sexta-feira, 5 de setembro de 2014

QUE ANGOLA QUER O REGIME?



Folha 8, 30 agosto 2014

Ao que pa­rece, mes­mo quando de vez em quando aparece um sinal de sentido contrário, os orto­doxos do regime não conse­guem – tal é o índice canino de bajulação - deixar às ge­rações vindouras algo mais do que a pura expressão da cobardia que, entre outras coisas, faz com que milhões de angolanos tenham pouco ou nada, e poucos tenham muitos milhões.

Ainda recentemente, no Huambo, o comandante­-adjunto da Região Militar Centro para a Educação Pa­triótica, brigadeiro Simeão Domingos Francisco, disse que o Presidente da Repúbli­ca e Comandante-em-Chefe das Forças Armadas Ango­lanas, José Eduardo dos San­tos, é “um político e huma­nista de dimensão mundial”, tendo em conta a constante preocupação que tem de­monstrado na manutenção da estabilidade política dos Estados africanos, em parti­cular das regiões da SADC e da Conferência Internacio­nal dos Grandes Lagos.

O brigadeiro (depois desta intervenção deve obrigato­riamente ser promovido a general) destacou que em várias ocasiões de crise polí­tica e militar interna, o Presi­dente da República sempre usou a diplomacia como instrumento eficaz para a busca do entendimento, da paz, da igualdade, do desen­volvimento económico-so­cial, na resolução de confli­tos, pacificação, bem como no combate às injustiças e ingerências nos assuntos internos de outros Estados soberanos. Nem o próprio José Eduardo dos Santos di­ria melhor.

Segundo o oficial especiali­zado no vital ramo militar da Educação Patriótica, graças à postura de liderança de José Eduardo dos Santos, Angola tornou-se num país privi­legiado na região austral de África e na União Africana, assim como na Organização das Nações Unidas, estando a jogar um importante papel na procura de soluções pací­ficas por meio do diálogo e da concertação, sobretudo para os conflitos que têm afectado alguns países da Região dos Grandes Lagos.

“A participação das Forças Armadas Angolanas em missões de apoio à paz em África e a capacidade orga­nizativa de Angola no aco­lhimento de Exercícios Mili­tares Conjuntos, bem como as questões de defesa e se­gurança do país, protecção das fronteiras, salvaguarda da independência, soberania e integridade territorial, fa­zem do estadista um grande e verdadeiro ícone da histó­ria africana”, sublinhou Si­meão Domingos Francisco, certamente ajoelhando-se perante a veneranda ima­gem de José Eduardo dos Santos.

De acordo com o brigadeiro Simeão Domingos Francis­co, as FAA são consideradas as melhores forças que o continente africano possui, do ponto de vista de orga­nização, disciplina e coe­rência no cumprimento do dever patriótico, com base no respeito escrupuloso da Constituição e dos órgãos de soberania.

Acrescentou que, em fun­ção desta sábia liderança (de Eduardo dos Santos, não convém esquecer), as FAA constituíram-se, ainda, num verdadeiro baluarte da paz, unidade e reconciliação nacional, servindo de verda­deiro exemplo para a nação, no que respeita à preserva­ção da paz.

Talvez os génios do regime, e este brigadeiro é apenas um entre os milhões que existem, quase todos pari­dos nas latrinas da cobardia e da incompetência, pensem que não é necessário dar corpo e alma à angolanidade, bastando – calculam – impor a educação patriótica de ca­nino culto ao líder. É por isso que alimentam o ódio e a discórdia, o racismo, não re­conhecendo que a liberdade deles termina onde começa a dos outros.

Porque não há comparação entre o que se perde por fra­cassar e o que se perde por não tentar, permitimo-nos a ousadia (que esperamos – com alguma ingenuidade, é certo - compartilhada por todos os nossos leitores e amigos que respondam a esta chamada) de tentar o impossível já que - reconhe­çamos - o possível fazemos nós todos os dias.

Como jornalistas, como angolanos, como seres hu­manos, entendemos que a situação angolana ultrapassa todos os limites, mau gra­do a indiferença criminosa de quem, em Angola ou no Mundo, nada faz para acabar com a morte viva que, doze anos depois da paz, carac­teriza um povo que morre mesmo antes de nascer.

E morre todos os dias, a to­das as horas, a todos os mi­nutos. E morre enquanto e Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) canta e ri. E morre enquanto outros, em Luanda, comem lagosta. E morre enquanto outros, no interior do ter­ritório, nem sabem o que é comer.

É que, quer o MPLA queira ou não, como na guerra, a vitória é uma ilusão quando o povo morre à fome. Tal como está a nossa Angola profunda, a nossa Angola real, ninguém sairá vence­dor. Todos perdem. Todos perdemos.

Cremos, aliás, que o próprio presidente José Eduardo dos Santos terá de vez em quan­do consciência de que a sua ditadura não é uma solução para o problema angolano, sendo antes um problema para a solução.

Cremos que é, ou pode ser, pequeno o passo que é preciso dar para que os an­golanos, irmãos de sangue, de esperança, de sonhos, de idealismos, se entendam para ajudar o nosso país a ser um Estado de Direito onde os angolanos sejam to­dos iguais e não, como agora acontece, uns mais iguais do que outros.

Alguma vez, de forma cons­ciente e voluntária, o regime entenderá que a força da ra­zão pode e deve substituir a razão da força?

Durante demasiados anos de guerra, os angolanos mata­ram-se uns aos outros. Aca­bada essa fase, os angolanos continuam a matar-se uns aos outros. Não directamen­te pela força das armas, mas pelo poder que as armas dão aos que querem subjugar os seus irmãos que consideram de espécie inferior.

Mais do que julgar e incri­minar importa, e apesar do tempo perdido nunca é tarde, parar. Parar defini­tivamente. Não se trata de fazer um intervalo para, no meio de palavras simpáticas e conciliadoras, ganhar tem­po continuar o processo de esclavagismo, ganhar tempo para formar novos milioná­rios, ganhar tempo para sa­botar eleições, ganhar tem­po para enganar o Povo.

Doze anos passados, Angola tem injustiças a mais, assi­metrias a mais, tem feridas suficientes para ocupar os médicos durante décadas. Não precisa de acabar com os ricos, precisa isso sim de acabar com os pobres. E acabar com eles não é, como hoje acontece, deixando-os morrer na miséria.

Convém, por isso, que a democracia, a igualdade de oportu­nidades, a justiça, o Estado de Direito che­guem antes de morrer o último angolano. Es­peramos que disso se convença José Eduar­do dos Santos, um an­golano que certamente não se orgulha de ser presidente de um país onde os angolanos são gerados com fome, nas­cem com fome e morrem pouco depois com fome.

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