Thierry
Meyssan*
Foi
lançada uma campanha, pelos opositores ao acordo entre os Estados Unidos e o
Irão, para acusar a Rússia de querer anexar militarmente a Síria tal como a
Crimeia. Na realidade, Moscovo prepara uma operação contra os jiadistas, em
aplicação das resoluções da Onu, e vai levá-la a efeito com ou sem Washington.
Desde logo, a Casa Branca organizou uma operação conjunta da Coligação
Internacional e da Síria. A França tenta apanhar o comboio em andamento ao
mesmo tempo que espera, ainda, sabotar a reconciliação Estados Unidos/Irão
A preparação
da implementação militar russa prossegue na Síria provocando a ira dos
Ocidentais. Tal como eu havia anunciado, na minha coluna semanal no Al-Watan [1],
da criação de uma Comissão Militar Conjunta sírio-russa, da transmissão de
informações dos satélites Russos, da chegada de numerosos peritos russos e de
fornecimentos de armas mais sofisticadas, que anteriormente levantou uma
tempestade quando foi confirmada pelos sítios israelitas Ynet [2]
e DebkaFile [3].
Sendo que, em seguida, eu juntava a estes elementos a modernização e o aumento
do aeroporto de Lataquia [4].
No
entanto, uma vez mais, os jornalistas israelitas distorceram a realidade. Eles
sugeriram que a Rússia iria colocar a sua força aérea e a sua infantaria para
defender um Governo sírio à beira da derrota. Certos comentadores, notando uma
possível transferência desde Sebastopol da 810ª Brigada da Marinha russa,
evocaram o exemplo da Crimeia e falaram de uma possível anexação militar russa
da Síria [5].
Ora,
não se trata, obviamente, de nada disso. A Federação da Rússia continua a
procurar uma solução política, para o conflito, entre-os-Sírios, organizando
para isso um diálogo entre o governo e a sua oposição, em aplicação do
Comunicado de Genebra, de 31 junho de 2012 [7].
Simultaneamente,
respondendo ao apelo da República Árabe Síria no âmbito de resoluções
importantes do Conselho de Segurança, a Federação da Rússia encara seguir o
exemplo da Coligação liderada pelos Estados Unidos contra o Daesh, e de lançar
a sua própria operação contra os jiadistas.
A
Rússia informou disto o emissário norte-americano Michael Ratney, aquando da
sua viagem, a 28 de agosto, a Moscovo [8].
Por outro lado, Sergey Lavrov apelou publicamente a uma coordenação com o
exército norte-americano face aos jiadistas [9].
E,
é muito isto que assusta o clã Petraeus / Allen / Clinton / Feltman / Juppé /
Fabius. Na Síria um abismo separa a realidade da ficção mediática. E, como
sempre, neste tipo de situações, com o tempo, são os fabricantes de propaganda
que estão aprisionados na sua própria retórica e, em última instância, que
vivem intoxicados pelas suas próprias mentiras.
A
Federação da Rússia encara, não «reduzir» o Daesh, mas, sim, vencer todos os
jiadistas, quer eles se reclamem do Emirado Islâmico, da Al-Qaida, da Frente
Islâmica ou de qualquer outra organização. De repente, todo o mundo percebe que
não há, actualmente, mais nenhum outro grupo armado anti-governamental que não
esteja ligado aos jiadistas. É de tal maneira real que o Pentágono reconhece
não ter, mais, notícias dos «rebeldes moderados» que tinha treinado para lutar
contra o Daesh, porque todos, sem excepção,se juntaram já à al-Qaida. Os sírios
que se haviam juntado aos combatentes estrangeiros, no início da guerra,
reintegraram a República, quer através de numerosos acordos de reconciliação
levados a cabo desde há três anos pelo governo, ou adoptaram os objectivos dos
jiadistas.
Por
conseguinte, se decidirem agir, os Russos vão atacar a totalidade dos grupos
armados que semeiam o terror na Síria. Os Ocidentais não poderão esconder mais
que a «Coligação Nacional de forças da oposição e da revolução», que eles
reconheceram como a representante do povo sírio, apoia de facto os jiadistas.
Eles terão, pois, de tomar em consideração os partidos políticos da Síria, aí
incluindo aqueles que são aliados do Baath, para fazer frente aos jiadistas.
Um
erro completo de diagnóstico
Os
Ocidentais, que fecharam suas embaixadas e que se privaram de qualquer meio de
análise sobre o que se estava a passar no país, cometeram vários erros de
julgamento. Ignoram a transformação da sociedade síria por quatro anos de
guerra.
Primeiro,
claro que há conflitos políticos na Síria mas não guerra civil. A quase
totalidade dos cidadãos uniram-se atrás do presidente al-Assad contra a
agressão estrangeira, que ameaça a sobrevivência da civilização do Levante.
A
imprensa atlantista estima que o regime não controla mais que 20% do território
e que ele vai, pois, cair em breve. É um facto que o território sírio habitável
é restrito, enquanto o deserto é vasto. A República escolheu defender a
população, mais do que o território com os seus campos de gás e petróleo tão
cobiçados. Do ponto de vista governamental, 20% da população foi forçada pelos
combates a fugir para o estrangeiro, enquanto 75% se encontra sob a proteção da
República, e um máximo de 5% nos vastos territórios onde os jihadistas se
movem.
Depois,
se em 2011 muitos criam no mito da «Primavera Árabe», já não se passa o mesmo
hoje. O projecto do Departamento de Estado para colocar a Irmandade Muçulmana
no poder, no mundo árabe, fracassou. A experiência egípcia tornou-se uma prova
real. Desde a operação «Vulcão de Damasco», de Julho de 2012, o conflito é uma
guerra de jiadistas. A escolha, não é ser a favor ou contra o Partido
nacionalista Baath, mas ser a favor ou contra a modernidade. Os jiadistas
defendem um modelo de sociedade dominada por homens polígamos, onde as mulheres
não podem sair de suas casas senão cobertas com véu e escoltadas por um parente
masculino, onde os homossexuais são condenados à morte, onde só o Islão
(Islã-br) é autorizado e onde a prática wahhabita é obrigatória. Por si só, já
é surpreendente que 5% da população aceite viver nas zonas onde evoluem os
jiadistas. E, é absurdo esperar que estes possam aumentar [10].
Agarrando-se
ao mito da «Primavera Árabe», que eles próprios criaram e eles mesmos
destruíram, os Ocidentais perderam o contacto com a realidade. Eles pretendem
apoiar um movimento democrático hostil ao presidente al-Assad. Mas, para além
do facto que em tempo de guerra a democracia parece ser um luxo, não apenas os
democratas apoiam o presidente al-Assad contra os jihadistas, como ele aparece
como o seu melhor defensor.
Recolhendo
as suas informações exclusivamente junto do Observatório Sírio dos Direitos
Humanos, a imprensa atlantista escolheu intoxicar-se e intoxicar a opinião
pública. O OSDH não é uma organização neutra, mas, sim um órgão de propaganda
dos Irmãos Muçulmanos. E, a Irmandade é a matriz de todos os grupos jiadistas.
Todos os seus chefes são membros, ou antigos membros, da Irmandade Muçulmana,
desde Ayman al-Zawahiri a Zahran Allouche. Os Ocidentais pagam hoje em dia as
consequências de quatro anos de propaganda.
O
caso da França
O
Presidente Hollande anunciou que autorizava o seu exército a sobrevoar o
território sírio para acumular informações sobre o Daesh, e que ele poderia,
mais tarde, autorizá-lo a bombardear a organização jiadista.
Há
um pouco de gesticulação desesperada neste anúncio. Com efeito, François
Hollande justifica-a pela impossibilidade de lutar eficazmente contra o Daesh
só o podendo bombardear no Iraque; mas, é precisamente o argumento que o
presidente Obama tinha empregue em 2014 para o convencer, e que ele havia,
então, rejeitado. Do mesmo modo, há uma espécie de fanfarronice no reclame que
as operações aéreas começaram a 8 de setembro, quando uma tempestade areia de
uma intensidade histórica se abatia, na altura, sobre o Próximo-Oriente,
empastelava os sistemas de navegação eletrónica e tornava impossível a
descolagem(decolagem-br) de aeronaves. Sobretudo, existe uma rara má-fé em
declarar que o Exército Árabe Sírio não destruirá os aviões franceses, porque
já não controla o norte do país, quando ele, secretamente, enviou uma embaixada
militar a Damasco para obter a autorização de sobrevôo necessária.
Obama
prossegue a aplicação do acordo de Lausana
Parece
que, entretanto, a França retirou as consequências do acordo assinado por
Washington e Teerão, a 14 de julho, em Lausana, e que ela não quer ficar
isolada num Médio-Oriente em plena reformatação.
Enquanto
a Coligação Internacional anti-Daesh jamais, durante um ano inteiro, combateu o
Emirado Islâmico, nem no Iraque, nem na Síria, tendo-o em vez disso, pelo
contrário, apoiado com lançamentos aéreos maciços e repetidos de armas, o
presidente Obama ordenou-lhes que ajudassem a República Árabe Síria a defender
Hasaka. A 27 e 28 de Julho as duas forças repeliram, conjuntamente, o Daesh. Os
bombardeamentos da Coligação mataram cerca de 3 000 jiadistas.
Logicamente
a próxima etapa deveria ser a de incluir as Forças russas na Coligação
anti-Daesh, mas, isso é pouco provável. Com efeito, os Norte-americanos e os
Franceses que se opõem à paz com o Irão pretendem expandir o caos, não só ao
Levante mas também ao Norte de África e ao Mar Negro. São eles quem acusa a
Rússia de querer «salvar Assad» da «Primavera Árabe». Deveremos, pois, assim,
em vez disso assistir ao bombardeio do Daesh por duas Coligações distintas;
talvez a prazo a uma diferenciação de papéis, os Estados Unidos ocupando-se com
o Iraque e a Rússia com a Síria.
A
reter:
A Rússia prepara-se para combater o Daesh na Síria, e não contra a oposição democrática.
Em quatro anos de guerra a sociedade síria mudou profundamente. A escolha actualmente não é, mais, contra ou favor do presidente al-Assad, mas, sim, a favor ou contra o modelo de sociedade dos Irmãos Muçulmanos.
Não há mais, actualmente, nenhum grupo armado anti-Assad que não esteja ligado aos jiadistas.
Em seguida ao seu acordo com o Irão os Estados Unidos conduziram uma operação conjunta com a Síria contra os jiadistas, em Hasaka.
A França enviou uma embaixada militar secreta a Damasco, no início de setembro, e obteve a autorização de sobrevôo do território.
A Rússia prepara-se para combater o Daesh na Síria, e não contra a oposição democrática.
Em quatro anos de guerra a sociedade síria mudou profundamente. A escolha actualmente não é, mais, contra ou favor do presidente al-Assad, mas, sim, a favor ou contra o modelo de sociedade dos Irmãos Muçulmanos.
Não há mais, actualmente, nenhum grupo armado anti-Assad que não esteja ligado aos jiadistas.
Em seguida ao seu acordo com o Irão os Estados Unidos conduziram uma operação conjunta com a Síria contra os jiadistas, em Hasaka.
A França enviou uma embaixada militar secreta a Damasco, no início de setembro, e obteve a autorização de sobrevôo do território.
Thierry Meyssan* - Tradução Alva - Voltaire.net
*Intelectual
francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace.
As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe,
latino-americana e russa. Última obra em francês: L’Effroyable
imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand,
2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y
desinformación en los medios de comunicación(Monte Ávila Editores, 2008).
[1]
“O exército russo
começa a envolver-se na Síria”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede
Voltaire, 24 de Agosto de 2015.
[2]
“Russian
jets in Syrian skies” («Aviões militares Russos nos Céus da Síria»- ndT),
Alex Fishman, Ynet (Yedioth Ahronot), August 31, 2015
[3]
“Russia
gearing up to be first world power to insert ground forces into Syria”
(«Rússia aparelha-se para ser a primeira potência mundial a inserir forças
terrestres na Síria»- ndT), DebkaFile, September 1, 2015.
[4]
“A França tenta travar
a implementação militar russa na Síria”, Tradução Alva, Rede Voltaire,
11 de Setembro de 2015.
[5]
“Putin
Sends His Dirty War Forces to Syria” («Putin Envia as Suas Forças de Guerra
Suja para a Síria»- ndT), Michael Weiss & Ben Nimmo,The Daily Beast,
September 10, 2015.
[6]
“Are there
Russian troops in Syria?” («Estão as tropas Russas na Síria?»- ndT), Yuri
Artamonov, September 5, 2015.
[7]
« Communiqué final
du Groupe d’action pour la Syrie » («Comunicado Final do grupo de
acção para a Síria»- ndT), Réseau Voltaire, 30 juin 2012.
[8]
“Russia
emerges as key player in new round of Syria diplomacy. U.S. diplomat latest to
visit Moscow for talks” («A Rússia emerge como jogador decisivo na nova
ronda diplomática sobre a Síria. Diplomata dos E.U. é o último a visitar
Moscovo para conversações»- ndT), Guy Taylor,Washington Times, August 28, 2015.
[9]
“Russia
to U.S.: talk to us on Syria or risk ’unintended incidents’” («Rússia para
os E.U. : Falem connosco sobre a Síria ou arrisquem “incidentes
inesperados”»-ndT), Christian Lowe & Julia Edwards, Reuters, September 11,
2015.
[10]
“A guerra civil árabe”,
Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 30 de Março de 2015.
Sem comentários:
Enviar um comentário