alterações representa o quadro social e económico que
determina a implementação das novas tecnologias. Mas as alterações e
modificações implicam contradições entre as estruturas económicas, sociais e
politicas "industriais" e "pós-industriais" e estas
contradições são, em grande parte, responsáveis por questões que estão, por
exemplo, na base da volatilidade dos mercados ou da deslocação dos centros
financeiros mundiais.
Existe
ainda um outro efeito gerado pela implementação das novas tecnologias nos
processos produtivos, comerciais e financeiros: a necessidade de
"igualar" mercado nacional e mercado mundial. Os mercados nacionais
são realidades tridimensionais (capital-trabalho-mercadoria), enquanto o
mercado mundial é uma realidade bidimensional (exclui o processo trabalho da
globalização). Ora a pressão originada pelo aumento de produtividade, que os
sistemas "neo-tecno" introduzem, produz um efeito de
internacionalização (e aculturação) do processo-trabalho, o que implica
profundas alterações nos mecanismos de livre circulação de pessoas. Esta
contradição revela-se drástica para as economias periféricas e complexa para as
economias avançadas. Enquanto esta contradição não for resolvida a tragédia
humana da "emigração-da-miséria" será cada vez mais acentuada.
A
"destruição criadora" que a inovação tecnológica implica, as dinâmicas
de ruptura geradas em todo este processo, têm revelado o assumir da tecnologia
como uma nova esfera com a sua própria autonomia, cujo peso faz-se sentir cada
vez mais como um dos factores preponderantes na evolução da sociedade contemporânea.
O ponto nevrálgico de sustentação e legitimação dos novos sistemas reside,
pois, na gestão destas rupturas e nas possibilidades de gerar novos equilíbrios.
E isto só pode ser conseguido através da participação de todos os sectores da
esfera social e económica.
A
exclusão será o único elemento a excluir... (FIM)
Literatura
a consultar (e usufruir)
Aglieta, M. et Brender, A. Les métamorphoses de la societé salariale Ed.
Calmann-Lévy, Paris, 1984
De
Beer, A. (cord.) Le Travail au XXI siêcle: mutations de l'economie et de la
societé à l'etre des autoroutes de l'information Ed. Dunod, Paris, 1995
Castel,
R. Les metamorphoses de la question social: une chronique du salariat Ed.
IRESCO, 1995
Ettighoffer,
D. A empresa virtual ou os novos modelos de trabalho Inst. Piaget, Lisboa, 1999
Friedmann,
G. Problémes humains du machinisme industriel Ed. Gallimard, Paris, 1956
Gorz,
A. Metamorphoses du travail - Quête du sens: critique de la raison economique
Ed. Galilée, Paris, 1988
Nilles,
J. M. Managing telework: strategies for managing the virtual workforce, Ed. J.
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Pastré,
O. L'Informatisation et l'emploi Ed. Decouvert, Paris, 1984
Rifkin,
J. The decline of the global labor force and the down of the post-market era
Ed. Putnam, NY, 1995
Zarifian,
P. La nouvelle productivité, Ed. Harmattan, Paris, 1990
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