Mariana
Mortágua – Jornal de Notícias, opinião
O
país conhece bem Cavaco Silva. O homem que nunca se engana e raramente tem
dúvidas é, talvez, e embora tudo tenha feito para o negar, um dos maiores
responsáveis pelo trágico percurso da economia portuguesa. A ele se deve o
arranque do modelo de privatizações e desregulamentação do setor financeiro,
que veio a dar origem ao progressivo endividamento privado. A primeira parceria
público-privada, da Lusoponte, foi invenção de um seu ministro, depois
transformado em administrador da mesma. E isto sem falar do deslumbramento
europeu, pelo qual se entregou de mão beijada qualquer tentativa de política
industrial até aí existente.
Quem
foi estudante nos anos 90, lembrar-se-á da repressão ao movimento gerado pela
introdução da elitista PGA (Prova Geral de Acesso). Quem esteve na Ponte 25 de
Abril, em 1994, tem memória da violência da resposta aos protestos. Aos outros
que vieram mais tarde, como eu, e que não se deixaram levar pela imagem
hipócrita do "não político", fica a ideia de um homem mal habituado à
democracia, e por demais comprometido com conhecidos banksters (sim, falo do
BPN).
O
percurso político de Cavaco explica por que lhe é tão difícil aceitar a
democracia. Passos e Portas não seriam, idealmente, os seus interlocutores
preferidos, é certo, mas é da sobrevivência do projeto da direita que falamos.
O que interessa a este presidente da República não é a Constituição, ou a
estabilidade do país, é a continuação de uma governação que não ponha em causa
os interesses das elites que sempre protegeu e que sempre o protegeram; uma
governação que não ponha em causa a estratégia da austeridade como um
instrumento para eternização do seu sonho de direita: autoridade, compressão de
direitos laborais, campo aberto aos negócios.
Não
podia, por isso, haver pior fim para a longa carreira política do presidente da
República - cuja voz se levantou mais vezes para defender o Tratado Orçamental
do que a Constituição da República Portuguesa - do que ser ele próprio o mestre
de cerimónias do enterro da austeridade. Estou no entanto certa de que é isso
que fará. Não por convicção, mas por ausência de alternativas (constitucionais,
já agora).
Cavaco
sabe hoje, como sabia no início deste processo, qual será o desfecho do
impasse. A lista de exigências que fez a António Costa não passa de um airoso
recuo face ao inevitável. Será a última decisão de Cavaco, não sei se o maior,
mas certamente o mais longo engano da vida política portuguesa.
*Deputada
do BE
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