terça-feira, 27 de novembro de 2012

UE: OUTRA CIMEIRA INÚTIL

 

Mário Soares – Diário de Notícias, opinião
 
1 Os 27 Estados da União Europeia resolveram, a pedido do Presidente Van Rompuy, realizar um novo encontro, em Bruxelas, para debater o Orçamento da União para o período de 2014-2020. Na véspera tinham-se encontrado os representantes dos Estados da zona euro sem se ter dado nenhum passo em frente. E no dia seguinte, no encontro dos líderes, os diversos Estados da União também não se entenderam. Ou melhor: entenderam-se para dizer não, protelando para fevereiro de 2013 a nova Cimeira. Quer dizer, as Cimeiras vão-se sucedendo e a situação europeia vai-se agravando perigosamente, sem remédio. Se assim continuarmos, cairemos no abismo, como avisaram Schmidt e Delors.
 
O primeiro-ministro inglês, David Cameron, manifestou-se contra o texto apresentado por Rompuy. Era de esperar. A Inglaterra foi sempre contra a União, desde o tempo de Churchill. Mas então os tempos eram outros e o Reino Unido tinha acabado de sair vitorioso, da II Grande Guerra. Os tempos mudaram desde então. A CEE transformou-se em União Europeia: o mais original projeto político e social, de liberdade, de paz e de bem-estar das populações que já houve, desde sempre. Um projeto de paz e de solidariedade que, infelizmente, deixou de avançar, desde que a crise financeira e económica, que veio dos Estados Unidos, nos contaminou em 2008. Tornando-se depois crise económica, política, social, ambiental e de civilização.
 
Começou com a Grécia, a Irlanda e Portugal - os três primeiros Estados vítimas dos mercados usurários. A Alemanha e alguns Estados mais ricos do Norte, podiam ter evitado essa crise facilmente. Não o fizeram, por falta de visão, relativamente ao futuro. E também por causa dos respetivos lideres nacionais e dos dirigentes das instâncias europeias, sem qualquer visão do futuro. Depois, juntaram-se aos Estados vítimas mais: Chipre, a Espanha e a Itália. E, como a opinião europeia já começou a compreender, vão juntar-se aos Estados vítimas talvez: a França, a Bélgica, a Holanda e vários outros Estados, em situação crítica, vindos do antigo Leste.
 
A pergunta que se põe hoje às populações europeias é simples: como vamos sair - sem cair no abismo, pela desagregação da Europa - deste colossal imbróglio, que só beneficia os magnates que dominam os mercados usurários? A resposta não é difícil: mudando a política europeia e a chamada austeridade, que nos tem sido imposta pelos que dela beneficiam.
 
Mas é isso possível? Claro que é, se houver vontade política para o fazer. O Governo alemão deve compreender que se continuar a deixar degradar a União Europeia, vai ser a principal próxima vítima, com a descida da sua economia, em 2013. Já há hoje um manifesto sinal de que assim será. A Inglaterra, que sempre teve um pé na Europa e outro na América, também não pode continuar a ameaçar a União de abandono. Desaparecido o império e com os Estados Unidos voltados para a Ásia emergente - e sobretudo para a China, com graves problemas sociais de corrupção a resolver -, o que será o Reino Unido, sem a Europa? É uma pergunta que deve pensar David Cameron e o velho Partido Trabalhista, de Wilson e de Callaghan, se quiser voltar ao poder.
 
O mundo está em mudança. E a União Europeia, se quiser sobreviver, como tal, também tem de mudar para evitar a desagregação e a queda do euro. Os grandes Estados europeus, a Alemanha, a França e o Reino Unido, sem esquecer a Itália e a Espanha, que também se devem considerar grandes, sem a União Europeia não são nada, em termos mundiais. É nisso que os grandes Estados europeus devem refletir. Mudando de política, voltando a uma Europa solidária, com um Governo próprio, que terá de eliminar a burocracia de Bruxelas, que, para manter os chorudos lugares, só tem servido para paralisar a política europeia.
 
2 A PENÍNSULA IBÉRICA EM DIFICULDADES
 
Os dois Estados ibéricos, Portugal e Espanha, estão em graves dificuldades, ao mesmo tempo. Mas por razões diferentes: Portugal envolvido pela troika e dada a subserviência do seu Governo, em relação à chanceler Merkel, adepta por enquanto da austeridade que nos está a conduzir à ruína, a vender por quase nada o melhor do nosso património e a pôr em estado de desespero a esmagadora maioria da nossa população.
 
A Espanha, que impediu a troika de se intrometer nas questões internas espanholas, com grandes dificuldades financeiras - e o desemprego mais elevado da Europa -, com problemas altamente difíceis de resolver, como o das eleições na Catalunha, contrárias ao centralismo de Madrid. No momento em que escrevo ainda não tenho conhecimento dos resultados dessas eleições. Mas não serão, seguramente, bons.
 
Curiosamente os dois chefes de Governo - Mariano Rajoy e Pedro Passos Coelho - pertencem ao mesmo partido europeu (o PP), mas têm conceções diferentes para atacar a crise: cada vez mais austeridade, em obediência à troika, no caso de Passos Coelho; e menos austeridade, sem esquecer a recessão económica (o que implica algum crescimento) e reduzindo o mais que for possível o desemprego, um flagelo intolerável, Mariano Rajoy.
 
O diálogo entre ambos não tem sido fácil, ao que parece. Mas encontraram-se no sábado passado na Cimeira de Bruxelas, e tiveram um breve tête-à-tête, que a televisão registou, sem se saber o que disseram. O silêncio, em Portugal, é a regra deste Governo, que faz o que quer, mas diz apenas o que deseja e explica o menos que pode daquilo que faz...
 
Rajoy encontrou-se com François Hollande e também com Monti, numa linha de opinião mais ou menos concertada e a caminho de uma Europa diferente; e Passos Coelho, não precisava de falar muito com a Senhora Merkel, porque é, reconhecidamente, o seu discípulo dileto. Assim estamos, quando era tão importante que a Península, no seu conjunto, desse um murro na mesa dos burocratas de Bruxelas...
 
3 E A SITUAÇÃO PORTUGUESA?
 
Não vai mal. Vai péssima. Piora, dia a dia, semana a semana, mês a mês, ano a ano. Desde que o atual Governo está no poder. Vejam-se as estatísticas (que ainda vão aparecendo) e não os números confusos de que nos fala o ministro das Finanças - não para as pessoas - que por mais que queiram, não são capazes de o entender (eu incluo-me infelizmente, nesse número, seguramente, muito elevado)...
 
Mas há que pensar também que o Governo, entre si, não se entende. O ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas, está com o desejo evidente de abandonar este Governo, cuja política não assume, porque é contrária ao que sempre anunciou ao seu eleitorado. Porquê? Pela pressão que sobre ele é feita. Poderia agora ir visitar as feiras e dar beijinhos às peixeiras? Resposta: ele que se atreva...
 
O PSD, se não me engano, são hoje dois Partidos: o que aprova a política do Governo (muito minoritário) e o que a desaprova totalmente, embora por razões diferentes (maioritário). Esta cisão foi-se aprofundando por múltiplas razões e também à medida que os militantes do PSD, responsáveis pelas autarquias (municípios e freguesias) foram percebendo a impopularidade que cairia sobre eles com a proximidade das eleições autárquicas. E desde que se começou a falar da chamada reforma autárquica, inventada pelo ministro Relvas.
 
Mas no seio do Governo começa também a haver ministros a dar sinal de dissidência. Cito o caso do ministro Álvaro Pereira - que é valente, visto ter sido até agora o único que afrontou as vaias, saindo do carro que estava a ser batido e, sem medo, enfrentou os populares. É significativo, porque voltou agora a ter a coragem de dizer que era necessário "menos austeridade, e mais crescimento e emprego". Quer dizer, boa parte do Governo Passos Coelho não se entende entre si.
 
Será que o Governo e o seu chefe, Passos Coelho, que raramente comunica com o povo, tem consciência do que a esmagadora maioria dos portugueses pensa do seu Governo e dele próprio? Se a tivesse, seguramente que há muito teria tido a honradez de se demitir.
 
Veremos como vai correr a votação do Orçamento para 2013. Tendo em conta que o medo impera hoje nas pessoas, mesmo com lugares importantes. E muitos outros estão desorientados sem saber o que fazer ou para onde podemos ir. Veremos o que faz o Presidente da República, que teima em estar calado, quando mais seria preciso que falasse. Veremos o que faz o Tribunal Constitucional. De qualquer maneira, como escrevi há dias, o Governo está cada vez mais impopular (se é possível). E se teimar em continuar como tem estado, vai acabar muito mal. O desespero leva à violência, como a história nos ensina.
 
4 DOIS LIVROS CUJA LEITURA RECOMENDO
 
Na semana passada foram lançados vários livros - nunca os editores portugueses estiveram tão ativos -, entre os quais me permito distinguir dois que nos interessam especialmente no difícil momento que atravessamos: um de Manuel Carvalho da Silva intitulado Vencer o Medo e o outro do académico Fernando Rosas, Salazar e o Poder. São livros que se completam: um sobre o ditador Salazar, que governou pela censura e pela polícia política, durante 48 tristes longos anos. E o outro, Vencer o medo, que põe a descoberto um fenómeno trazido pela atual crise que nos afeta de novo, após a Revolução dos Cravos: o medo do que vem aí e que procura paralisar muitas pessoas interessadas pela política, mas que têm medo de criticar o Governo - e de reclamar a sua demissão - apenas com medo do que lhes pode acontecer.
 
Quem tal diria, depois de quase quarenta anos de Democracia, Liberdade e Direitos Humanos? Carvalho da Silva fala de ideias para vencer a crise, a começar pela queda necessária deste Governo, de que ninguém gosta.
 

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