segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Angola: DIRETOR NACIONAL DO PATRIMÓNIO DO ESTADO É UM NOVO LATIFUNDIÁRIO



Folha 8, 05 dezembro 2014

5 de Junho passado, o director na­cional do Património do Estado, Sílvio Fran­co Burity, requereu com sucesso ao governador provincial do Kwanza-Sul, general Eusébio de Bri­to Teixeira, a legalização de 8 974 hectares para os seus projectos privados de agro-pecuária.

O terreno em causa está situado na comuna de Quimbalanga Haco, no município do Mussende, e divide-se em duas áreas contíguas. Na primeira, de 4 751 hectares, Sílvio Franco Burity apresentou o requerimento na quali­dade de representante da empresa privada Grano Gado Lda.

O governante detém for­malmente metade das acções da Grano Gado, enquanto o seu sócio e ad­ministrador da empresa, Manuel dos Santos da Sil­va Ferreira, detém a outra metade.

Indiferentes à legislação em vigor, quer pela im­punidade quer pela arro­gância, os dirigentes an­golanos continuam a usar o princípio constitucional de que a terra pertence ao Estado, assim se apode­rando dela para fins priva­dos.

Do ponto de vista legal, a negociata entre Sílvio Franco Burity e o general Eusébio de Brito Teixeira viola a Lei da Probidade.

Compete à Direcção Na­cional do Património do Estado, um órgão exe­cutivo do Ministério das Finanças, a inventariação, o controlo e a orientação, entre outros, dos órgãos da administração local, in­cluindo os afectos aos da província do Kwanza-Sul.

A Lei da Probidade esta­belece que “a actuação do agente público deve ser orientada para o interes­se comum, à margem de qualquer outro facto que exprima ou favoreça po­sições pessoais, familiares, corporativas ou quaisquer outras que colidam com o interesse público”.

Por outro lado, a mesma lei define como acto condu­cente ao enriquecimento ilícito a aceitação de em­prego ou consultoria para terceiros, no caso de estes poderem beneficiar da acção ou omissão “decor­rente das atribuições do agente público, durante a actividade”. A Grano Gado tem um sócio-gerente, que poderia perfeitamente ter apresentado o requeri­mento, mas Sílvio Franco Burity assumiu-se como o verdadeiro gerente da empresa e usou a sua con­dição de servidor público para agilizar a legalização dos terrenos.

De forma astuta, o sócio do director nacional do Patri­mónio do Estado, Manuel dos Santos da Silva Ferrei­ra, também requereu, no mesmo dia, a 5 de Junho, mais 2 913 hectares de terra, a sul do terreno so­licitado por Sílvio Franco Burity, em nome da Grano Gado. A norte, o terreno requerido pelo referido sócio confina com o ter­reno pessoal do director nacional. Ou seja, a dupla ocupou um terreno contí­guo com 11 887 hectares.

Com o referido esquema, os sócios cometem o que o jurista Rui Verde descre­ve como “uma fraude à lei que proíbe a concessão de direitos fundiários supe­riores a 10 000 hectares sem aprovação do Con­selho de Ministros”. Com a Constituição de 2010, cabe exclusivamente ao presidente da República aprovar uma concessão superior a 10 000 hectares.

Como pode Sílvio Franco Burity exigir, no exercício das suas funções, a pres­tação de contas sobre o património do Estado sob tutela do general Eusébio de Brito Teixeira, se este lhe faz o “favor” de lhe conceder terras em tempo recorde?

Não é estranho o facto de o governador do Kwanza­-Sul ter abocanhado, em menos de dois anos, mais de 300 quilómetros qua­drados de terra, na pro­víncia sob seu domínio, ou seja, uma extensão territorial equivalente a 34 cidades do Kilamba? No mesmo período, e apenas para a família presidencial, o governador legalizou perto de 350 quilómetros quadrados de terra, como se em breve se explicará. É o princípio corrompido da máxima segundo a qual “uma mão lava a outra”.

O jurista Manuel Neto entende que as leis ango­lanas “servem mais para mostrar ao Ocidente que temos um estado de direi­to democrático com leis modernas”.

Maka Angola contactou o gabinete do director na­cional do Património do Estado, Sílvio Franco Bu­rity, para conhecer a sua reacção formal, mas ainda não obteve resposta.

GANÂNCIA DESMEDIDA

Um especialista em agro­nomia contactado por Maka Angola critica gran­des concentrações de terra na mão de apenas alguns indivíduos. De acordo com o interlocutor, que prefere o anonimato, tais extensões de terra não são aproveitadas devidamente. “Este é um mal que vem do tempo colonial, quando apenas se cultivava dez por cento da área cedida, em média. Agora é menos de um por cento”, afirma.

Para o especialista, ”o úni­co impacto positivo é a criação de emprego, em­bora muitos paguem mal e tratem os trabalhadores pior do que no tempo co­lonial”.

Membros da comunidade local ouvidos por Maka Angola discordam da teo­ria da criação de empre­gos. Denunciam, ao invés, a expropriação de terrenos comunitários que sempre foram usados para a agri­cultura de subsistência. Os terrenos são atravessados pelo Rio Gango e pelos ria­chos Quimbangala e Gaze­la.

Já em Kanguandja, na co­muna do Quicombo, muni­cípio do Sumbe, a fazenda de Sílvio Franco Burity, com extensão superior a 2 000 hectares e mais de 1 000 cabeças de gado, é uma fonte de bons empre­gos para expatriados, com destaque para cerca de 15 cidadãos de nacionalidade brasileira.

Outro dado importante avançado pelo especialista é o valor do investimento necessário para um projec­to agrícola numa área de entre cinco a dez mil hec­tares. “Em regra [os investi­mentos], ficam por mais de 50 milhões de dólares, fora os custos de financiamen­to. Por isso, tais projectos começam a abortar.”

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