Folha
8, 05 dezembro 2014
5
de Junho passado, o director nacional do Património do Estado, Sílvio Franco
Burity, requereu com sucesso ao governador provincial do Kwanza-Sul, general
Eusébio de Brito Teixeira, a legalização de 8 974 hectares para
os seus projectos privados de agro-pecuária.
O
terreno em causa está situado na comuna de Quimbalanga Haco, no município do
Mussende, e divide-se em duas áreas contíguas. Na primeira, de 4 751 hectares ,
Sílvio Franco Burity apresentou o requerimento na qualidade de representante
da empresa privada Grano Gado Lda.
O
governante detém formalmente metade das acções da Grano Gado, enquanto o seu
sócio e administrador da empresa, Manuel dos Santos da Silva Ferreira, detém
a outra metade.
Indiferentes
à legislação em vigor, quer pela impunidade quer pela arrogância, os
dirigentes angolanos continuam a usar o princípio constitucional de que a
terra pertence ao Estado, assim se apoderando dela para fins privados.
Do
ponto de vista legal, a negociata entre Sílvio Franco Burity e o general Eusébio
de Brito Teixeira viola a Lei da Probidade.
Compete
à Direcção Nacional do Património do Estado, um órgão executivo do Ministério
das Finanças, a inventariação, o controlo e a orientação, entre outros, dos
órgãos da administração local, incluindo os afectos aos da província do
Kwanza-Sul.
A
Lei da Probidade estabelece que “a actuação do agente público deve ser
orientada para o interesse comum, à margem de qualquer outro facto que exprima
ou favoreça posições pessoais, familiares, corporativas ou quaisquer outras
que colidam com o interesse público”.
Por
outro lado, a mesma lei define como acto conducente ao enriquecimento ilícito
a aceitação de emprego ou consultoria para terceiros, no caso de estes poderem
beneficiar da acção ou omissão “decorrente das atribuições do agente público,
durante a actividade”. A Grano Gado tem um sócio-gerente, que poderia
perfeitamente ter apresentado o requerimento, mas Sílvio Franco Burity
assumiu-se como o verdadeiro gerente da empresa e usou a sua condição de
servidor público para agilizar a legalização dos terrenos.
De
forma astuta, o sócio do director nacional do Património do Estado, Manuel dos
Santos da Silva Ferreira, também requereu, no mesmo dia, a 5 de Junho, mais 2 913 hectares de
terra, a sul do terreno solicitado por Sílvio Franco Burity, em nome da Grano
Gado. A norte, o terreno requerido pelo referido sócio confina com o terreno
pessoal do director nacional. Ou seja, a dupla ocupou um terreno contíguo com 11 887 hectares .
Com
o referido esquema, os sócios cometem o que o jurista Rui Verde descreve como
“uma fraude à lei que proíbe a concessão de direitos fundiários superiores a 10 000 hectares sem
aprovação do Conselho de Ministros”. Com a Constituição de 2010, cabe
exclusivamente ao presidente da República aprovar uma concessão superior a 10 000 hectares .
Como
pode Sílvio Franco Burity exigir, no exercício das suas funções, a prestação
de contas sobre o património do Estado sob tutela do general Eusébio de Brito
Teixeira, se este lhe faz o “favor” de lhe conceder terras em tempo recorde?
Não
é estranho o facto de o governador do Kwanza-Sul ter abocanhado, em menos de
dois anos, mais de 300
quilómetros quadrados de terra, na província sob seu
domínio, ou seja, uma extensão territorial equivalente a 34 cidades do Kilamba?
No mesmo período, e apenas para a família presidencial, o governador legalizou perto
de 350 quilómetros
quadrados de terra, como se em breve se explicará. É o princípio corrompido da
máxima segundo a qual “uma mão lava a outra”.
O
jurista Manuel Neto entende que as leis angolanas “servem mais para mostrar ao
Ocidente que temos um estado de direito democrático com leis modernas”.
Maka
Angola contactou o gabinete do director nacional do Património do Estado,
Sílvio Franco Burity, para conhecer a sua reacção formal, mas ainda não obteve
resposta.
GANÂNCIA
DESMEDIDA
Um
especialista em agronomia contactado por Maka Angola critica grandes
concentrações de terra na mão de apenas alguns indivíduos. De acordo com o
interlocutor, que prefere o anonimato, tais extensões de terra não são
aproveitadas devidamente. “Este é um mal que vem do tempo colonial, quando
apenas se cultivava dez por cento da área cedida, em média. Agora é menos
de um por cento”, afirma.
Para
o especialista, ”o único impacto positivo é a criação de emprego, embora
muitos paguem mal e tratem os trabalhadores pior do que no tempo colonial”.
Membros
da comunidade local ouvidos por Maka Angola discordam da teoria da criação de
empregos. Denunciam, ao invés, a expropriação de terrenos comunitários que
sempre foram usados para a agricultura de subsistência. Os terrenos são
atravessados pelo Rio Gango e pelos riachos Quimbangala e Gazela.
Já
em Kanguandja, na comuna do Quicombo, município do Sumbe, a fazenda de Sílvio
Franco Burity, com extensão superior a 2 000 hectares e
mais de 1 000 cabeças de gado, é uma fonte de bons empregos para expatriados,
com destaque para cerca de 15 cidadãos de nacionalidade brasileira.
Outro
dado importante avançado pelo especialista é o valor do investimento necessário
para um projecto agrícola numa área de entre cinco a dez mil hectares. “Em
regra [os investimentos], ficam por mais de 50 milhões de dólares, fora os
custos de financiamento. Por isso, tais projectos começam a abortar.”
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