O acordo com Kim Jong-un pode ser
mais uma exibição do que uma solução concretizada. Mas o que é evidente é que,
em Singapura, Trump está a dizer aos governos europeus e aos seus concorrentes
asiáticos que hoje é ele quem manda.
Francisco Louça | Expresso |
opinião
Talvez o momento mais revelador da conferência de imprensa de Trump em Singapura, hoje de manhã, tenha sido quando falou na “perspetiva do negócio imobiliário” quanto à vontade de construir “condomínios nas lindas praias da Coreia do Norte”, “maravilhosa localização” entre os turistas da China e os da Coreia do Sul, cheios de dinheiro para irem ao exótico. Eu vi essas praias quando a TV coreana passava as imagens do lançamento dos mísseis, explicou o Presidente norte-americano. Isto é puro Trump: um empresário e não um estadista, que luta contra os concorrentes e promove negócios, mas só considera de modo instrumental a ordem política que resulta da sua ação. Ora, há muitos que o desprezam por isso, ele não faz parte da aristocracia da política, tem maus modos, é petulante, gaba-se do “meu instinto, o meu talento” para ler a alma de Kim Jong-un, é volúvel e incapaz – pois ganha precisamente por isso.
Trump arrisca muito no plano
interno, embora esteja a despejar dinheiro para os ricos (um generoso sistema
fiscal) e para os pobres (nota-se menos, mas ampliou alguns programas sociais
com impacto), só porque juntou uma coligação de aventesmas e esses são os seus
candidatos no outono deste ano. Mas arrisca pouco no plano internacional. Aí
ganhou tudo até agora: rompeu o acordo com o Irão e Merkel prometeu resistir,
mas as empresas europeias já fugiram, a começar pelas que tinham os maiores
contratos, a Total e a Airbus; entrou em choque no G7 com todos os outros e
Macron, que tinha apostado tudo nos abraços da Casa Branca, veio ufano
espanejar um G6 sem os EUA, o que é pura fantasia; mudou a sua embaixada para
Jerusalém e deu luz verde a Netanyahu para disparar, e assim ficamos.
E no que arrisca menos é na
guerra comercial. Uma economia que tem o poder do dólar e que enfrenta quem tem
grandes excedentes comerciais fica sempre a ganhar neste tipo de braço de
ferro. Assim foi no passado com Nixon e com Reagan e assim será agora. A
Alemanha, a UE e a China sofrerão os custos desta guerra e a economia
norte-americana no seu todo só tem a ganhar (mesmo que algumas empresas de
jeans e agroalimentar percam). Para mais, Trump tem o controlo do sistema
internacional de pagamentos interbancários, pelo que pode usar sanções efetivas
contra qualquer empresa, e tem o dólar: os EUA vão emitir dívida pública no
valor de 2,4 biliões (triliões, na notação norte-americana) no próximo ano e
meio, para financiar o seu gigantesco défice, e os chineses e europeus vão
adquirir esses títulos de dívida. Ou seja, vão comprar dólares com os seus
excedentes comerciais, para os emprestarem aos EUA, e ficam vulneráveis nos
dois lados da operação. Se precisar de reduzir e restruturar a sua dívida,
Trump pode forçar uma desvalorização do dólar; querendo reduzir o défice
comercial, ameaça os seus concorrentes e consegue pressioná-los nas exportações
e no financiamento. Vai sempre recuando na competição com a China, mas não é no
imediato que esta potência ultrapassará os EUA, e, quando vier o tempo, já
haverá outro inquilino na Casa Branca.
O acordo com Kim Jong-un pode ser
mais uma exibição do que uma solução concretizada. Mas o que é evidente é que,
em Singapura, Trump está a dizer aos governos europeus e aos seus concorrentes
asiáticos que hoje é ele quem manda.
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