Miguel
Guedes – Jornal de Notícias, opinião
Sem
confusões. Não me refiro ao lápis azul da Viarco, essa afamada fábrica
portuguesa de lápis cuja história remonta a 1936. A verdade é que, traçada a
lápis ou caneta de tinta permanente, a planificação das eleições para os três
partidos do denominado "arco da governação" deve ser coisa dura. Não
contentes com a canseira, os três partidos (leia-se PSD/PS/CDS-PP) esforçam-se
há cerca de um ano para ultrapassar a desadaptada lei de 1975, consagrando um
novo regime jurídico da cobertura jornalística em período eleitoral através de
um projecto-lei quase a sair do forno (embora agora alguns o neguem). Sem que
para isso tivessem envolvido e ouvido - em tempo certo - os restantes partidos
com e sem assento parlamentar, os órgãos de comunicação social ou as suas
confederações representativas, ou sequer a Comissão Nacional de Eleições (CNE)
e a Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC), tidas e achadas como
cérebros desse novo órgão que apelidam de "comissão mista".
É
certo que o entendimento estrito que a CNE tem feito da lei pós-revolucionária
já teve consequência graves em 2013 e 2014 quando todas os canais em sinal
aberto se recusaram a fazer debates e a cobrir de forma normal as acções de
campanha nas eleições autárquicas e europeias. O entendimento procurado entre a
CNE e a ERC nunca foi conseguido e, pelo contrário, só acentuou as clivagens.
Pois são precisamente estas duas entidades que o projecto-lei quer pôr a
funcionar numa espécie de visto prévio das campanhas eleitorais, ideia
peregrina, condenada ao desastre e, sobretudo, um atentado com memória à
liberdade de imprensa e todos aqueles que se lembram do lápis azul em ditadura. Não admira
que o diário espanhol "El País" fale em censura à imprensa, referindo
que "Portugal comemora 40 anos de liberdade de expressão, mas parece que
não cumprirá 41 ". Mais ano, menos ano.
A
questão não pode ser vista como circunstancial ou como um tiro fortuito no pé.
É grave. Podendo e devendo procurar uma solução que desfizesse o enredo de uma
lei construída no dealbar da democracia, os partidos da governação cozinharam
um projecto-lei, antecipando acções e palavras, condicionando-as previamente à
hipótese de uma mordaça. É incompreensível que se preveja a obrigatoriedade de
apresentação do modelo de cobertura das acções das diversas candidaturas
(previsão de entrevistas, debates, reportagens) com antecedência até dois meses
para validação prévia da tal "comissão mista". O que, a suceder,
obrigaria os media a desenhar a cobertura das campanhas eleitorais sem sequer
saber quais os candidatos que tratará de noticiar. Um absurdo. Isto num tempo
em que as televisões estão obrigadas a entregar a sua programação na ERC com a
antecedência de apenas 48 horas. Sabendo que os jornalistas estão agarrados às
normas da Lei da Imprensa e ao seu Código Deontológico (para além, obviamente,
da Constituição da República e Código Penal) não é sobre os abusos ou
inobservâncias da imprensa aos seus normativos que o "arco da
governação" pretende legislar. No campo dos direitos de personalidade, da
difamação e da violação da privacidade muito se poderia fazer, de facto. Mas
preferiram "trabalhar" no campo da liberdade, entre os pingos de
chuva, burocratizando. PCP e BE estão contra. Carlos Magno, Presidente da ERC,
já fez saber que se demitiria caso o projecto-lei avance. Os media estão unidos
na rejeição da formatação legislativa de conteúdos políticos livres. Quem
começa um projecto-lei destes pelo telhado deve saber, obrigatoriamente, onde
isto deve acabar: na rejeição unânime da penumbra da censura prévia, assim
orquestrada lá em baixo, na cave.
Não
sou jornalista nem corporativo. E portanto, perdoem-me aqueles que são uma
coisa ou outra ou ambas. Mas incomoda-me que, sistematicamente, veja
jornalistas deslocando-se para fora das redacções para obterem declarações sem
direito a perguntas. Para esses casos há comunicados de imprensa, declarações
nas redes sociais, assessores de imprensa. Ou um técnico com uma câmara e tripé
para registar depoimento. Triste é ver jornalistas de microfone em riste no
momento em que deputados defendem, sem direitos a perguntas, que este
projecto-lei não tem a intenção de limitar a liberdade de imprensa. Sujeição.
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