Rafael
Barbosa – Jornal de Notícias, opinião
Vem
aí um ano eleitoral e com ele um ano cheio de ilusionismo político-partidário.
Uma das ilusões que já se insinuam é a de que este Governo, afinal, do que
gosta é de salários a crescer e de impostos a descer. E assim, à revelia da
troika, aumenta o Salário Mínimo Nacional (beneficiando cerca de 500 mil
trabalhadores); garante que não volta a cortar as pensões dos velhos (cerca de
400 mil); e anuncia a reposição gradual dos cortes nos salários dos
funcionários públicos (cerca de 160 mil). E também assim PSD e CDS presumem
retirar da lista de descontentes um milhão de eleitores. Como se acrescentar 20
euros por mês retirasse alguém da pobreza; como se pagar uma pensão ou um
salário por inteiro não fosse apenas aquilo que manda a lei e a decência.
Mas
no topo do bolo eleitoral, qual cereja, começa igualmente a criar-se a ilusão
de que vem aí uma redução da carga fiscal sobre as famílias, através da
sobretaxa de IRS, agora nos 3,5%. Talvez seja possível cortar meio ponto,
alvitra beltrano. Talvez um ponto, arrisca sicrano. E sejam os pontos que
forem, aqui sim, estamos a falar de um universo eleitoral a sério: pelos menos
2,4 milhões de agregados familiares: aqueles que, em Portugal, pagam IRS, e
portanto arrastam com a famigerada sobretaxa.
Convém
no entanto recordar que a sobretaxa veio a par de uma reformulação dos escalões
de IRS, e que só essa reforma configurou o que Vítor Gaspar descreveu, de forma
despudorada, como um aumento brutal de impostos. Um esbulho a uma classe média
e trabalhadora, que o atual Governo decidiu a seu tempo decapitar à força de
impostos. Reduzir a sobretaxa não constituirá, assim, mais do que uma cortina
de fumo com fins eleitoralistas. O essencial da canga fiscal que pesa sobre a
classe média vai manter-se.
Atente-se
neste conjunto de factos, divulgados pelo Fisco: este ano, o Estado prevê
arrecadar 12,7 mil milhões de euros de IRS (mais 4,5 mil milhões do que foi
capaz de extorquir em 2006, apesar de o país estar hoje notoriamente mais pobre
e desempregado). Acresce que essa enormidade recai sobre apenas 2,4 milhões de
famílias, as que efetivamente pagam IRS (mais 2,6 milhões apresentam a
declaração, mas têm rendimentos tão baixos, que não pagam um tostão).
Finalmente,
isolem-se os 1,4 milhões de famílias que apresentam um rendimento bruto entre
os 13 500 e os 50 mil euros anuais (é sobretudo destes escalões que se fala,
quando se fala de classe média): sobre esta gente, pesava quase metade (44%) da
receita total de IRS. Feitas as contas às previsões para 2014, estes 1,4
milhões de famílias portuguesas da classe média pagarão este ano qualquer coisa
como 5,6 mil milhões de euros. Só no IRS.
Winston
Churchill deixou escrito na pedra, a propósito dos heroicos aviadores
britânicos na batalha aérea contra os alemães, durante a II Guerra Mundial, que
"nunca tantos deveram tanto a tão poucos". Olhando para os números -
os verdadeiros, não os das ilusões eleitoralistas - dos impostos que pesam
sobre a classe média portuguesa, bem que se justifica abastardar a frase:
"nunca tão poucos pagaram tanto".
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