sábado, 26 de janeiro de 2019

Portugal | O elefante partiu a loiça toda


Já ninguém pode fingir que não vê o que se passa na CGD

Rosália Amorim | Diário de Notícias | opinião

Há muito que havia um elefante na loja de loiça e que ninguém queria ver. Agora o elefante partiu a loiça toda e não há como não ver ou ouvir o ruído ensurdecedor.

A Caixa Geral de Depósitos perdeu 1200 milhões em empréstimos de risco. Uma barbaridade. A auditoria da EY colocou o dedo na ferida ao revelar que o banco deu dinheiro a quem não cumpria as regras de risco e que as várias administrações da instituição pública fingiram ser surdas e mudas entre 2000 e 2015.

Foram 46 os grandes empréstimos desastrosos, como o do La Seda e os dos empresários Joe Berardo e Manuel Fino. As administrações da CGD ignoraram pareceres de análise de risco e concederam créditos sem terem garantias suficientes de que iriam recuperar o dinheiro.

Entre os créditos que geraram imparidades (perdas assumidas com os empréstimos concedidos) no valor de 1,2 mil milhões de euros está o financiamento da Artland (La Seda) para a construção de uma fábrica de químicos em Sines - que causou o maior buraco. Do total do crédito de 350,8 milhões de euros, perderam-se 211 milhões!

Além dos empréstimos mal concedidos, a CGD também fez vários investimentos ruinosos

A loiça partida deixa muitos cacos em todos os governos que passaram pela cadeira do poder durante uma década e meia e afeta partidos de várias cores. Apesar do pior período de gestão da CGD ter acontecido a partir de 2007, antes, também em executivos do PS e do PSD, há muito a registar no "livro dos fiados".

Este caso de polícia indigna todos os contribuintes, afinal trata-se de um banco público. Que exemplo dá o Estado e o próprio banco quando permitem que alguns portugueses não paguem as suas dívidas? Ou será que está a enfatizar que só as classes média e média baixa têm de pagar os seus empréstimos, e se não cumprirem ficam sem casa e vão viver para debaixo da ponte? O que se passa com a CGD é um tema de equidade e justiça social grave.

Falando em justiça, porque não são os administradores dos bancos, como este, responsabilizados, nem os ministros das Finanças, nem os governadores do Banco de Portugal que por ali passaram nestes 15 anos? E no caso dos devedores, se há alegada prática continuada de crime ou alegado roubo, porque não são penalizados ou presos, como aconteceu com Madoff nos Estados Unidos? Ou porque não pagam os devedores as dívidas (ou pelo menos uma parte) usando o muito património que ainda têm, desde coleções de arte até prédios, moradias e escritórios?

Os portugueses estão indignados e têm todas as razões para estar. E os players que defendem o statu quo instalado que não venham dizer que debater este tema é populismo. Não é! Este é um assunto que diz respeito a todos os contribuintes. Até porque de uma coisa podem ter a certeza: o dinheiro que a CGD vai deixar de receber é dinheiro que vamos ter de pagar, de algum modo, mais cedo do que tarde.

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