segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Portugal: À ESQUERDA DO PS NEM TODOS OS GATOS SÃO PARDOS



Tomás Vasques – jornal i, opinião

Esta suposta “viragem à esquerda” do PS deu lastro aos partidos da direita, PSD e CDS-PP, para acenarem ao centro

O discurso do novo secretário-geral dos socialistas, no encerramento do Congresso do partido, provocou um alarido político durante a semana passada. Não era caso para tanto e só se justifica porque a direita, com a sua esmerada sonsice política, tem marcado o compasso, a seu favor, de uma agenda vazia de discussão política séria. António Costa disse o elementar: “Não é possível ser alternativa às actuais políticas com quem quer precisamente prosseguir as actuais políticas”. O líder socialista já tinha dito o mesmo, por outras palavras, durante os debates nas primárias: “Se pensarmos como a direita pensa, acabamos a governar como a direita governou. A mudança necessária exige ruptura com a actual maioria e a sua política.” O facto de Francisco Assis, o cabeça de lista do PS às eleições europeias (cujos resultados foram os que conhecemos e que, como consequência imediata, afundou António José Seguro), ter acentuado a sua divergência com este elementar separar de águas, recusando qualquer cargo nos órgãos do partido, e assumindo claramente a necessidade do PS concretizar um acordo de governo com a direita, para que a Pátria seja salva, veio apimentar este debate. Também Basílio Horta disse: “Um governo PS-CDS-PP? Seria um grande governo”.

Esta suposta “viragem à esquerda” do PS deu lastro aos partidos da direita, PSD e CDS-PP (é um eufemismo, no actual contexto político, classificar qualquer um destes partidos de “centro-direita”, como o faz Francisco Assis), para acenarem ao centro, junto da classe média, que tanto massacraram neste três anos de governo, com o papão do “comunismo”. O próprio António Costa, intuindo o perigo, veio aliviar a carga, ao dizer: “É preciso ser muito radical para achar que um discurso humanista é um discurso esquerdista”. No polo oposto, os comunistas e bloquistas acusaram o toque de serem tratados como meros “partidos de protesto”, sem nunca se comprometerem com soluções para o país, para exigirem aos socialistas, como começo de conversa, que se submetam às estratégias gizadas pelo comité central do PCP ou pela direcção colectiva do Bloco de Esquerda. Estas posições políticas radicais dos dois extremos – o da direita e o da esquerda comunista – anulam-se mutuamente, o que facilita a estratégia de António Costa na procura de uma alternativa às políticas do governo de direita sem se deixar enlear nos “amanhã que cantam”.

Do discurso de António Costa parecem transparecer três contornos: primeiro, sem uma demarcação clara da direita que nos tem governado não há qualquer possibilidade de renovar a esperança, nem motivar os cidadãos para novos desafios; segundo, a classe média – esse grande “centrão”, onde cabe a maioria dos portugueses que decidem os resultados de qualquer eleição, perderam nesta crise grande parte das suas referências, desde a estabilidade salarial à mobilidade social, estando eventualmente muito mais receptivos a mudanças, incluindo rupturas políticas significativas; terceiro, no eleitorado que vota tradicionalmente à esquerda, nota-se cada vez mais um desencanto com os partidos que remetem para as calendas gregas as soluções imediatas da vida das pessoas, aquelas coisas comezinhas do dia-a-dia: o salário, o emprego, a reforma, a saúde, a educação dos filhos. E é por aqui, por esta porta, que pode entrar a plataforma eleitoral à volta do LIVRE, que mereceu destaque especial no congresso do PS, o qual pode capitalizar descontentamentos e ânsias de mudança a que o PCP e o Bloco não correspondem.

Em suma, o PS, o partido de Francisco Assis e de Basílio Horta, tanto como de Manuel Alegre e Mário Soares, precisa que à sua esquerda nem todos os gatos sejam pardos para poder estabelecer diálogos e compromissos à esquerda que lhe permitam fazer a ruptura política (e ideológica) com a direita a que meio mundo, desde a direita ao Presidente da República, passando pelos comunistas,  a quer amarrar.

Jurista. Escreve à segunda-feira

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