Em Lisboa, ativistas afirmam que
o atual momento político em Angola é propício para falar sobre Cabinda com o
Governo. Mas que ainda é preciso "vontade política" por parte das
autoridades.
As mudanças em curso em Angola,
que visam a reforma do Estado, são uma "oportunidade de ouro" para se
encontrar uma solução aceitável que permita definir o futuro político do
enclave de Cabinda. A proposta é lançada pelo deputado independente Raul Tati,
que participou esta quinta-feira (20.08), em Lisboa, num debate sobre o futuro
do enclave.
Mudou-se o rosto, mas o dossier
sobre o futuro do enclave continua nas mãos do Movimento Popular de Libertação
de Angola (MPLA), o partido no poder. "É preciso encontrar uma solução
para o conflito de Cabinda", afirma o deputado Raul Tati. O professor da
Universidade Católica de Angola desafia os cabindas a não repetir o que
aconteceu nos últimos 43 anos de governação de José Eduardo dos Santos.
"Nós não podemos ficar de
mãos cruzadas, na expetativa que o Governo resolva [o problema de Cabinda].
Temos de continuar a luta. Temos de continuar a criar e a provocar o Governo,
neste momento liderado pelo Presidente João Lourenço, para que olhe para o
problema de Cabinda", afirmou Tati.
Ambiente propício
Recentemente, o novo Governo de
Angola, liderado por João Lourenço, admitiu a grave situação de instabilidade
que se vive no enclave, situado entre os dois Congos. O deputado independente
considera que a atual conjuntura de reformas do aparelho do Estado constitui
uma oportunidade ímpar para que seja definido o futuro do território. E
considera que "o ambiente político é propício" e que "também as
perspetivas são animadoras".
Mas o académico acrescenta que
"o Presidente ainda não deu nenhum sinal positivo que nos possa
entusiasmar em relação a uma vontade política de ir ao encontro dos cabindas
para resolver esse problema. Ainda não temos isso, pelo menos do ponto de vista
oficial".
O deputado independente, apoiado
pela bancada parlamentar do maior partido da oposição angolana, a União
Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), afirma que as eleições
autárquicas em si não devem resolver a questão de Cabinda.
Ele explica que "uma coisa
são as reivindicações autonómicas que sempre tiveram lugar em Cabinda e outra
coisa é a questão das autarquias que se forem bem orientadas – por exemplo
estamos a pensar criar em Cabinda uma autarquia supramunicipal tal como está na
Constituição – podia talvez dar uma luz para aquilo que nós pretendemos, dentro
daquilo que se pode esperar em termos de soluções graduais para o nosso
problema".
Para o jornalista e ativista
angolano Sedrick de Carvalho, autor do livro "Cabinda
– Um território em Disputa", este também é um momento favorável para a
autonomia, se houver um diálogo aberto.
De acordo com o ativista,
"há movimentos nesse sentido para que haja o diálogo aberto".
"João Lourenço não tem como fugir a esse debate. Então, acredito que vai
ser obrigado a dialogar e, sobretudo, a dialogar com quem faz uma luta pacífica
pela independência ou autonomia de Cabinda", avaliou Sedrick de Carvalho.
"Direito do povo de
Cabinda"
O Governo de João Lourenço deve
estar predisposto a negociar com justiça. Este é o que deseja o povo de
Cabinda, segundo José Marcos Mavungo, ativista dos Direitos Humanos. "No
fundo, a grande questão é que o povo de Cabinda tem o direito à
autodeterminação. É um direito natural que nem Angola tem direito de negar, nem
o próprio povo de Cabinda deve negar isto. Temos vindo a lutar [no sentido de]
criar as condições para que haja um diálogo transparente e inclusivo",
disse.
Mavungo respeita as opiniões de
vários quadrantes sobre autonomia ou independência. O que importa, sublinha, é
que o Presidente João Lourenço tenha coragem política para definir o rumo deste
processo político, sob pena de poder transformar-se num problema fatal para
Angola.
"E nós achamos que Angola
não podia apenas ter um novo presidente, mas tinha que ter-se a vontade de
rever a governação destes últimos 43 anos, examinar os erros que foram
cometidos e tirar lições para se dar um novo passo, não só em termos de governação
mas até em relação à própria lei".
Sedrick de Carvalho, José Marcos
Mavungo, Raul Tati e o advogado e ativista Arão Bula Tempo, que participou via
teleconferência, foram oradores num debate sobre o futuro de Cabinda. A
mesa-redonda, com o objetivo de promover a reflexão também ao nível académico,
é uma iniciativa conjunta da Plataforma de Reflexão Angola e do Núcleo de
Estudantes Africanos (NEA) do Instituto Universitário de Lisboa.
João Carlos (Lisboa) | Deutsche
Welle
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