sábado, 10 de janeiro de 2015

ANTROPÓLOGO BRITÂNICO RECORDA O “PARADOXO FRETILIN” DE 1975




Lisboa, 09 jan (Lusa) -- O antropólogo britânico David Hicks, conhecedor da realidade timorense, referiu-se hoje em Lisboa aos primeiros tempos da FRETILIN como um "partido paradoxo" e recordou quando previu a invasão indonésia num artigo que não foi publicado.

Na conferência "O Paradoxo FRETILIN", organizada pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, David Hicks recordou os momentos cruciais do período entre 1974 e 1975 em Timor-Leste e concluiu que o partido que decretou a independência unilateralmente (28 de novembro de 1975) e que teve como origem a ASDT (Associação Social Democrata Timorense) demonstrou capacidades de governação que não foram compreendidas na época.

"A mim surpreendeu-me a forma como o Comité Central da FRETILIN 'governou' Timor-Leste quando o governador português retirou para o ilhéu de Ataúro (11 de agosto de 1975). Este é o 'paradoxo': pareciam tão imaturos como militantes mas depois eram outra coisa. Tomavam conta dos órfãos, ocupavam-se da distribuição de alimentos e envolveram-se profundamente na questão política internacional, sobretudo com a Indonésia", considera Hicks, do Departamento de Antropologia da Universidade Stony Brook, Nova Iorque.

Na investigação sobre a FRETILIN (Frente Revolucionária de Timor Leste Independente), o antropólogo refere que os líderes do partido comportavam-se como "verdadeiros políticos" mas como "militantes pareciam 'pequenos che guevaras'".

"Cheguei à conclusão que a representação estava errada. Era uma ideia que afinal estava muito longe da realidade. Pessoas como Alkatiri, Ramos-Horta, Alarico Fernandes e Nicolau Lobato eram políticos em potência. Eram jovens com muito sentido de liderança apesar da falta de experiência", sustenta o académico.

David Hick recordou que os dirigentes da FRETILIN eram a "minoria instruída, já que mais de 90% da população era analfabeta, exceto a comunidade chinesa.

"Ver duas dúzias de pessoas sem experiência a chegar de Portugal e com uma vaga inclinação para a esquerda política foi complicado", afirmou referindo-se ao período que se seguiu à Revolução de 25 de Abril de 1974, em Portugal.

"Como podíamos ter esta pequena Cuba ao lado da Austrália e da Indonésia com pequenos movimentos separatistas no Ache e nas Molucas (Indonésia) e evidentemente se esta gente conseguisse a independência de Portugal outros podiam também aspirar à independência de Jacarta", sublinha o antropólogo.

"Na altura, eu punha-me no lugar de Shuarto, presidente da Indonésia, e do primeiro-ministro da Austrália (Gough Withlam) e via que a situação era complicada: uma antiga colónia em metade de uma ilha, com meio milhão de habitantes com a esquerda no poder", afirmou.

Depois do golpe de 11 de Agosto, levado a cabo pela União Democrática Timorense que defendia a presença de Portugal no território, e que provocou uma guerra civil com incursões militares indinésia na zona de fronteira, Hicks escreveu um artigo referindo-me às tendências esquerdistas da FRETILIN, às posições pró-Portugal da UDT e do alinhamento de outro partido timorense, a APODETI, com a Indonésia mas a análise foi recusada pelo Spectator.

"No fim do texto concluí que a Indonésia ia tomar posição e invadir mas o editor não publicou. Um dia depois da invasão (07 de dezembro de 1975) mandou-me um telegrama a pedir para atualizar o artigo, o que eu fiz e foi publicado. Mas eu gostava de ter tido o mérito de ter acertado numa previsão. Nas ciências sociais nunca se fazem previsões que acabam por realizar-se. Estão sempre erradas mas desta vez tinha sido verdade", recorda o antropólogo.

Com a passagem das décadas, o fim da ocupação indonésia e, sobretudo, depois da restauração da Independência da República Democrática de Timor Leste (20 de maio de 2002), a sigla do partido, refere Hicks, deixou de ser atual.

"O nome já não é apropriado mas entendo as pessoas que votam pela primeira vez na FRETILIN o façam como um gesto de agradecimento pelo que eles fizeram", concluiu.

David Hicks é autor de várias publicações e livros sobre Timor incluindo o trabalho "Tetum Ghosts and Kin: Fertility and Gender in East Timor" (1976), tendo permanecido na antiga colónia portuguesa entre 1966 e 1967 onde se dedicou à investigação sobre a vida de uma aldeia de Viqueque.

PSP // EL

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