quinta-feira, 20 de abril de 2023

O JORNALISMO DO FUTURO -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O futuro do Jornalismo está nos Jornalistas. Enquanto existirem profissionais o futuro do Jornalismo é igual ao que tinha no tempo das Tábuas Brancas (Acta Diurna) da velha Roma, aos pasquins subterrâneos que garantiam o exercício permanente do contra poder, os jornais que eram espaços de liberdade, a Rádio que reproduziu e consolidou a gramática da linguagem jornalística nascida com a comunicação à distância, a Televisão que casou o som e a imagem. Levou o “quando” da notícia ao “milagre” do tempo real. 

O Jornalismo amanhã vai ser igual ao de hoje, a mediação entre o acontecimento e os consumidores ou destinatários. Nada mais do que isso. E é imenso! O Jornalista ante o acontecimento recorta os fragmentos de informação produzindo um desenho fiel. Nenhuma inteligência artificial consegue fazer isso. Nenhum robô vai ser capaz de separar o essencial do acessório. Ou definir o sujeito da notícia (quem) porque existem milhares de milhões de fragmentos que podem fazer esse papel. Só técnicos bem treinados são capazes dessa tarefa.

Os elementos essenciais da Reportagem ainda são mais inacessíveis a artifícios e robôs. Contar Como aconteceu e porque aconteceu pode estar bem longe do bilhete de identidade do acontecimento (quem, o quê, quando e onde). Nenhuma máquina consegue produzir essa história. Porque a notícia e a reportagem abominam o óbvio, o quadrado, a lógica do difícil comércio das palavras. 

No que diz respeito à Entrevista os artifícios e os robôs não têm qualquer hipótese. Porque uma entrevista só se justifica quando existe um vazio de informação sobre uma pessoa, uma instituição ou uma matéria. Esse vazio é preenchido com fragmentos de informação perguntando a peritos na matéria. No caso de uma pessoa, o mediador (Jornalista) é que decide se quer apresentar um retrato tipo passe, meio corpo, corpo inteiro ou enquadrado em vários cenários. A inteligência artificial nunca chegará aí. Os robôs muito menos. 

A Crónica é um género jornalístico importantíssimo, quanto mais não seja porque faz a ligação com a linguagem do passado, que era usada nos jornais por empréstimo da Literatura. Ponham um robô a escrever uma crónica e sai uma xaropada à maneira do Agualusa. Intragável. Nem literatura nem jornalismo. Aldrabice de quem não sabe.

José Otchinhelo, que se apresenta como jornalista e pedagogo, publica hoje no Jornal de Angola um texto que tem como título “Que Futuro para o Jornalismo?” Os títulos não têm pontuação. Muito menos um ponto de interrogação. Porque a linguagem jornalística é directa, substantiva e afirmativa, tendencialmente imperativa. 

O Jornalista corta todos os caminhos que vão dar à dúvida. Para isso interroga antes de compor a mensagem informativa. Depois afirma sem adjectivos e sem a negativa. Nesta profissão os títulos académicos não valem nada. O importante é saber fazer. E quem publica um texto com uma interrogativa no título sabe pouco.  

José Otchinhelo mostra a sua distracção ao dar o exemplo da China que “criou jornalistas virtuais para apresentação de telejornais da televisão. Esses robôs são apresentadores que não tiram férias, não engravidam, não adoecem, não envelhecem, não têm família, trabalham os 365 dias do ano e, claro, não são remunerados”. Não acredito que um jornalista seja tão ignorante do seu saber fazer que confunda “apresentadores e apresentadoras de televisão” com jornalistas. É o mesmo que confundir vinho com água.   

O nosso jornalista e pedagogo, provavelmente fascinado com as novas tecnologias, diz aos leitores que “pela primeira vez, o mundo leu na semana passada um jornal inteiramente escrito por inteligência artificial. Do mesmo modo, várias rádios no mundo já não têm batalhões de jornalistas e técnicos de som. Muitas tarefas desses profissionais já são realizadas por aplicativos, inclusive para atender chamadas telefónicas dos ouvintes”. Ninguém diga que desta água não beberei. Muitas vezes o Luciano Rocha me foi tirar à cama, meteu-me debaixo do chuveiro levou-me para o jornal, sentou-me à secretária e exigiu que escrevesse o editorial. Ele ali ao lado, dando-me chapadas quando adormecia.

O nosso Otchinhelo tem de beber menos. Ler um jornal escrito por inteligência artificial acontece há muito tempo. Porque os jornais hoje não publicam notícias nem reportagens. As crónicas são à Agualusa. E as entrevistas são fretes repugnantes. Isso está a ser feito por assalariados-jornalistas artificiais. Não é necessária a inteligência artificial para nada. Técnicos de som não são jornalistas E atender chamadas telefónicas não é trabalho de jornalistas. 

A kapuka estava mesmo a bater muito forte quando Otchinhelo comparou  órgãos de comunicação social com uma fábrica de automóveis onde pelos vistos os robôs substituem os operários. E lança a pergunta pungente: Jornalismo feito por humanos corre o risco de desaparecer?

Ele responde: “As montadoras de veículos bem no seu início estavam repletas de gente, hoje, os robôs executam a maior parte das tarefas, significando assim, que tiveram uma redução drástica de pessoal. Por isso, não será de estranhar se vier a acontecer nas empresas jornalísticas”. A Dona Maria das Pressas tinha um bordel ali na Mutamba e um dia meteu lá bonecas de borracha com vaginas artificiais. Foi à falência e mudou-se para os Cajueiros, entre a Terra Nova e a Casa Branca, com meninas madeirenses exportadas para Angola pelo Salazar. A clientela rejeitava-as porque não conheciam o sotaque.

Por fim o genial Otchinhelo cita-se a ele próprio e garante que “a velha máxima, de que, uma imagem vale mais do que mil palavras, com o surgimento do fotoshop e outros mecanismos de manipulação de imagens, há muito que deixou de ser uma verdade absoluta sem esquecer que entre nós existem pessoas invisuais e, por isso, as imagens não lhes dizem nada”. 

Se eu disser que uma palavra vale por mil imagens o “fotoshop” nada pode fazer. E nisto do Jornalismo não existem “verdades absolutas”. Só existe mesmo a verdade dos factos e já não é pouco. A verdade no Jornalismo é um critério que nada tem a ver com a verdade filosófica ou religiosa. É os factos, só os factos e nada mais do que os factos.

Quanto aos costumes tenho a dizer que o Jornalismo jaz morto e arrefece muito pela acção devastadora de jornalistas como José Otchinhelo. Mas depois do seu texto, pior não fica!

* Jornalista

Sem comentários:

Mais lidas da semana