Il
Sole-24 Ore, Milão – Presseurop – imagem Tjeerd
Na perspetiva da
Europa, o escândalo de espionagem da NSA está a desgastar a credibilidade e a
posição dos Estados Unidos. Mas, do outro lado do Atlântico, é a persistente
incapacidade da UE de solucionar a crise que está a preocupar os decisores
norte-americanos.
O coro de protestos
europeus provocado pelo caso das escutas
norte-americanas é embaraçoso para Washington. No entanto, em Nova Iorque,
onde a linha de separação entre pragmatismo e cinismo é extremamente ténue, os
ecos da crise diplomática esbarram contra as paredes de Wall Street: entre os
corretores e gestores de bancos de investimento, muitos dos quais estudaram em
West Point, foram marines ou trabalharam nos serviços secretos norte-americanos
antes de entrarem para o setor financeiro, a nova polémica contra os Estados
Unidos é considerada “fútil” (não há nenhum Governo no mundo que não tente
espiar os seus vizinhos) e, também, como sendo a enésima deturpação dos
verdadeiros problemas da Europa.
“De que é que os
alemães têm medo?”, perguntava ontem um corretor de uma empresa de corretagem
internacional. “Será que receiam que, depois de ouvir [a chanceler alemã
Angela] Merkel ao telefone, o Ministério das Finanças dos EUA nos mande vender
imediatamente as obrigações do Estado?” Claro que se trata apenas de uma piada.
Mas, por trás deste cinismo, está uma realidade objetiva que – do nosso ponto
de vista – deveria suscitar tanta preocupação como o caso de espionagem dos
EUA. Entre os gestores de grandes carteiras do setor financeiro
norte-americano, entre os especuladores e, também, entre os economistas e os
analistas de Wall Street reina a convicção crescente de que a Europa está
novamente a perder o rumo, de que a zona euro perdeu a sua anterior tendência
no sentido da união política e de que os ventos das reformas estruturais, que
permitiram que os países periféricos iniciassem a modernização económica e
institucional, estão a perder a força por falta de interesse.
Mais fracos pagam a
fatura
Os termos da
equação são conhecidos: quando existem problemas de governação, os rendimentos
potenciais são sempre mais elevados. O problema é que aqueles que pagam a
fatura são sempre os mais fracos. Nesta situação, uma das grandes questões é
que, neste jogo, que é jogado à custa dos governos e dos aforradores da Europa,
não há um júri que estabeleça as regras nem um árbitro que as faça cumprir. Ao
contrário do mercado norte-americano, o mercado europeu assemelha-se hoje a uma
espécie de terra de ninguém, onde impera a regra da sobrevivência do mais
forte. Veja-se o caso da taxa
Tobin: apenas onze países da zona euro, entre os quais a Itália, decidiram
aprovar um imposto sobre as transações financeiras, cavando um novo fosso, em
termos de competitividade, num mercado financeiro que, no papel, funciona como
mercado único.
Mas pode também
falar-se do euro: por um lado, o setor financeiro norte-americano considera que
o euro pode vir a registar uma nova derrapagem no próximo verão; por outro, a
operação coordenada pela Reserva Federal e pelo Ministério das Finanças dos
EUA, em apoio do dólar fraco, permite que os operadores do mercado de divisas especulem,
com expectativas razoáveis de lucro, apostando num euro forte, cujo valor é
mantido artificialmente alto pela situação da economia europeia e pelas
análises que apresentam a Europa como estando mergulhada numa profunda crise
política.
Em geral, quando um
sistema está à beira do colapso, a moeda (ou a dívida) sofre uma
desvalorização: neste caso, a ordem natural das coisas foi invertida. A
tendência das obrigações norte-americanas reflete esta situação: quanto mais se
falava de incumprimento dos Estados Unidos, mais as obrigações norte-americanas
saíam reforçadas, como se o risco de insolvência não as afetasse.
Falta de
fiabilidade da Europa
Com este cenário
visível nos ecrãs dos nossos computadores, não é de espantar que os mercados
europeus – e, em especial, os mercados frágeis como o de Itália – se tenham
tornado locais de negócio para investidores menos escrupulosos. Contudo, o
facto mais interessante é que todos estes acontecimentos financeiros se
misturam com factos políticos e diplomáticos e são depois apresentados à
opinião pública norte-americana: enquanto as primeiras páginas dos jornais
europeus atacam os Estados Unidos por causa das revelações sobre a espionagem
sistemática da CIA, as primeiras páginas dos jornais norte-americanos – a começar
pelo Wall Street Journal – concedem mais espaço às análises sobre o regresso da
crise do euro, sobre o fim do projeto de união política e, por último, sobre a
falta de fiabilidade da Europa como parceiro político e financeiro das maiores
economias mundiais.
Esta nova fratura
de governação tem consequências políticas e financeiras: a interrupção da
vigilância da atividade
bancária na Alemanha, que se verificou na véspera dos novos stress tests
[avaliações da resistência de um conjunto de bancos] na Europa, foi
imediatamente legitimada pelo alarido dos analistas de Wall Street sobre a
saúde precária do crédito europeu.
Torna-se agora
evidente que estamos a movimentar-nos num cenário no qual a globalização impede
a adoção de medidas unilaterais, e no qual a existência de interesses
contraditórios nos condena à paralisia. O antigo sistema de regras e certezas
está a desmoronar-se e ninguém é capaz de, nem quer, criar um novo sistema,
porque tudo está interligado com a crise e com a ameaça de deterioração da
situação financeira e económica.
Toda a gente vive
um dia de cada vez – operadores, governos, instituições transnacionais – e tem
medo de planear o futuro. Parece que está a propagar-se pelo mundo uma nova
doença, que nós pensávamos ser apenas italiana: correr atrás do presente e
tornarmo-nos prisioneiros dele.
Links exteriores
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Presseurop
Visto dos Estados
Unidos
Os líderes europeus
devem educar a opinião pública
A indignação em
torno das alegações segundo as quais a Agência de Segurança Nacional (NSA)
colocou sob escuta o telefone de Angela Merkel não reflete mais do que “um
ressentimento europeu”, escreve o chefe de redação
adjunto do Wall Street Journal, Sohrab Ahmari.
Apesar de toda a
retórica, Merkel sabe perfeitamente como funcionam os serviços secretos e deve
portanto arranjar um equilíbrio que reflete a indignação alemã e europeia sem,
no entanto, comprometer definitivamente a sua relação com os Estados Unidos – o
aliado mais importante de Berlim, escreve ele, acrescentando que
a chanceler e os
seus homólogos não precisam que lhes expliquem como funciona a diplomacia, mas devem
acalmar os gritos nacionais de indignação contra os Estados Unidos. O que ficou
esquecido em tudo isto foi a obrigação dos líderes políticos de educar a
opinião pública, nem que seja de uma forma geral, sobre a realidade que envolve
os serviços secretos e a importância da segurança nacional num mundo perigoso.
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