terça-feira, 12 de maio de 2015

EFEITOS DA INFORMATIZAÇÃO NA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO



Rui Peralta, Luanda (conclusão)

I - 
A informatização do comércio e serviços ao criar novas possibilidades de requalificação das tarefas relacionadas com o tratamento de informação e de comunicação com os clientes permitiu uma maior polivalência de funções, maior capacidade de decisão e novas situações, como o trabalho interactivo.

Por outro lado persistem, inevitavelmente, tarefas parcelares de execução repetitiva e desinteressante (como as listagens, introdução de dados e codificações). Neste aspecto pode-se estabelecer um paralelo com a automatização industrial, nomeadamente as tarefas de preparação da máquina automática (como o alimento de peças) ou as de finalização (descarga de peças, por exemplo).

As tarefas de execução material, executadas por postos de trabalho esgotantes (física e/ou psicologicamente) e monótonas sofrem, com novos processos tecnológicos, alterações que melhoram a actividade desses postos (por exemplo: a substituição das digitações por leituras ópticas). Assim postos de trabalho que executavam tarefas de execução material passam a executar tarefas de vigilância e controlo, ou de atendimento e apoio aos clientes.

No entanto as condições de execução do trabalho implicam novo tipo de constrangimentos, tal como acontece nas fábricas automatizadas. Este novo tipo de constrangimentos são essencialmente refletidos no ambiente artificial (climatização do local de trabalho e isolamento dos postos) nos horários por turnos e o reforço da segurança das instalações (este ultimo ponto tem sofrido nos últimos tempos a pressão de um dos "5 Big's": a industria da segurança, que tem reforçado o seu posicionamento nos outros sectores de actividade, em particular na sua relação com os outros 4 Big's  - tecnologia, comunicação social, sector da energia e o das industrias extractivas - e com os Estados.

Mas é a procura de relações personalizadas com os clientes, proporcionada pela facilitação e baixo custo da comunicação, que tem proporcionado alterações significativas nos postos de trabalho (um exemplo disso são os “call centers”, não mais do que centros de atendimento telefónico, apoiados por computadores) e na criação de novas realidades de trabalho (o teletrabalho, por exemplo).

II - O teletrabalho é um regime de trabalho a domicilio, ou num "tele-centro" próximo do domicílio, com recurso ao computador e á ligação telefónica. Constitui uma das muitas "novas realidades" possíveis criadas pelas novas tecnologias, realidades caracterizadas por assinaláveis modificações das práticas e relações sociais de trabalho.

Autonomia no desempenho das tarefas, familiaridade no ambiente de trabalho (mesmo nos casos - imensos e cada vez em maior numero - de formas individualistas de trabalho existe uma rede de troca de dados ou de partilha de tarefas onde as pessoas não se relacionam fisicamente, mas onde adquirem um elevado nível de relacionamento e de familiaridade no tratamento. Acabou a veracidade do célebre provérbio "parte-corações": longe da vista, longe do coração), ausência das deslocações quotidianas casa-emprego, são algumas das principais vantagens destes sistemas. Estas vantagens têm, no entanto, de estarem inseridas num processo de transformação social, para que não se adicionem à lista das desvantagens, por tornarem-se factores de precarização.

O isolamento psico-sociológico do trabalhador, o "desenquadramento" legal e contratual na sua relação com o empregador ou contratador de serviço e a eventual dependência em que o trabalhador se encontra em relação às condições técnicas que não domina, ou face aos intermediários que se instalam nestes processos de subcontratação flexível de tarefas, são as principais desvantagens destas "novas realidades". A estes factores negativos devem adicionar-se problemáticas como o controlo de qualidade dos serviços, o cálculo de produtividade e os sistemas e subsistemas de remuneração.

As "novas realidades" são, assim, confrontadas com três tipos de problemas: os novos problemas, gerados pelas dinâmicas destas práticas; os problemas gerados com a correspondência com o todo social e os de ordem jurídica e legal; os velhos problemas transportados para as "novas realidades".

III - Automação industrial, informatização dos serviços e do comércio apresentam características comuns e paralelismos diversos que combinam-se e reforçam-se mutuamente. As consequências geradas por estas dinâmicas são de diversa ordem e muitas vezes contraditórias. As de maior impacto são as consequências sociais ao nível do emprego.

Durante o processo de automação industrial os operários foram o grupo mais afectado. Os assalariados do sector terciário pareciam beneficiar do processo de modernização social. Nada mais ilusório! A intensificação da informatização levou estes empregados á mesma situação dos operários: a pressão do desemprego afectou-os num período em que o mundo parecia sorrir sô para eles...

Historicamente este problema colocou-se sempre que um novo dispositivo tecnológico possuidor de uma produtividade superior á da mão-de-obra e/ou do sistema técnico que até esse momento era predominante. A máquina a vapor, o motor de explosão, a electricidade, o automóvel, a agricultura mecanizada, etc. Hoje ocorre com os processos de automação inteligente, a robotização, o computador. Sempre que a máquina permite grandes saltos de produtividade, os trabalhadores temem pelos seus empregos, pela depreciação das suas qualificações e contra o abaixamento dos salários. Muitas vezes as máquinas foram (e são) sabotadas ou destruídas,  "acusadas" de gerarem desemprego, miséria e precarização do trabalho.

Onde a produtividade do novo dispositivo tecnológico é superior à produtividade da mão-de-obra o posto de trabalho é suprimido. Por outro lado as novas tecnologias implicam novas exigências de mão-de-obra para a sua produção, instalação, manutenção, reparação, operação e concepção. Qual o saldo apurado entre os empregos perdidos e os criados? Manifestamente negativo, embora deva, obviamente, ser quantificado. A própria questão anterior deve ser equacionada, pois que as tendências futuras apontam para sistemas de auto-manutenção e autorreparação, ou seja,  supressão de postos de trabalho já gerados pela aplicação das novas tecnologias.

Outras questões existem e cujas respostas devem merecer uma análise cuidada: quais os níveis de qualificação dos empregos perdidos e dos empregos criados? São os mesmos trabalhadores capazes de passar dos anteriores para os novos postos de trabalho? Será a renovação da mão-de-obra efectuada nos mesmos sectores e localizações espaciais ou implicam migração, mobilidade e níveis cada vez maiores de polivalência?

IV - Não parece existirem dúvidas acerca da dos efeitos positivos da inovação tecnológica na economia e na estrutura e funcionamento das organizações. As incertezas residem nos efeitos sobre o emprego e o trabalho. A pressão ideológica, o preconceito em torno do mito do trabalho, a cultura dominante no sistema ocupacional, os hábitos de trabalho, a psicose do "sagrado-emprego", são alguns dos obstáculos que tentam impedir uma análise séria e objectiva.

Mas não é só o trabalho e o sistema ocupacional que é afectado. Também o são a estrutura do capital, em particular os mecanismos de acumulação, circulação e reprodução de capital. Assim como os mecanismos sociais como o da mobilidade (vertical e horizontal) e o da reprodução de elites.

O conjunto de todas estas alterações representa o quadro social e económico que determina a implementação das novas tecnologias. Mas as alterações e modificações implicam contradições entre as estruturas económicas, sociais e politicas "industriais" e "pós-industriais" e estas contradições são, em grande parte, responsáveis por questões que estão, por exemplo, na base da volatilidade dos mercados ou da deslocação dos centros financeiros mundiais.

Existe ainda um outro efeito gerado pela implementação das novas tecnologias nos processos produtivos, comerciais e financeiros: a necessidade de "igualar" mercado nacional e mercado mundial. Os mercados nacionais são realidades tridimensionais (capital-trabalho-mercadoria), enquanto o mercado mundial é uma realidade bidimensional (exclui o processo trabalho da globalização). Ora a pressão originada pelo aumento de produtividade, que os sistemas "neo-tecno" introduzem, produz um efeito de internacionalização (e aculturação) do processo-trabalho, o que implica profundas alterações nos mecanismos de livre circulação de pessoas. Esta contradição revela-se drástica para as economias periféricas e complexa para as economias avançadas. Enquanto esta contradição não for resolvida a tragédia humana da "emigração-da-miséria" será cada vez mais acentuada.

A "destruição criadora" que a inovação tecnológica implica, as dinâmicas de ruptura geradas em todo este processo, têm revelado o assumir da tecnologia como uma nova esfera com a sua própria autonomia, cujo peso faz-se sentir cada vez mais como um dos factores preponderantes na evolução da sociedade contemporânea. O ponto nevrálgico de sustentação e legitimação dos novos sistemas reside, pois,  na gestão destas rupturas e nas possibilidades de gerar novos equilíbrios. E isto só pode ser conseguido através da participação de todos os sectores da esfera social e económica.

A exclusão será o único elemento a excluir... (FIM)

Literatura a consultar (e usufruir)
Aglieta, M. et Brender, A. Les métamorphoses de la societé salariale Ed. Calmann-Lévy, Paris, 1984
De Beer, A. (cord.) Le Travail au XXI siêcle: mutations de l'economie et de la societé à l'etre des autoroutes de l'information Ed. Dunod, Paris, 1995
Castel, R. Les metamorphoses de la question social: une chronique du salariat Ed. IRESCO, 1995
Ettighoffer, D. A empresa virtual ou os novos modelos de trabalho Inst. Piaget, Lisboa, 1999
Friedmann, G. Problémes humains du machinisme industriel Ed. Gallimard, Paris, 1956
Gorz, A. Metamorphoses du travail - Quête du sens: critique de la raison economique Ed. Galilée, Paris, 1988
Nilles, J. M. Managing telework: strategies for managing the virtual workforce, Ed. J. Wiley & Sons, NY, 1998
Pastré, O. L'Informatisation et l'emploi Ed. Decouvert, Paris, 1984
Rifkin, J. The decline of the global labor force and the down of the post-market era Ed. Putnam, NY, 1995
Zarifian, P. La nouvelle productivité, Ed. Harmattan, Paris, 1990

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