terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Portugal | Porque não se resgatam os milhões da corrupção?


Cabe à Justiça portuguesa recuperar todos os ativos que nos foram extorquidos pela corrupção. Só recuperando estes activos se recupera também a própria Democracia.

Paulo de Morais | Público | opinião

A corrupção e o tráfico de influências, que dominam a política nacional, têm consumido parte considerável dos recursos dos contribuintes. Mas chegou o momento de dizer basta e a hora de os corruptos devolverem à sociedade aquilo que desviaram, de forma ilegítima e ímpia. Recuperemos pois os bens que a todos pertencem. A Lei de Recuperação de Ativos não só o permite, como a tal obriga. E há mesmo um organismo dedicado a este fim. Já só falta vontade política e coragem para agir.

A corrupção na política é já uma característica do regime, banalizou-se. Os casos multiplicam-se e são às dezenas: corrupção nas verbas do Fundo Social Europeu envolvendo a UGT ou o Grupo Amorim, o caso Emaudio, a corrupção na Expo 98, no Euro 2004, na compra de submarinos; mas também enorme corrupção nas ruinosas parceiras público-privadas de Sócrates ou nas privatizações de Passos Coelho; e a corrupção na banca, do BPN ao BES, passando pelo Banif, pelo BPP ou pela Caixa Geral de Depósitos. Este flagelo, que é já parte integrante da própria atividade política, mina o regime por dentro. A lista de políticos traficantes de influências é interminável e insensível a cores políticas; são centenas de políticos a trabalhar, juntos, para o nosso mal comum.

A corrupção generalizada não só destrói a confiança na sociedade como depaupera as finanças públicas, apropria a própria economia, conquanto esta corrupção é muito, muito cara. Apenas um só dos casos elencado, o BPN, terá custado aos cofres do Estado cerca de 7000 milhões; a que se juntam mais 5000 milhões para a Caixa, mais de 2000 milhões para o Banif, milhares de milhões para as parcerias público-privadas; e assim sucessivamente, são centenas de milhares de milhões derretidos na corrupção. Todos os anos, os Orçamentos do Estado drenam milhares de milhões para pagar as consequências destes crimes. Só em 2019, o Orçamento prevê 1700 milhões de euros para pagar prejuízos na banca, a que se juntam 5200 milhões para participações em empresas destruídas pela incompetência e pela corrupção. Assim tem sido também nos últimos anos.

É a hora de alterar o paradigma: o Estado tem de deixar de financiar a corrupção e tem de, finalmente, recuperar o que é devido à comunidade. Como os prevaricadores, em cada caso, estão perfeitamente identificados e são, sem exceção, multimilionários, o dinheiro está à mercê das autoridades. Por um lado, porque a legislação sobre recuperação de ativos permite “o congelamento e a perda dos instrumentos e produtos do crime”; e, por outro, porque existe um Gabinete de Recuperação de Ativos, a funcionar no âmbito da Judiciária, justamente com essa competência.

Assim, na sequência da mega fraude do BPN, deveriam ser confiscadas as fortunas de que Oliveira e Costa ou Arlindo de Carvalho são detentores, em Portugal e no Luxemburgo. Já no âmbito do processo que levou à resolução do BES, há que confiscar todos os bens de Ricardo Salgado e associados. Assim como o património da família de Eduardo dos Santos, pois este foi adquirido com empréstimos do BES em Portugal e do BES (Angola), concedidos sem garantias pessoais. Ainda neste contexto, urge acionar a garantia soberana irrevogável que o Estado angolano emitiu em 2013, como contrapartida destes empréstimos, no valor de 5700 milhões de dólares. Também os empréstimos perdulários que a Caixa Geral de Depósitos concedeu devem ser alvo de uma operação que leve ao ressarcimento do erário público. Todos os que usufruíram de empréstimos fraudulentos – como Berardo e outros – sem terem apresentado garantias adequadas devem, ainda assim, restituir tudo, até ao último cêntimo. Não pela via das garantias, pois essas são insuficientes. Mas devem pagar, na sequência de processos judiciais que provem que os empréstimos foram fraudulentos. Compete, pois, ao Estado promover “o congelamento e a perda dos instrumentos e produtos do crime”, confiscando bens aos comprovados criminosos. É, aliás, assim que funciona a Justiça na Europa; ou até no Brasil, onde numa só operação, a Lava-Jato, o erário público recuperou, até hoje, mais de 3500 milhões de euros.

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