quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Angola: VÍRUS ÉBOLA NÃO SE COMBATE COM MEDIDAS DE MARKETING



Folha 8, 30 agosto 2014

Os passa­geiros que entrarem em Angola através do aeroporto internacional de Luanda com sintomas de febre vão ficar em quarentena, como forma de despistar eventuais casos de Ébola, informou a directora pro­vincial de Saúde. Muito bem. Mas será por aí que o país corre os maiores riscos? Claro que não. Então, mais do que uma medida preventiva, é uma medida de marketing co­piada de países que não têm, como é o nosso caso, uma tão enorme fronteira terrestre com um país po­tencialmente vulnerável ao vírus, como é o caso da República Democrática do Congo.

De acordo com Rosa Bes­sa, no aeroporto interna­cional 4 de Fevereiro, em Luanda, já funciona em permanência uma equipa de saúde para inspecção dos passageiros, agora munida de sensores de temperatura tendo em conta que um dos princi­pais sintomas do Ébola é a febre.

“Aqueles casos que che­garem ao país com fe­bre, detectada por estes sensores, terão de ser encaminhados para qua­rentena e fazer-se uma investigação”, explicou a directora provincial de Saúde de Luanda, Rosa Bessa.

Angola passou a integrar o grupo de países com ris­co “moderado a alto” de infecção por Ébola, depois de casos confirmados na República Democrática do Congo (RDCongo).

“Até há uma semana, Angola era considerada como um país de baixo­-médio risco. Neste mo­mento entra para o gru­po de países com risco moderado a alto, porque tem um país vizinho com a epidemia confirmada”, explicou Adelaide de Carvalho, Directora Na­cional de Saúde Pública, referindo-se à classifica­ção internacional sobre a propagação da doença.

As autoridades sanitárias estão agora a “redobrar” e a “acelerar” a mobilização de equipas para o con­trolo, alerta e vigilância sanitária, nomeadamente nos postos de fronteira a norte.

A evolução da propaga­ção do Ébola por vários países do continente afri­cano e as medidas de pro­tecção adoptadas em An­gola foram analisadas pela Comissão para a Política Social do Conselho de Ministros, sob orientação do vice-presidente da Re­pública, Manuel Vicente.

“Temos de estar mais atentos à movimentação de pessoas, mas não en­trar em pânico”, defen­deu o ministro da Saúde, José Van-Dúnem, no final dessa reunião, a propósito dos sintomas da infecção por Ébola, que podem ser reconhecidos pela popu­lação.

De acordo com o Executi­vo, a forte movimentação de pessoas com a RD­Congo - Angola, através de sete províncias, par­tilha uma vasta fronteira terrestre com aquele país - já obrigou à adopção de “medidas preventivas”. Nomeadamente ao nível da vigilância das frontei­ras, com agentes de segu­rança e militares munidos de elementos de biosse­gurança.

A RDCongo confirmou já os seus primeiros ca­sos de febre hemorrágica Ébola, que já afecta quatro outros países africanos.

“Os resultados são posi­tivos. O vírus Ébola está confirmado na RDCongo”, declarou o ministro da Saúde congolês, Félix Ka­bange Numbi, a propósito das amostras retiradas a pessoas com uma febre hemorrágica que causou 13 mortos desde 11 de Agosto no noroeste do país.

Para determinar a origem exacta da doença foram recolhidas amostras, que foram enviadas para o Instituto Nacional de In­vestigação Biomédica e para um laboratório em Franceville, no Gabão.

Segundo informações recentes, mais de 80 pessoas estiveram em contacto com as vítimas mortais e o seu estado de saúde estava a ser moni­torizado nas localidades de Boende Moke, Lokolia, Watsikengo e Lokula.

Desde o início da epide­mia de Ébola em Mar­ço e até 20 de Agosto, a Organização Mundial de Saúde contabilizou 1.427 mortos em 2.615 casos identificados. A Libéria é o país mais afectado, com 624 mortos em 1.082 ca­sos, seguindo-se a Guiné­-Conacri com 407 vítimas mortais. A Serra Leoa e a Nigéria registaram, res­pectivamente, 392 mortos e cinco mortos.

Entretanto, segundo o Banco Africano de Desen­volvimento (BAD), esta epidemia poderá custar entre 1% e 1,5% do Produ­to Interno Bruto (PIB) dos países da África Ocidental afectados pelo surto.

Globalmente, o Ébola vai “provavelmente custar 1% ou 1,5% do PIB dos países da União do Rio Mano”, organização que integra a Libéria, a Serra Leoa e a Guiné-Conacri, “países que começavam a recu­perar dos difíceis anos de crise, das guerras civis das décadas de 1960, 1980 e 1990”, referiu o presi­dente do BAD, Donald Kaberuka.

As previsões da organiza­ção apontam igualmente que a Costa do Marfim, o quarto país daquela or­ganização mas que ainda não foi afectado pela epi­demia, deverá sofrer as mesmas consequências financeiras.

Donald Kaberuka alertou ainda que a segurança alimentar na Libéria, país que regista mais casos e mais vítimas mortais, também está “em ris­co”, uma vez que o vírus ameaça a manutenção das colheitas agrícolas. Neste país, “se hoje as pessoas não se ocupam da agri­cultura, existirá uma crise alimentar. É o primeiro impacto directo sobre os agricultores desta região”, apontou.

Além da crise imediata e a médio prazo, o respon­sável considerou que “a multiplicação das medi­das de encerramento de fronteiras terrestres e aéreas em muitos países africanos”, decididas por “precaução”, irá custar “muito” ao comércio e aos fluxos económicos da região.

África, na sequência do vírus Ébola, “arrisca a sua imagem, a fuga de investimentos, uma nova estigmatização, quando o continente começava a descolar”, lamentou Ka­beruka.

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