Obra
de Luandino Vieira e a repressão do Estado Novo à sua publicação serão evocadas
na Fundação Gulbenkian
A
distinção da obra Luuanda, de Luandino Vieira, e a “barbárie, que se
lhe seguiu”, há 50 anos, durante a ditadura, vão ser evocados este mês numa
sessão em Lisboa, anunciou ontem a Associação Portuguesa de Escritores
(APE).
Em
1965, a obra Luuanda, do autor Luandino Vieira, que se encontrava
preso no campo do Tarrafal, em
Cabo Verde , foi distinguida com o Grande Prémio de
Novelística da Sociedade Portuguesa de Escritores, o que desencadeou uma forte
repressão das autoridades políticas da época.
O
Governo, presidido por António de Oliveira Salazar, proibiu a obra e encerrou
definitivamente a sociedade, tendo sido presos quatro dos cinco elementos do
júri – os escritores Alexandre Pinho Torres, Augusto Abelaira, Fernanda Botelho
e Manuel da Fonseca. O único que não foi preso foi o crítico literário João
Gaspar Simões, que, “por estimáveis razões”, não votou na obra de Luandino
Vieira.
O
presidente da APE, José Manuel Mendes, ontem, em conferência de imprensa
conjunta com o editor da Editorial Caminho, Zeferino Coelho, afirmou que, após
ter sido conhecido que Luuanda, de Luandino Vieira tinha vencido,
“deu-se a actuação repressiva do regime, que teve contornos de barbárie que não
podem ser esquecidos”.
A
sede da Sociedade Portuguesa de Escritores, na rua da Escola Politécnica, em
Lisboa, foi “alvo de atentado que chegou ao ponto de quase nada se ter
conseguido salvar, nem atas, nem outros documentos, tudo foi vandalizado”.
“Os
acontecimentos foram brutais e marcaram de forma nítida aquilo que era o traço
da actuação repressiva do regime de Salazar com os escritores, os jornalistas e
a liberdade de expressão”, disse Mendes.
“O
que ocorreu teve contornos de barbárie, que não pode ser esquecida”, enfatizou
José Manuel Mendes.
O
ataque, no dia 21 de Maio de 1965, foi levado a cabo por “grupos ligados ao
regime, que não deixaram pedra sobre pedra”, rematou.
Celebrando
o cinquentenário do prémio, a obra terá uma edição especial, com uma tiragem de
500 exemplares, 100 deles assinados pelo autor, actualmente a viver em Vila Nova de Cerveira,
no Minho.
A
nova edição inclui uma introdução de José Manuel Mendes e um texto das
catedráticas Laura Padilha e Rita Chaves, “assinalando a importância do
aparecimento deste livro para as literaturas de Língua Portuguesa e angolana em
particular”, disse Zeferino Coelho.
“Pela
primeira vez, de forma muito consistente e sistemática, África e os africanos
surgiam na literatura, não como uma coisa exótica e exterior, mas como
sujeitos. As personagens principais são os negros dos musseques de Luanda”,
disse Zeferino Coelho.
A
edição conta ainda com fac-símiles de provas da 1.ª edição e dos textos
datilografados pela mulher de Luandino, e ainda um texto do catedrático da
Universidade do Porto Francisco Topa e o fac-símile da ata do júri, que escapou
do ataque.
No
Outono, a Caminho conta editar também Os papéis da prisão, de Luandino
Vieira.
Em
1965, o júri do prémio assinalou “o que [no livro] era invenção da linguagem, e
o surgimento de algo profundamente renovador no interior da própria literatura
e língua portuguesas”.
Para
José Manuel Mendes, “este foi um dos primeiros e formais actos claros
anticolonialistas na sociedade portuguesa”.
A
sessão evocativa dos 50 anos da destruição da Sociedade Portuguesa de
Escritores e da distinção do livro de Luandino Vieira realiza-se no próximo dia
26, na Fundação Calouste Gulbenkian, com a presença do escritor.
Na
sessão, entre outros, usarão da palavra a historiadora Irene Flunser Pimentel e
o escritor Manuel Alegre, que também estava preso no Tarrafal, quando Luandino
escrevia Luuanda.
Luandino
escreveu os três contos que compõem Luuanda, no Tarrafal, passando
papéis à sua mulher, Linda, que depois os datilografou, tendo as provas sido
revistas por um amigo.
A
sessão na Gulbenkian vai terminar com um recital do pianista Luís Pipa, que
interpretará peças de sua autoria e também de Edvard Grieg e Isaac Albeniz.
Lusa,
em Rede Angola
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