Expresso
das Ilhas (cv), editorial
Nestes dias, que se
arrastam desde 23 de Novembro, a erupção do vulcão do Fogo tem sido seguida com
atenção por todos os cabo-verdianos, uma atenção não poucas vezes marcada pela
ansiedade e mesmo angústia perante a destruição das casas e dos meios de vida
de mais um milhar de habitantes na Chã das Caldeiras. Felizmente não houve
perdas de vida e uma parte significativa dos bens, pertences e gado da
população foi efectivamente resgatada. Para isso contribuiu extraordinariamente
o esforço abnegado de militares e polícias aí destacados e de populares que se
ofereceram para ajudar. Depois de alguns episódios iniciais de vandalismo e de
reacções epidérmicas das autoridades perante a resistência das pessoas em ser
evacuadas, o processo de realojamento das pessoas tem prosseguido com o apoio
da Cruz Vermelha de Cabo Verde e com gestos de solidariedade que vêm de todas
as ilhas e da diáspora.
A situação de
catástrofe vivida na ilha do Fogo deve ser motivo de uma reflexão mais profunda
sobre os riscos que podem colocar-se a um país arquipélago, montanhoso e
vulcânico e sobre a capacidade institucional e operacional de resposta em caso
de concretização dos mesmos. Na manhã de domingo do dia 23 de Novembro o
governo declarou situação de contingência. Estava-se perante o que na
Resolução nº 10/2010 se considerou: “O risco mais perigoso em Cabo Verde é o risco
vulcânico/sísmico”. Na sequência devia-se implementar o Plano de Contingência
para o Fogo, que a lei prevê existir, sob a coordenação do Serviço Nacional de
Protecção Civil. O problema é que de acordo com o diagnóstico feito no
Relatório de Segurança Interna publicado no BO de 26 de Agosto de 2014: “o
Serviço de Protecção Civil está desadequado para o cumprimento das suas
missões, não existem indícios de articulação funcional e operacional com os
comandos regionais, com excepção da Boavista, e não foram apresentados planos
de emergência e de contingência para as Ilhas”. Talvez por ter-se dado conta
dessas falhas que o governo, a toque de caixa, criou o gabinete de crise para
“coordenar a acção governativa”. E para dirigir esse gabinete teve que se
socorrer do brigadeiro Antero Matos, ex-conselheiro de segurança nacional, que
se encontra há alguns meses na reforma. Significativamente o Primeiro-ministro
não passou essa responsabilidade constitucional, que lhe cabe nestas
circunstâncias, para o ministro que tem a tutela da Protecção Civil como prevê a
resolução acima citada.
Várias fraquezas
institucionais e operacionais do país tornaram-se visíveis ao longo desta
emergência na ilha do fogo. Através do pedido de ajuda a Portugal procurou-se
colmatar algumas delas designadamente no domínio das comunicações com os
telefones via satélites, de apoio aéreo de proximidade com helicópteros e mesmo
de uma base de apoio naval em caso de evacuação a uma escala maior. A fragata
portuguesa foi a resposta portuguesa. Pode-se dizer que dificilmente Cabo Verde
poderá ter meios a essa escala para responder a situações de catástrofe
futuras. É verdade que sempre deverá contar com a cooperação com outros países.
Facto é, porém, que alguns meios próprios terão que existir para dar respostas
a situações que não podem esperar pela vinda de fora de um barco, de um
helicóptero ou de um telefone via satélite.
Recentemente o país
viveu situações de emergência no mar, designadamente o afundamento do navio
Mosteru e o encalhe de Pentalina que só não se tornaram catastróficas porque se
verificaram junto à costa e na vizinhança de aldeias piscatórias. Os pescadores
com os seus botes puderam resgatar as pessoas do mar. Na sequência da erupção
do vulcão os primeiros meios de socorro foram levados para o Fogo no rebocador
Damão, como se esperaria que acontecesse há quarenta ou cinquenta anos atrás. A
pergunta que fica é: onde está a Guarda Costeira que devia estar equipada com
barcos e helicópteros à altura de fazer busca e salvamento e fornecer a base
logística para se socorrer qualquer ilha em situação de emergência? O governo
reconhece as insuficiências existentes, faz promessas, mas a capacidade de
resposta do país mantem-se basicamente a mesma de décadas passadas. Urge
alterar este estado de coisas. Não se deve esperar que aconteça algo terrível
para se tomarem as medidas que se impõem. Mesmo o desaparecimento recente do
navio Rotterdam com todos os seus tripulantes não conseguiu forçar uma mudança
de atitude.
Cabo Verde tem que
assegurar uma capacidade mínima mas efectiva de resposta a qualquer situação de
crise ou catástrofe. Num país arquipélago devia ser óbvio que, para isso, é
fundamental ter uma Guarda Costeira capaz de fiscalizar o espaço aéreo e
marítimo, controlar a exploração económicas dos mares, fazer busca e salvamento
e evitar que as ilhas sejam uma base para o tráfico e contrabando.
Aparentemente os governantes têm outras prioridades.
De qualquer forma o
Estado continua com responsabilidades de garantir, a todo o momento, a
segurança das ilhas e mares e de assegurar que os recursos do país e a
solidariedade de todos poderá chegar a qualquer ponto do território nacional. E
com a gestão da Fir Oceânica e outras responsabilidades internacionais nesta
região deverá habilitar-se para o cumprimento pleno das suas obrigações. É fundamental
pôr a Protecção Civil e a Guarda Costeira à altura dessas responsabilidades.
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