quarta-feira, 7 de junho de 2023

Portugal | UMA LIÇÃO PRÁTICA DE SEMIOTICA

Eunice Lourenço, editora de política | Expresso (curto)

Bom dia

Começo por lhe fazer um convite para hoje: Às 14h00, Junte-se à Conversa comigo e com a Vera Arreigoso e moderação do David Dinis. Desta vez sobre se “O Governo dá conta do SNS?”. Inscreva-se aqui.

A semiótica era uma daquelas disciplinas que, na faculdade, parecia que não me iam servir para grande coisa, mas provavelmente aquela de que mais lembro no dia-a-dia. E ontem foi um dia de semiótica, de uma, ou mesmo duas, grandes lições práticas dessa disciplina que estuda os uso do que é dito, mas também do não dito na comunicação e os seus significados.

A primeira do dia foi a audição de Pedro Nuno Santos, na comissão parlamentar de Economia. Depois de seis meses de silencio público, o ex-ministro das Infraestruturas chegou ao Parlamento notoriamente desejoso de falar. Nas palavras conteve-se, gerindo com pinças as referências ao primeiro-ministro para não alimentar guerras com o primeiro-ministro, mas ainda assim deixou clara a sua posição sobre assuntos em que continuam sem concordar: a (não) divulgação do plano de reestruturação da TAP e a escolha da localização do novo aeroporto. Foi uma espécie de aterragem suave, como lhe chama o Paulo Baldaia, em vez da descida mais brusca que seria um regresso direto para a comissão parlamentar de inquérito (CPI).

A grande lição prática de semiótica foi de António Mendonça Mendes, ouvido à tarde na comissão de Assuntos Constitucionais, devido à intervenção do SIS no Caso Galamba para a recuperação do computador levado por Frederico Pinheiro do Ministério das Infraestruturas. Nunca respondeu diretamente à pergunta “sugeriu ou não ao ministro que comunicasse ao serviço de informações?” e deu uma lição prática de semiótica em que o não dito vale tanto ou mais do que o dito. Ao nunca confirmar explicitamente a versão do colega de governo, desmente-a, não desmentindo. “Não confirmo, nem desminto” será das frases mais odiadas pelos jornalistas e poderia ser um bom resumo desta audição. Mas quantas vezes tentamos perceber mais alguma coisa pelo tom com que é dito, pelo riso ou não na voz, pelo olhar ou pelo fim abrupto ou não da conversa.

Mendonça Mendes manifestou algum apoio a Galamba, dizendo em que caso de dúvida também reportaria ao SIS; mas também deixou críticas mais ou menos veladas, a começar logo na sua intervenção inicial em que condenou a "banalização da revelação de contactos entre membros do Governo". Ora, ninguém cometeu maior banalização do que João Galamba, o ministro que na noite de dia 26 de abril e nos dias seguintes foi um helicóptero a espalhar problemas

Galamba no momento mais atrapalhado da sua audição – em que até pediu um intervalo para ir fumar – tinha implicado Mendonça Mendes: a uma pergunta do liberal Bernardo Blanco, respondeu que tinha sido o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro e sugerir-lhe o contacto com o SIS. Mas, também acrescentou, que não foi devido a essa sugestão que o contacto foi feito, pois a sua chefe de gabinete já tinha tomado a iniciativa. Foi nessa iniciativa que Mendonça Mendes baseou parte das suas repostas. “Não, o reporte aos serviços de informação da República, ao Sistema de Informações da República não decorreu nem de nenhuma sugestão, nem de nenhuma orientação, nem de nenhuma indicação da minha parte, nem da parte de nenhum membro do Governo. E era assim que tinha de ser”, disse. Ou seja, não respondeu se deu ou não sugestão, garantiu que não foi por sugestão sua que o SIS agiu. E, frisou, “um reporte não significa pedir para agir”. Ou seja, a haver algum problema é de quem agiu (o SIS) e não de quem comunicou o facto que levou à ação.

A audição do Adjunto não acabou com o caso, a oposição insiste com o regresso de Galamba ao Parlamento e com a sua demissão. O caso, contudo, está claramente em perda no debate político, mas o ministro também está cada vez mais fragilizado. Até quando se vai arrastar e continuar a pesar num Governo? Pelo menos até às conclusões da comissão de inquérito, das quais António Costa prometeu tirar consequências.

O dia – uma maratona de quase 13 horas – ainda teve mais uma audição: a de João Leão, ex-ministro das Finanças, que foi à comissão de inquérito dar apoio a Medina, Galamba e até a Pedro Nuno Santos. António, João e Pedro, os socialistas com nomes de santos populares que dominaram o dia no Parlamento não conseguiram, contudo, fazer milagres: ficaram dúvidas e pedidos de demissão.

Para quem quer seguir os próximos capítulos da CPI, aqui fica o calendário:

Hoje, às 14h – António Pires de Lima, ex-ministro da Economia

Dia14, às 17h – Hugo Mendes, ex-secretário de Estado das Infraestruturas

Dia 15, às 14h – Pedro Nuno Santos, ex-ministro das Infraestruturas

Dia 16, às 10h – Fernando Medina, ministro das Finanças

Outras notícias

- Previsões. Tem sido assim nos últimos meses: enquanto o Parlamento está concentrado em audições e contradições sobre a TAP e o computador de Frederico Pinheiro, lá vem mais uma boa notícia para a economia. Agora é a OCDE que até fica mais otimista do que o Governo.

- Tutela. A pressão sobre a banca para subir os juros dos depósitos a prazo vai sendo feita com declarações do Presidente e das Finanças, mas não chega ainda ao ponto da intervenção no banco do Estado: o Governo não vai dar orientações diretas à Caixa Geral de Depósitos.

- Aviso. Depois de ter deixado 30 pessoas desalojadas na Madeira, a depressão Óscar vem a caminho do continente, onde 11 distritos estão em aviso amarelo, pronta a estragar um fim-de-semana alargado e de Primavera Sound.

- Guerra. Há 42 mil pessoas em risco devido à destruição da Barragem de Nova Kakhovka, sobre a qual Rússia e Ucrânia trocam acusações na ONU. Continue a seguir os desenvolvimentos da Guerra na Ucrânia aqui. E aqui, o Martim Silva e a Lívia Franco conversam sobre a contraofensiva.

A frase

“A História não se escolhe, assume-se e respeita-se, explica-se e estuda-se."

António Costa, em Luanda

O que ando a ler

Gosto sempre de ler o fim dos livros quando os começo a ler, mesmo que sejam daqueles que sei o fim da história, como o que ando a ler por estes dias. É a história de “Filipe I de Portugal, o Rei Maldito”, num romance histórico de Isabel Stilwell. Mas é também a história da Catarina de Bragança, pretendente ao trono, avó daquele que viria a recuperar a independência de Portugal, D. João IV. Mas é também uma história que cruza com as de outras mulheres poderosas e inteligentes do século XVI, como Ana de Mendonza, princesa de Éboli, e Isabel Clara Eugénia, a filha mais velha de Filipe. E uma história em que se lembra de forma constante uma das minhas ‘fixações’ históricas: a imperatriz Isabel de Portugal, casada com Carlos V e mãe de Filipe. E, como geralmente, um livro leva a outro, também já sei onde este me vai levar: a “Filipe I, o rei que uniu Portugal e Espanha”, uma biografia escrita por Henry Kamen.

Podcasts a não perder

Ficam as sugestões da nossa equipa de Podcasts

O descontentamento cresce, mas a extrema-direita parece ser quem mais ganha com isso. Não vivemos o tempo das grandes manifestações contra a troika e o Bloco de Esquerda continua a ter dificuldade na sua implantação social. É neste contexto que Mariana Mortágua sucede a Catarina Martins, a primeira vez que uma mulher substitui outra mulher na liderança de um partido, em Portugal. E pouco usual no mundo. É com ela que Daniel Oliveira conversa no Perguntar Não Ofende desta semana. Ouça a entrevista em podcast.

À beira da semana em que Pedro Nuno Santos vai finalmente quebrar o seu silêncio e Mendonça Mendes é forçado a ir ao Parlamento, o PS cerrou fileiras para dizer à oposição e ao Presidente “deixem-nos governar”, fazendo lembrar o “deixe-me trabalhar” de Cavaco Silva. Na Comissão Política desta semana, debate-se o “momento Cavaco” de António Costa e a relação entre primeiro-ministro e Presidente, que celebram nos próximos dias o Dia de Portugal na África do Sul.


Com a Má Língua no beat, a brincadeira não tem hora limite. Júlia Pinheiro confessa que conhece um ator porno. Rui Zink não se fica atrás e revela que tem certificados de aforro para dar e vender. Manuel Serrão enverga as suas melhores crocs. Rita Blanco está a esvaziar os pneus dos carros da cidade. Ouça o episódio desta semana, onde há romance, falsete e contas-poupança.

O Curto fica por aqui, mas lembro que nos podemos encontrar às 14h. Tenha um bom dia, cuidado com o vento e prepare-se para a chuva. E esteja sempre informado com o seu Expresso

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