Rui Peralta, Luanda
Há um direito que parece estar esquecido para a cidadania: a Imaginação. Este
direito não assumido prende-se com muitos outros direitos já assumidos (mas nem
sempre cumpridos). Aliás, para ser mais objectivo, devo escrever que este
direito não assumido (a Imaginação) prende-se com todos os direitos assumidos,
cumpridos, não cumpridos, assim como com tudo o que diz respeito á Polis e á
Rés Pública.
Ao assumir-se como direito, a imaginação, ganha uma posição de cidadania e
obriga a repensar questões como a alfabetização e a leitura, por exemplo, ou
como o acesso do cidadão á cultura, ou quantos cidadãos visitam exposições de
artes plásticas, quantos conhecem galerias de arte, quantos se interessam (não
como consumidores, mas como espíritos criativos) pela inovação, novas
tecnologias, projectos alternativos energéticos, etc., etc., etc., pois tudo
isto é produto da imaginação.
Tem, também, a imaginação, a ver com questões como a construção de prisões.
Vejamos o exemplo dos USA onde esta indústria está em franco crescimento. Tal
como qualquer outra indústria esta necessita de planejar o seu desenvolvimento
e responder a questões como: quantas celas serão necessárias daqui por 10 anos?
Bom, o principal indicador utilizado para prever esse crescimento consiste em
saber quantos adolescentes não sabem ler. Nada mais fácil….Não que uma
sociedade alfabetizada não tenha índices de criminalidade, nada disso…Mas a
correlação entre índice de analfabetismo ou baixo índice de escolaridade e os
índices de criminalidade é, efectivamente, elevada e não deixa margem para
quaisquer dúvidas. Agora se todos os alfabetizados soubessem ler…
A leitura implica a alfabetização. Só lê quem é alfabetizado. Mas um dos
problemas da nossa sociedade (e que se agrava nos tempos actuais) é que nem
todos os alfabetizados sabem ler…E daí talvez que o índice que os construtores
de prisões utilizam para medir as celas que terão de construir daqui a 10 anos
estejam errados. É que não são apenas os analfabetos que têm de entrar nas suas
estatísticas prisionais. Também (para serem mais exactos e desperdiçarem menos
dinheiro) têm de analisar os dados referentes aos alfabetizados que não lêem,
ou seja, que não exercitam a imaginação.
Um dos exercícios para a imaginação que a leitura permite (logo só os
alfabetizados conseguem) é a ficção. E esta tem duas funções principais: 1) é
um poderoso alucinogénio, que nos transporta para outros mundos sem,
fisicamente, sairmos do nosso mundo e que nos cria o desejo de descobrir o que
está na página seguinte e na seguinte, na seguinte…Acaba por nos ensinar a
descobrir mundos (novos ou velhos), a pensar e repensar, a imaginar…E isso
implica que quando alfabetizamos, temos o dever de demonstrar a leitura como prazer,
de proporcionar às pessoas que alfabetizamos - ou às crianças em idade escolar
que estão a aprender a ler – o livro, o veiculo que permite o disfrutar da
leitura, o prazer do texto, o gosto de exercitar a imaginação. E proporcionar
livros, ou o acesso a livros, não é vigiar as leituras, ou promover leituras
determinadas, ou criar um índex de leituras proibidas, mas sim, proporcionar
tão-somente; 2) a empatia. A ficção constrói empatia, com a sua prosa baseada
em 26 letras e alguns sinais de pontuação que nos permite utilizar a
imaginação, criarmos mundos e povoá-los e – este “e” é essencial – permite-nos
olhar através dos olhos de outros. Sentimos, conhecemos, transformamos,
transformarmo-nos…
Para criar o gosto pela leitura, para proporcionar o AMOR pela leitura há que
ter a liberdade de e para ler e isso implica a liberdade de ter, criar e
comunicar ideias e, claro, a liberdade de e para comunicar, expressar e
informar. E isto tem muito a ver com a natureza da informação e da educação.
Ambas (informação e educação) têm valor e a sua qualidade tem um enorme, um
imenso, valor. Grande parte da História da Humanidade foi passada na escassez
da informação e da educação. Ter as duas era sempre importante. Plantar
sementes, encontrar coisas, fazer mapas, contar e/ou escrever histórias era
garantia de refeições e amizade e permitiam obter dinheiro. No século passado
ambas – informação e educação – passaram a ser menos escassas e no actual
século (XXI) a informação tornou-se excessiva e a educação (devido á sua
importância reconhecida por todos) tornou-se um grande negócio, gerido como se
fosse uma grande superfície. Criam-se, hoje, cerca de 5 exobytes de dados por
dia (em cada 48 horas – 2 dias – a humanidade cria tanta informação quanto
criou desde a civilização suméria até 2003). Com a educação passa-se algo
similar, ao ponto do proletariado actual ser, na sua maioria, composto por
quadros superiores, ou seja por licenciados, mestrados e doutorados.
A alfabetização adquiriu (devido á evolução da informação e da educação), neste
mundo actual em que controversamente vivemos, mais importância do que nunca,
porque transformou-se em algo mais do que aprender a ler, a juntar palavras (o
b-a, t-a, t-a da semelha), adquiriu qualidade, já não é apenas uma questão
quantitativa, urge que seja, também, qualitativa (e de padrão elevado). Este é
um mundo de mensagens e de correio electrónico, de redes sociais, um mundo de
informação escrita. É necessário ler e escrever para nos assumirmos como
cidadãos globais que possamos ler e escrever confortavelmente, compreender o
que estamos a ler e fazermo-nos entender.
Temos, ainda, a obrigação de utilizar a linguagem, de esforçarmo-nos, de
descobrir o sentido das palavras e os segredos da sua aplicação, para
comunicarmos de forma clara, para dizermos o que queremos dizer, para que nos
entendam. A linguagem é viva, dinâmica, é algo que flui, que empresta palavras,
que permite significados novos e alteração de significâncias. É,
fundamentalmente, IMAGINATIVA.
Todos nós, enquanto cidadãos, temos a obrigação de sonhar (e de sonhar
acordados, não apenas o direito de sonhar enquanto dormimos, que se prende com
o direito a dormirmos descansados), temos o direito de imaginar. É fácil fingir
que não podemos mudar nada, que vivemos numa sociedade em que como indivíduos
somos zero, em que o EU está submetido ao NÓS. É fácil brincar com o facto de
sermos um átomo num muro de vergonha, em qualquer parte do planeta, ou um grão
de arroz num imenso arrozal. É fácil fingir isso tudo e aceitar essa condição.
Mas a realidade, a verdade, é outra. Os indivíduos mudam o seu próprio mundo
(as vezes que entenderem), que são os indivíduos que constroem o seu futuro,
que o NÓS não é um somatório de EUS e que o EU sou EU que participo no NÓS de
forma livre e voluntária. E fazemos isto tudo porque…temos o Poder da
IMAGINAÇÃO! Imaginamos que as coisas possam ser diferentes e transformamos
porque imaginámos.
Basta olharmos á nossa volta para ver quão óbvio é este facto de a imaginação
criar. Alguém decidiu que era mais confortável estar sentado numa cadeira do
que no chão e imaginou a cadeira. Só depois a criou. E isto passa-se com tudo e
em tudo o que foi criado pelos homens e mulheres que compõem a Humanidade. E foi
assim que a Humanidade criou a Beleza e a sua relatividade. Temos de assumir o
direito de imaginar para assumirmos a plenitude da criação e da transformação.
E temos de assumir o direito de IMAGINAR para termos a obrigação consciente de
pôr o mundo mais belo do que é, para não esvaziar oceanos, não deixar os nossos
problemas para as gerações vindouras, para limpar o que sujamos e arrumar o que
desarrumamos e não deixarmos as nossas crianças entregues a um mundo acéfalo.
IMAGINEM só: deixar ás nossas crianças um mundo que elas possam ler,
compreender e imaginar…
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